Herói do Ebo deu a vida por Angola

Por Pereira Dinis e Artur Queiroz

O comandante Arguelles morreu em combate, a 12 quilómetros do Ebo. A Independência Nacional tinha sido proclamada pelo Presidente Agostinho Neto há apenas uma semana.

O general Luís Faceira foi seu companheiro de armas e define-o desta forma: “Arguelles era um homem vertical e muito corajoso. Deu a vida por Angola”. O seu corpo está sepultado em Luanda, no Cemitério do Alto das Cruzes.

Combatentes cubanos que estiveram em Cabinda, Lucala, Samba Caju e Kifangondo foram enviados para o Ebo, onde as tropas invasoras sul-africanas foram travadas na sua marcha para Luanda. Mas o comandante Arguelles já lá estava desde Outubro. Ricardo Kapushinski, Luís Alberto Ferreira e Artur Queiroz estiveram com ele em Porto Amboim. O general Luís Faceira conta o porquê da sua presença no Cuanza Sul: “Arguelles era o comandante das forças cubanas em Angola e estava comigo em Porto Amboim, porque aguardávamos um navio que ia desembarcar material de guerra. Depois ele ficou connosco até ao dia em que morreu em combate”. O general fazia parte do comando da Frente Centro, nomeado pelo comandante Xyetu, cumprindo uma ordem do Presidente Agostinho Neto.

O embate com as tropas sul-africanas, a sul de Quicombo, obrigou a um recuo das FAPLA.

No Sumbe, o comandante Arguelles mostrou a sua coragem: “A situação militar estava muito complicada e ele disse numa reunião do Comando que Sumbe era a linha final. Se os sul-africanos nos obrigassem a recuar, devíamos entrar imediatamente na táctica de guerrilha até derrotar o inimigo”. Face ao poderio das forças invasoras, era preciso muita coragem para tomar a decisão de não recuar e criar unidades de guerrilha.

O general Luís Faceira recorda esses dias em que a Independência Nacional esteve em grande perigo: “Face ao avanço do inimigo resolvemos sabotar várias pontes, criámos um autêntico funil que havia de conduzir as tropas invasoras para o Ebo. E foi lá que montámos a defesa. O comandante Arguelles esteve sempre ao nosso lado”.

Na Batalha do Ebo, as FAPLA e os combatentes cubanos, esmagaram os invasores. O general “Defunto” Faceira descreve esse acontecimento como “combates bota contra bota”. O confronto quase físico com as tropas invasoras teve como consequência a captura de soldados inimigos, que mais tarde foram mostrados em Adis Abeba, na sede da Organização de Unidade Africana (hoje União Africana), como provas da invasão da África do Sul a Angola.

A morte de um herói

No dia 11 de Dezembro de 1975, um mês depois da proclamação da Independência Nacional, o Comando das FAPLA decidiu enviar duas colunas para enfrentarem os invasores sul-africanos: “O comandante Arguelles ia à frente de uma coluna, na direcção do Morro do Tongo, Hengue e Fábrica do Leite. Eu avancei com outra coluna em direcção à Cela, via Quissobe. O que aconteceu nesse dia foi a lógica da guerra”, disse à nossa reportagem o general Luís Façeira.

Eram 14h00 quando as colunas saíram do Ebo. Os combatentes das FAPLA e os internacionalistas cubanos estavam animados com os sucessos militares no terreno. Antes do Hengue, à vista do Morro do Tongo, o comandante Arguelles foi gravemente ferido: “A coluna tinha progredido uns 12 quilómetros em direcção a Hengue. O comandante Arguelles ia num BRDM (veículo blindado de transporte de tropas). Cerca das 16h00 accionou uma mina anti tanque. A explosão feriu gravemente o comandante. Foi imediatamente transferido depois de receber os primeiros socorros”.

O general Luís Faceira chegou ao Ebo cerca das 18h00 e soube do sucedido com a coluna que seguiu na direcção da Fábrica do Leite. “O comandante Arguelles ainda estava vivo, mas muito ferido. Dei-lhe coragem, mas percebi que estava a morrer”. Antes das 20h00 do dia 11 de Dezembro de 1975, o grande comandante, Herói do Ebo, morreu. As FAPLA não baixaram os braços nem desmoralizaram. Pelo contrário, redobraram os combates até o inimigo entrar em debandada.

Camaradas de luta

O general Luís Faceira e o comandante Arguelles conheceram-se em Porto Amboim, em Outubro de 1975, um mês antes da Independência Nacional. Entraram juntos em combate, até ao dia em que o combatente cubano morreu na explosão da mina.

“O comandante Arguelles era um grande militar e a sua acção, tal como a de todos os combatentes cubanos, foi decisiva para o desfecho vitorioso da Batalha do Ebo. Graças a combatentes como ele, o inimigo não conseguiu passar do Ebo em direcção a Luanda. Se os Heróis do Ebo tivessem sido derrotados, a Independência Nacional ficava em risco. No Ebo jogou-se a sobrevivência da nossa Pátria”, disse o general Luís Faceira.

Na Batalha do Ebo, além do comandante Raul Arguelles, também participaram os comandantes Leopoldo Cintra Frias e Pascoal Marrtinez. Os irmãos Faceira (“Defunto” e Luís) e o general Mbeto Traça pertenciam ao comando da Frente. A estes Heróis do Ebo se deve a Angola livre e democrática que hoje vivemos.

Provas da agressão

A morte em combate do comandante Raul Arguelles e outros Heróis do Ebo não foi em vão. Depois de deixarem no terreno tanques e outro material de guerra pesado, os sul-africanos entraram em debandada, deixando para trás os soldados mortos. Mas também ficaram nas mãos das FAPLA quatro soldados, que foram capturados em pleno combate. Foram levados para Luanda e exibidos à Imprensa Internacional. Mais tarde, Angola apresentou-os em Adis Abeba na sede da União Africana (antes Organização de Unidade Africana).

África e o mundo ficaram sem dúvidas: Angola foi invadida pelas forças do regime racista da África do Sul. E perdeu. Mais de duas décadas depois, no Triângulo do Tumpo, o regime era definitivamente derrotado pelos Heróis da Batalha do Cuito Cuanavale.

Repouso do guerreiro

O comandante Raul Arguelles foi sepultado em Luanda, no Cemitério do Alto das Cruzes. Na mesma alameda está o túmulo onde repousa “em pó até à eternidade” Alfredo Troni, jornalista, escritor, cronista e fundador da Biblioteca Municipal de Luanda. Todo o seu espólio foi oferecido à cidade que ele tanto amou e imortalizou em textos excelentes.

A campa do comandante Arguelles é cuidada todos os dias por duas funcionárias contratadas pela Casa de Segurança do Presidente da República. Leila Mbimbi não deixa uma folha seca em cima do túmulo.Quando as flores murcham, são logo substituídas. Marta Chambule sabe que o túmulo “é de um herói. Aqui no Alto das Cruzes estão muitos heróis que lutaram pela Independência de Angola”.
Laura Soares de Castro é a florista que fornece os ramos de flores e as coroas que homenageiam o Herói do Ebo. Tem a sua loja no largo do cemitério. Ela ou a sua empregada, Amélia Abreu têm sempre “as mais belas flores” para o túmulo do comandante Arguelles.

Amélia sabe que naquele túmulo “está um grande homem que é da nossa família. Foi ele que nos deu a liberdade”. Laura assumiu o “compromisso permanente” de renovar as flores na campa do Herói do Ebo. “Às vezes vou à campa dele rezar porque para mim é um pai que está ali”, diz Amélia.

 

Via JA

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