Por Fautino Diogo
JOÃO FERREIRA :«Estão a usar ilegalmente o café para obter divisas»
Os produtores de café queixam-se das dificuldades na produção do bago vermelho, agravadas pela faltade financiamento e pela intervenção de agentes externos que, com práticas ilegais, condicionam a comercialização do produto, conforme denuncia o presidente da CAFANG.
A Associação está satisfeita com actual momento na produção de café no país?
Claro que não. Deveríamos estar melhor do que estamos. Um país que, em 1973, atingiu as 240 mil toneladas de café não pode estar satisfeita com a actual produção, de 15 mil toneladas.
O que falta para a dinamizaçâo do sector?
Falta uma organização eficiente. O Estado tem de abrir a bolsa para ajudar os produtores disponíveis e com capacidade para fazer as coisas. Deparamo-nos com grandes dificuldades. Uma das principais é precisamente o financiamento.
É preciso que haja financiamentos suficientes para abraçar uma actividade de ciclo longo, como é a do café. É necessário que o Estado apareça com apoios financeiros. Não queremos que nos ofereçam dinheiro. Queremos créditos, pois vamos reembolsá-los. Os bancos comerciais deveriam ter mais responsabilidade nisso, mas infelizmente não têm.
As estradas são outro problema. Não pode haver uma organização comercial se não houver uma rede viária eficiente. Estou a falar das estradas de acesso às produções, que não existem, de ligações às zonas rurais que dificultam, não apenas a produção, mas também a comercialização do café.
A venda do café nâo garante a continuidade ou sustentabilidade do negócio?
Não é possível haver sustentabilidade para quem está a começar. Daí a necessidade de as instituições financeiras também ajudarem. Defendemos a criação de uma instituição financeira própria para ajudar a alavancar a produção de café. Se tivermos uma instituição financeira que se ocupe realmente com a produção do café, pensamos que daqui a alguns anos, três ou quatro, o cenário será outro.
Esta instituição financeira seria pública ou de iniciativa privada?
Seria uma iniciativa privada com o apoio institucional. Se o Estado facilitar a criação de um banco privado com todas as condições para incentivar a produção do café, de certeza, será um grande impulso para o desenvolvimento deste sector.
Alguns produtores queixam-se de concorência desleal na venda do café em Angola. Essas queixas têm fundamento?
O que se passa é que, em função da actual crise, empresas com recursos em Kwanzas querem encontrar uma forma de valorizar o seu dinheiro, lançando-se na compra do café. Estão a usar ilegalmente o café para obter divisas e acabam por atropelar todas a normas.
Estão a comprar o café ao preço acima da média. Por exemplo, o quilo do café Robusta Ambriz, que era vendido a 135 kwanzas, está a ser comercializado a 500 kwanzas. O Robusta do Kwanza-Sul já se fala em 700 kwanzas. Quem entra neste mercado com estes preços é porque está provavelmente interessado na lavagem de dinheiro ou a passar o café em zonas não oficiais. Há quem defenda que o produtor ganha com isso, mas é um ganho temporário. Porque, quando o mercado normalizar, quando a pressão dos fluxos de divisas desanuviar, os preços não serão estes e isso pode desmotivar os produtores.
De que forma estes compradores estâo a usar ilicitamente o café para obter devisas?
Estão a exportar passando por vias não oficiais. Fala-se, por exemplo, no mercado do Luvu, na fronteiraentre a província Zaire com a RDC.
Estes compradores estão identificados?
Já denunciámos em alguns círculos essas práticas. E esperamos que o Governo tome medidas para pôr fim a estas ilegalidades.
O que é que a associação está a fazer para acabar com estas práticas?
Primeiro denunciar. Pensamos que o Estado pode licenciar um grupo de empresários para se ocupar da exportação e, assim, fechar o circuito que outros estão a utilizar indevidamente na exportação do café.
Qual é a produção actual de café no país?
Números oficiais do Instituto Nacional do Café (INCA) apontam para 15 mil toneladas este ano e projectam para o próximo ano 30 mil toneladas.
Sem pôr em causa este número, é difícil para quem produz 15 mil toneladas passar para 30 num ano, com as mesmas condições de produção.
Temos de pensar em produzir café, começando pelos viveiros para que, daqui a quatro, cinco anos, começarmos a ver os resultados, de acordo com os ciclos de produção.
Agora, querer chegar às 30 mil toneladas, quando, neste momento, ainda não temos as podas, os cafezais a serem feitos… Deveríamos começar a tratar da plantação e envolver todos os actores para aumentarmos a produção com outras condições.
E não pensar que, no próximo ano, teremos 30 mil toneladas, provavelmente não teremos.
Temos produção suficiente para a exportação, numa altura em que se aponta o café como um dos produtos para captação de devisas para o país?
Quem produz menos, exporta menos. E muito pior quando os exportadores oficiais não conseguem obter a quantidade de café que precisam. Por exemplo, os proprietários da marca café Cazengo, que têm mercado nos Estados Unidos da América, exportaram alguns contentores e agora tem dificuldade em continuar a exportar por falta de produto.
Porque provavelmente o café está a ser adquirido por entidades que não estão licenciadas para exportar café.
Teremos condições para voltar a ter a produção de café de anos passados, quando era suportada grandemente por trabalho quase escravo?
Este é um problema que sempre se colocou. Infelizmente, tenho de dizer que os tempos mudaram e que também é preciso mudar as práticas.
Esta não é uma verdade desconhecida e sabemos o quanto era difícil trabalhar no café. Mas isso não inibe que possamos produzir café. Costumo dizer que no café cabem todos. Por isso, todos os interessados devem apostar neste sector para que a diversificação de que se fala seja cada vez mais uma realidade.
Reorganizar o sector
O que levou à criação da Associação Nacional de café, Cacau e Palmar?
Foi a necessidade de uma instituição que albergasse todos os actores das distantes fases do café. Surgimos para que, a nível do país, fossemos um parceiro forte e capaz de sugerir formas para o desenvolvimento deste sector. O café é uma commodity que precisa de alguma organização. Por isso, queremos reorganizar este sector, incluindo o cacau e os palmares de Angola.
Estamos a falar de uma associação recente?
A associação foi criada no ano passado, mas, por questões burocráticas, só este ano é que foi instituída. Estamos a dar os primeiros passos para sua instalação.
Quantos associados têm?
Estamos na fase de cadastramento dos sócios. Todos os membros da fileira do café. Já vamos em 300 inscritos, mas é muito cedo para dizermos quantos temos.
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PERFIL:
João Ferreira é natural da província do Uíge, tem 63 anos e é pai de oito filhos. Trabalha com o café desde 1975. Passou por empresas, como Encafé, fez parte da comissão instaladora da Procafé e,actualmente, é o coordenador da comissão de gestão da mesma empresa, que se encontra em fase de extinção. Nos tempos livres, dedica-se à família e à igreja e gosta desporto.
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