FUZILAMENTO DE COMANDANTES DO ELNA NA BASE DO KINKUZU. TESTEMUNHO DE COMBATENTES.

Holden Roberto passando em revista guerrilheiros do ELNA na Base do Kinkuzu, em 1974. Imagem da FNLA.

A base de Kinkuzu e o fuzilamento de comandantes

Testemunho de combatentes. 

Por Silvino Fortunato/Uíge

Os ataques havidos, durante quase todo o ano de 1961, contra as concentrações de colonos portugueses em territórios do Uíge e Kwanza Norte, tinham empurrado o povo a uma nova realidade. Encontraram morada, nas frondosas florestas do Uíge, ficando para trás e abandonadas aldeias inteiras.

Segundo o nacionalista Miguel Pedro, que tinha participado no ataque contra o posto administrativo de Lukunga do Mbembe, no dia 15 de Março, os esconderijos eram dirigidos por homens que já tinham experiência militar e por aqueles que vinham como mensageiros, tendo facilitado rapidamente a organização das pessoas em pequenos grupos, formando assim as primeiras bases.

“Em 1962, fomos tirados, 60 pessoas, do grupo que era controlado pelo Muangazi, para irmos buscar armas ao Congo Kinshasa, junto do Governo Angolano no Exílio, recentemente constituído”. Já em Kinshasa, ao grupo foram retirados 10 homens incluindo o próprio Miguel Pedro, que neste ano completara 18 anos. Estes tiveram o privilégio de assistir a passagem da União dos Povos de Angola (UPA) para a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA). Os outros 50 efectivos regressaram para as bases, recentemente criadas nas matas do Uíge e Kwanza Norte com o primeiro material de guerra.

Miguel Pedro disse que ele e mais muitos outros membros foram encaminhados depois para Kinkuzu, para criarem as condições necessárias, que estabeleceu, posteriormente, o temido campo de formação militar da FNLA.

Foi neste mesmo ano de 1962, o da fundação da FNLA, que também começaram a chegar a Kinshasa os primeiros cadetes que tinham sido formados na Tunísia. O presidente Holden Roberto e alguns dos membros da direcção tinham decidido enviar a cada um destes militares a sua respectiva área operativa ou seja aos postos de sua proveniências.

Esta pretensão fora contrariada por alguns oficiais que sugeriam a criação de uma base de instrução para os muitos guerrilheiros inexperientes que se encontravam nas matas de Angola e mesmo aqui no Congo sem fazerem nada, para serem verdadeiros militares, lembrou Miguel Pedro actualmente delegado da FNLA no município de Negage, na província do Uíge.

Na discussão entre os políticos e militares, segundo informou, concluiu-se que se deveria abordar primeiro o governo do Congo para ver se acolhia a decisão do movimento da criação no seu território dessa base de instrução. Depois da aceitação, pediram então a Kazavubu uma área para o assentamento desta base, sendo-lhes então indicada a localidade de Kinkuzu, num terreno agora baldia, onde anteriormente os franceses faziam os seus treinos.

O Eduardo Pinock e outros dirigentes foram a Mbanza Ngungu e daí a área de Matadi, disse. “Desta localidade desceram a mais 70 quilómetros e foram encontrar a sanzala chamada Kinkuzu. Conversaram com os sobas, que eram os chefes das regedorias, conforme a designação local, que mostraram o terreno. Os dirigentes avaliaram e viram que o terreno estava bem localizado pelas terras férteis e aproximação de rios”.

O mesmo grupo de Pinock já não voltou. Ficou a preparar o lugar. Depois, os homens da direcção política, como o Pinock, regressaram a Kinshasa, por ordem do comandante em chefe, o Horden Roberto.

“Quando cheguei era um deserto de capim baixo, o lugar escolhido para o centro. Fomos os primeiros guerrilheiros a acompanhar os chefes que decidiram a escolha do lugar para a preparação militar dos guerrilheiros. O capim era curto ou seja de pouca altura. Não sei porquê, mais tarde esta vegetação tornou-se alta. Antes era um deserto”.

Logo, logo, começaram a capinar o lugar, de seguida a cada um erguia a sua cubata com paus, cordas e capim, seguindo-se a construção das instalações gerais do centro com o mesmo material artesanal, um trabalho que era facilitado pelas pessoas da região de Kinkuzu que também falam kikongo, tal como muitos deles, referiu.

“Fui uma das pessoas a contactar a população do povo (aldeia) de Kinkuzu. Falei da minha origem familiar, que era tsakungu, sobretudo da minha família materna que é de kisamba. Descobri que havia membros da geração do meu pai nevika, que no Congo chamam nevintali. Me receberam bem”.

As primeiras catanas com que começaram a capinar e a organizar o espaço, que mais tarde acolheria milhares de Angolanos, foram dadas pelos habitantes de Kinkuzu. Elas próprias ajudavam também a limpar o lugar. “Ajudavam também com comida, oferecendo kikuanga, que chamavam tinga”, até que se concluiu que as condições estavam criadas para a instalação do campo de formação militar da ELNA, o recentemente criado braço militar da Frente.

Foi em 16 de Agosto de 1962, que entrou em actividades a base de Kinkuzu, numa cerimónia dirigida pelo próprio presidente Holden Roberto. O funcionamento do centro foi antecedido pela criação da estrutura do mando militar, como foi o estado-maior, os chefes das companhias e dos batalhões, sendo depois constituídos os quartéis, que deram lugar sucessivamente as instruções, após que foram estabelecidos os períodos das instruções combativas, táctica, política e outras matérias.

Miguel Pedro disse que o primeiro grupo de recrutas tinha mais de duzentos instruendos. “Duzentos, é pouco. Tinha trezentos e tais”, a maioria era jovem, havendo também alguns mais velhos, muitos deles com passagem na vida militar portuguesa em Angola e fora. “Fomos os primeiros instruendos da base de Kinkuzu”..

José Kalundungu, que mais tarde integrou-se na UNITA, foi o primeiro responsável do centro. Kalundungu foi o nome de um dos rios da região de Kinkuzu, cujas águas tinham o sabor de gindungu, ardendo quando se a provassem. Quis que o chamassem Zé Kalundungu diminuindo também o nome original, que era José, nascido nas terras dos Kwanyamas, em Ondjiva.

O Zé Kalundungu acumulava a função de chefe do centro com a de chefe de estado-maior. Constavam entre os primeiros instrutores o Sengele Roberto, o Miguel Pedro, Paulo André, Pedro Bunda, que foi um dos chefes do centro, que fez parte do primeiro grupo instruído na Tunísia. Todos eles constituíram o primeiro grupo de dirigentes que ocuparam cargos no centro de Kinkuzu. Uns eram directores, outros chefes de instrução e havia ainda os chefes políticos e demais funções que repartiam com a tarefa de instrutores.

Muitos dos que ocupavam as primeiras funções desta organização militar tinham treinado na Índia, na Tunísia, na Nigéria e em academias militares de outros países, que chegavam regularmente para reforçar o grupo de instrutores. “No grupo da Índia estava o comandante Londres, natural do Mbembe. O Londres era oriundo das matas do Mbembe antes de ir aprender técnicas de combate e direcção militar em várias academias no estrangeiro”.

Aludiu ainda que havia também instrutores militares estrangeiros que vieram depois, quando o presidente obteve a ajuda da China, onde vieram esses instrutores chineses. “Veio um batalhão deles, comandado por um coronel, que nos deram as últimas instruções antes de partirmos para Angola”.

Segundo Miguel Pedro, o fardamento de recruta foi entregue no primeiro dia da abertura do centro, pelo próprio presidente Holden, assim como as armas cumpridas que usaram nos primeiros meses de treinamento que eram holandesas. Também usaram armas de tipo mouser e Ge3. O fardamento era de cor azul, igual a farda que a polícia nacional usa hoje, conforme especificações do ex-guerrilheiro.

O centro de Kinkuzu infrentou uma acentuada crise de alimentação entre o período de 1962 e 1963. A comida vinha de Kinshasa, era à base de arroz, feijão, fuba de milho e conservas. Também recebiam cigarros.  Mais tarde, a população angolana,que estava já fixada no Congo, ajudou muito no fornecimento de mantimentos ao centro. A partir de 1965 o povo já tinha criado lavras.  Trabalhava mandioca, ginguba, que enviavam para o centro. Eram os povos da Damba, Mbembe, Mukaba e outras regiões do Uíge, que chegavam ao centro de viaturas para doarem a comida.

Com os acontecimentos de 15 de Março, a partir do Lukunga do Mbembe, Ambuíla todos tinham fugido para as matas, tendo muitos avançado para o Congo, segundo precisou, adiantando que foi esta população que ajudava com o abastecimento ao centro.

A primeira fase da formação durou seis meses de treinos, após que juraram a bandeira. “Tiramos a farda azul e deram-nos a farda militar”. Imediatamente, foram sendo distribuídos para as várias frentes que existiam no interior de Angola. “Eu fui enviado para Cabinda”.

Entretanto, os militares regularmente eram chamados para participarem noutros treinos de coesão combativa em Kinkuzu. Depois de dois anos em Cabinda, Miguel Pedro voltou a Kinkuzu para novo treinamento. Também davam férias para a necessária visita a família que estivesse em Kinshasa ou noutros pontos do baixo Congo.

Tentativa de golpe ou conspiração?

Questionado sobre os acontecimentos registados em Kinzuzu, Miguel Pedro disse que estava na frente Cabinda, quando se instalou “a triste crise que abalou para sempre a estrutura da FNLA”. Foi a sua primeira grande crise, mas que marcou o movimento durante o tempo que restava para a independência, conforme reconheceu o ex-combatente da liberdade, actualmente entregue à política.

Foi entretanto, Pinto Luvambu, que acompanhava a conversa entre o jornal de Angola e o nacionalista Miguel Pedro, quem assumiu que acontecimento tinha envolvido um grupo de oficiais da ELNA, com destaque para os comandantes Tonta e Londres. “A primeira grande crise da FNLA envolveu o grupo do irmão comandante Londres”.

Luvambo é o actual delegado do partido FNLA no Uíge, ingressou na luta armada, pela UPA desde os primeiros dias que se seguiram ao 15 de Março de 1961, quando participou no ataque contra colonos portugueses, no posto administrativo do Songo, sua terra natal. Na altura dos acontecimentos de Kinkuzu fazia parte do batalhão que era chefiado pelo comandante Londres.

“Foi em 1969 que saímos de Kinkuzu e nos fixámos na COBA, numa composição de um batalhão reforçado. Instalaram o comando numa região onde encontraram os chefes guerrilheiros como o Paulo da Glória e o Nzambi Nzengani. Eu e o comandante Sousa, comandante Bunda fomos mandatados a estabelecer o primeiro comando do Uíge na região de Mongo a Mbuela”. Mais tarde Pedro Bunda, mais conhecido por Ngongotá, nascido em Nkusu Mpete, em Maquela do Zombo, passou a adjunto de Londres, segundo Luvambu que reconheceu as qualidades combativas do antigo cabo do posto do Lembua.

Neste ano as forças portuguesas como indicou estavam muito activas, sujeitando a guerrilha a muita pressão. Operavam com helicópteros puma, que fustigava incessantemente as áreas em que estavam as bases guerrilheiras. “Quando chegavam, vasculharam as matas, nos madiada ou naquelas ervas, onde as pessoas se escondiam. Os helicópteros baixavam e faziam descer os comandos, em cordas para apanharem as pessoas escondidas e logo levantavam com elas”.

O povo quando viu isso falou com o comandante, que era o Londres, informando-o das peripecias que as acções dos comandos portugues provocavam. “Comandante aqui estamos mal. Devemos mudar o calibre das armas  e também deve-se adquirir antiáreas para o abate dos aviões. Agora, os helicópteros conseguem levar as pessoas escondidas e às vezes lançam fios com os quais apanhavam as pessoas, três ou quatro. Mesmo soldado com arma você vai. Isso está mal”, disse já com o olhar distante aos dias daquelas empreitadas nacionalistas.

Embora trêmula, com a idade, a fala do então combatente ainda revela conhecimento do encontro muito renhido que tiveram com a população nessa base onde ouviram até os depoimentos de civis e soldados subalternos, sobre a catástrofe que provocavam as operações portuguesas dificilmente ripostadas pelas armas inadequadas que tinham.

O comandante Londres indicou o seu adjunto, o comandante Pedro Bunda, o Ngongotá, que se recusou terminantemente de levar ao presidente as inquietações das bases. “O homem disse não, eu não vou. É melhor você mesmo é que vai”.

O comandante Londres regressa então para o Congo para expor ao mando superior esses e outros problemas, constatados aqui, discutir as soluções necessárias,“para ver se o presidente Holden Roberto mudasse o calibre das armas”.

No encontro que mantiveram, de acordo com Pinto Luvambu, primeiro houve concordância, mas depois as coisas não correram bem. Não foi conforme queríamos.O presidente disse que desta vez ainda não, mas que todo o homem cadete, que foi aprender estatística militar fora, tinha de ir para as matas, porque o povo quer render-se, a massada era demais.

Então, disse, o Comandante Londres deixou Kinshasa indo para Kinkuzu onde encontrou uma manifestação de quadros e das chefias militares. “Aí o Tonta faz o memorando para que todos assinassem para que o Holden aceitasse a vontade deles, que era de mudar o presidente Holden. Quando o Londres chega, lhe obrigam também a assinar”.

Esses apresentaram ao comandante Londres um manifesto, que entre outras questões levantava a ideia da substituição do comandante em Chefe, o presidente Holden, pela ineficiência que julgavam haver na condução da luta.

“Já que você é de confiança dele e até te mandou ao estrangeiro para reconhecer o exército, tens de assinar e seremos nós a substituir o presidente no comando”. Desconfiando das consequências que ia dar, insistentemente o comandante Londres se recusava a assinar, mas depois de muita pressão por parte dos companheiros o homem acabou por assinar, disse.

Adiantou que após isso colocou-se a seguir o problema de quem levaria o memorando ao presidente. O comandante Tonta sabia que Londres, até então, era o oficial de quem o presidente tinha muita confiança, pela qualidade profissional e académica, muito elevada em relação à maioria dos demais. Aproveitando-se disto, sugeriu que fosse o Londres o mensageiro que entregaria o memorando ao Holden.

Londres ainda recusou alegando que tudo isto daria em confusão ainda por cima na terra alheia e que se o propósito falhasse haveria consequências drásticas, lembrou o ancião, que mais tarde aventou a possibilidade de que a maioria tinha caído numa cilada montada pelo comandante Tonta, que tinha o propósito dele mesmo ascender à chefia do movimento.

Nas suas lembranças Luvambu revelou que “afinal, o Tonta já estava a receber mensageiro de Brazzaville. O Tonta nasceu e estudou em Brazzaville. Estudou com o presidente Marien Nguabi. Muitas vezes nos falava, o outro já é presidente e eu ainda apenas sou comandante”.

Depois de assinarem a carta, ele, o Tonta, e um pequeno grupo parte de Kinkuzu para Kinshasa para fazer contactos fora do grupo, antecipando a equipa do Londres. Quando Mobutu tomou conhecimento do conteúdo do memorando deteve imediatamente o grupo do Londres. “Isso também porque não tinha gostado das palavras que o miúdo, o filho do Gourgel, lhe dirigiu de que ele não tinha nada a ver com o nosso caso, porque nós somos oficiais académicos”. A isso o Mobutu respondeu-lhe que era ele o dono do país e não podia estar indiferente com o que se passava. Sentiu-se ofendido e mandou-os deter.

A seguir foram retirados da cidade de Kinshada e transferidos para Kinkuzu, acusados de várias coisas já modificadas, que depois nos chegaram à base onde nos tinha deixado o nosso comandante Londres, referiu com nostalgia o antigo guerrilheiro.

Ao contrário do que o povo nas matas esperava, receberam as informações que indicavam a tentativa de um golpe contra o Holden. O comandante Ngongotó que foi adjunto do comando do batalhão foi quem recebia as informações que vinham de Kinshasa sobre o hipotético golpe, via rádio.

Fuzilamento de comandantes

A situação confusa que se instalara nas matas obrigou a uma reunião do comando da guerrilha de diferentes posições. “Fomos chamados, por ele, todos os comandantes do Uíge e Kwanza Norte, mais os outros como o Roneto, o Distraído, o Manuel Bernardo e outros. Sentamos. Temos de dizer alguma coisa ao presidente para salvar os outros. Também não vamos defender o mal. O que é certo, estamos numa situação um pouco complicada. Não temos país e o português nos persegue”, ainda se lembra Pinto Luvambu do debate que tiveram sobre o assunto.

Os maquisards temiam pelo abate dos companheiros, em uma sentença quase certa em casos de golpes falhados. “Agora esses quadros, vão mesmo desaparecer (morrer)? Uma vez desaparecem o que será da revolução? Entretanto, se recusavam a enveredar em confusão ou a intervirem militarmente. “Também fazer confusão no meio da guerra de libertação não dá porque não temos país. E se o Congo nos corre daí, onde vamos ficar para fazer a política”?

Pinto Luvambu disse que perante a indefinição decidiram defender a continuidade da luta para a libertação do país, tendo em contrapartida comunicado ao presidente que eles cometeram erros, mas que devia encontrar outra solução e não o fuzilamento. Entendiam que o presidente tinha de ver que o país onde estavam a formar a tropa e a viver não é Angola. Se houvesse confusão neste país, que é alheio, seriam expulsos e teriam dificuldades em como sustentar a guerra.

“Se estes comandantes morrem estamos a matar o partido, porque todos os comandantes que se prevê abater têm famílias nas matas e no Congo também, caso essas famílias ouvissem que os filhos deles foram executados. Não vão saber o motivo do fuzilamento e vão apenas fazer confusão. Sugerimos que se encontrasse uma outra solução”, lembrou.

No Congo, o presidente Holden Roberto mandatou uma comissão chefiada por Peterson para inquirir em Kinkuzu os meandros da tentativa de sublevação, como entendia, cuja investigação seria extensiva aos quadros e comandantes que estavam nas matas e com ordens para a tomada de medidas necessárias.

A intersecção dos comandantes no maquis, através de cartas e de conversas por rádio com o próprio Holden, não surtira efeitos nenhum. “Os homens foram mesmo fuzilados. Houve tristeza profunda. Mas não podíamos nos rebelar por causa da situação ambígua que nos encontrávamos”.

Contou que Mobutu colocou forças transportadas a volta de Kinkuzu, enquanto outra tropa mista tinha perfilado à frente da formatura dos homens condenados. “Se quem faz golpe, falha, é executado. O presidente Holden manda executar os homens. Todos quantos estavam presos”. Foram presos em Kinshasa e executados numa parada em Kinkuzu.

Estavam nas matas a lutar contra a força colonial e no Congo estávamos em terras alheias, uma ambiguidade que teriam apenas de suportar em silêncio.“Os portugueses estavam a nos perseguir e conheciam os nomes dos comandantes, seus adjuntos e outros chefes. Não tínhamos como. Tínhamos que encontrar maneiras de gerir a situação, mesmo com a nossa tristeza e frustração. Vamos combater o colonialismo português e quem mais tarde quiser perguntar o que se passou, vamos contar.

Depois de fuzilarem dezenas e dezenas de comandantes em Kinkuzu, o presidente entendeu abandonar a extensão do abate dos chefes guerrilheiros que encontravam no interior. “Já não fuzilaram mais ninguém. Todos os nossos nomes estavam na lista. Estávamos no plano, éramos tratados por famílias do Londres. Queriam também nos prender e fuzilar, nós os que fazíamos parte do grupo do Londres”, que era o comandante do batalhão da frente norte.

Pinto Luvumbu, como informou, pertenceu, na época, ao comando do quartel central do Uíge que estava cubicado no actual território de Ambuíla, no Mongo Ambuela, propriamente, na Pedra do Nzenzu, uma das 7 maravilhas de Angola. “Era nas furnas da Pedra do Nzenzu que abrigamos. Era a nossa base. É aqui que Londres nos deixou para ir apresentar as preocupações da frente”.

Fragilidade da FNLA

Mais tarde, o mesmo presidente Holden mandou buscar o comandante Ngongotó, que era o adjunto de Londres. Este escoltado pelos guerrilheiros chefiados por Pinto Luvumbu seguiu para responder à chamada do comandante em chefe. Foi na posição de Nkenka, que encontraram o Tonta, que tinha substituído o Londres em termos de confiança do presidente, que os recebeu.

Segundo avaliação de Pinto Luvambu, quando o Londres levou o memorando ao presidente o Tonta já o tinha feito, antecipando-se, contando outra versão que incriminava os outros. “Ele enganou os outros”, disse o ancião com a justificação do facto de ele não ter seguido o mesmo destino dos demais que tinham assinado o memorando.

Para ele, a morte de Londres foi uma conspiração do Tonta. “Ninguém ficou satisfeito, mas tínhamos um peso enorme de um país para libertar do colonialismo português”.

Pinto Luvambu considerou grande derrota a morte do Londres. “A morte do Londres e de outros companheiros fragilizou a FNLA, fragilizou o exército do ELNA, no enfrentamento do inimigo e nos desafios do período de transição”. Ao contrário de Tonta, todos os que foram fuzilados eram quadros relevantes com formações em várias academias militares no estrangeiro.

Demonstrando remorso, Pedro Luvambu não quis citar os nomes dos comandantes que tombaram naquele dia. Limitou-se a lembrar que essa gente falava várias línguas.Tinham formações muito elevadas, quer a nível da academia, quer a nível militar. Conheci vários irmãos que eram intelectuais extraordinários. Todos morreram lá. Não tenho prazer de estar aqui a falar dos nomes deles”.

Já em lágrimas suspirou, “tombaram o Sengele Roberto, o José Jaime Augusto, o Miguel Pedro… A maioria dos primeiros dirigentes e instrutores do centro da base de Kinkuzu morreu neste dia. Continua a dar muita tristeza contar isso”.

O Londres apenas queria que se mudasse a mentalidade da guerrilha, da forma de luta e dos equipamentos de guerra, declarou rebuscando a realidade que testemunhara, tendo enfatizado:“A política é complicada”. Referiu que “o nosso grupo tinha ficado nas matas e esperávamos pelo comandante Londres que ia explicar ao presidente as necessidades dos guerrilheiros e dos anseios do povo nas matas. Já mais regressou, Tinha caído numa cabala e morto pelos seus companheiros”.

Relacionamento complicado

A situação do abate dos dirigentes tinha deixado marcas profundas na organização, que enfrentava especulações de várias natureza. O presidente admitia dificuldades de relacionamento com o efectivo proveniente do Uíge, uma realidade que o inquietava ultimamente, depois da situação de Kinkuzu.

Num dos dias chegou aos ouvidos do Presidente que muitos guerrilheiros oriundos do Uíge tinham se rendido ao exército colonial como sinal de pretexto pela morte dos comandantes.

“Preocupado o presidente mandou-nos para inquirir o que realmente se passava nas bases, numa missão que era dirigida pelo então mensageiro, agora militar, Manuel Bernardo, e coadjuvado por mim, Pinto Luvumbu”. Manuel Bernardo, aquele que instigava os levantamentos populares havidos, a partir do 15 de Março contra os assentamentos coloniais, era agora o comissário político da frente norte.

Foram encarregados de inquirir o que se tinha passado em Mukaba, região de Kinvuenga, indicada pelos boatos como o da deserção dos guerrilheiros. Quando chegaramos aqui contactamos o capitão que encontramos na base do Bala, arredores da aldeia com o mesmo nome, que estranhou a natureza da informação.

“Viemos saber se havia mesmo deserção em massa ou não”. Depois foram a base que o oficial do movimento os indicara, onde encontraram mais de um batalhão, uma prova de que não existira deserção entre o efectivo. O grupo estava tudo intacto.

Apesar disso “disseram-nos que não se tinham rendido mas sim haviam tropas portugueses negras que se tinham rendido por causa das acções guerrilheiras”. Cumprida a missão marcharam de regresso, quando tiveram uma surpresa inusitada, segundo informou Pinto Luvambu.

“Chocamos com militares do exército português. Estes chegaram transportados em três unimogs. Também surpreendidos, procuraram saber a nossa proveniência. Nós explicamos que viemos de kinkuzu, mas somos angolanos que vivem nas matas. Eu, particularmente, disse que foi há dias que vim do coba, o comando operacional da Frente norte. Ao longo da guerra de guerrilha essa entidade mudou de sigla, passando depois para COA, e no pós- independência, isso durante a luta fratricida, chamou-se cofa.

Depois de uma certa hesitação os militares portugueses desceram dos Unimogs e abraçamo-nos, isso aconteceu no território de Mucaba.

Via JA
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