Por Vladimir Cagnolari
Em « MWINDA », Lulendo celebra o encontro das florestas da África Central e das selvas urbanas. Com a bênção do seu Quissange protector.
Há quase vinte anos que Lulendo percorre os palcos do mundo com o seu instrumento: o Quissanje, uma espécie de “piano de polegar”, feito com pequenas lâminas metálicas fixadas num suporte de madeira. Nascem daí longas frases cristalinas que lembram as pérolas de orvalho nas folhas das árvores da floresta equatorial africana.
Lulendo descobriu este maravilhoso instrumento quando ainda era criança e quando, junto com o pai, ia de camião, pelas estradas pouco seguras de Angola, um país durante muitos anos naufragado nos abismos da guerra. Nas aldeias poupadas pelo conflito, os mais velhos tocavam Quissanje. Foi a partir daí que o menino nunca mais se separou deste instrumento que se tornou o seu anjo da guarda.
“MWINDA” (luz), quarto álbum de Lulendo, é a expressão mais significativa desta cumplicidade, em que o Quissanje é rei. Pois é ele que abre o caminho e arrasta em seu rastro os demais instrumentos. Guitarras, cobres e bateria acompanham-no delicadamente, deixando assim ao instrumento favorito e à voz de Lulendo o papel central. Em algumas canções deste álbum, o legendário Tony Allen instalou-se na bateria. Convidado para participar na canção “Mwinda”, Tony Allen ficou encantado também com “Àfrica meu amor”, e decidiu implicar-se com empenho no trabalho músical de Lulendo.
Facto que não surpreende, pois “MWINDA” transborda de luz e de entusiasmo. A voz de Lulendo paira sobre paisagens sonoras que desfilam ao longo dos títulos musicais deste álbum, como numa viagem onde, de tão leves que nos sentimos, eis que somos levados pelo Quissanje.
Deparamo-nos neste álbum com o cunho típico das florestas da África Central: o tal “som vegetal”, evocado pelo falecido Rémy Kolpakopoul, da Radio Nova, quando se referia à música de Lulendo. Em “MWINDA”, podemos apreciar também a simplicidade depurada das músicas da aldeia, assim como a energia fervente e frenética das cidades quando o Quissange, como que impregnado de uma força eléctrica, absorve as distorções e a agitação da África urbana.
“MWINDA” É também uma viagem através dos gêneros: da rumba amorosa (“Alabany”), passando pela balada límpida (“Nguya”) e pela energia funky da canção “Mamona Mbuaé, cujos cobres ressuscitariam os mortos.
Aliás, certas canções deste álbum fazem referência à capacidade de sobrevivência em Luanda, e especialmente às mulheres que, com a mercadoria na cabeça, percorrem as ruas e atravessam os engarrafamentos à procura de fregueses, para terem cada dia, em casa, algo a pôr na marmita. Acossadas por todas as preocupações, assumindo sozinhas todas as responsabilidades, a vida delas, diz-nos Lulendo, é como um imenso engarrafamento (canção “Engarrafamento”). Ainda nas ruas, mas desta vez num modo mais humorístico, “Azul e branco” evoca as viagens interurbanas nos kandongueiros, estes minibus pintados de branco e azul que servem de transporte colectivo, com motoristas por vezes tão destemidos quanto inconscientes que nos dão logo à partida a vontade urgente de rezar. São cenas de uma capital, Luanda, onde Lulendo voltou estes últimos tempos, após longos anos passados em França.
As suas aventuras europeias deram-lhe a capacidade de ter um recuo maior e um outro olhar sobre o seu próprio país, assim como sobre o continente africano, evocados no álbum “MWINDA” com bastante nostalgia e esperança. “África meu amor” é um exemplo disso, assim como a recordação das gloriosas figuras do passado, tais como a profetisa Kimpa Vita. Com efeito, no século 18, a “Joana d’Arc” do antigo reino do Congo foi condenada pelos religiosos católicos e queimada na fogueira por se ter rebelado contra a hegemonia religiosa e cultural destes últimos. Aliás, quase todas as canções deste álbum são interpretadas em kikongo, a língua do antigo reino do Kongo (hoje dividido em dois Congos e Angola) afim de lembrar o valor desta herança. Como uma luz que não podemos esconder, e que encontra sempre o caminho para iluminar, esta herança também descobriu o seu caminho na vida, graças aos dedos e à edição deste novo álbum de Lulendo, “MWINDA”.
Enfim, frequentemente, através da voz suave do cantor, em “MWINDA” brota também a energia do rock.
Resumindo, este álbum parece bem com Lulendo, com os caminhos da sua vida e com as fontes que o alimentaram até hoje. Por isso, o presente trabalho é um dos mais bem-sucedidos.
(Tradução de Dominique Stoenesco)
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