HISTÓRIA DO QUITEXE

Por João Luís Matos Nogueira garcia

 

Introdução

A história do Quitexe, como acontece com todos os outros espaços lusófonos, insere-se num amplo processo histórico. Com implicações à escala planetária. Tem a ver com a expansão ultramarina portuguesa iniciada em 1415 com a conquista de Ceuta no Norte de África.

É no decorrer da referida expansão que os portugueses nos finais do século XV, averbando já uma invejável lista de terras descobertas, chegam ao actual país designado por Angola.

A empresa da expansão marítima, hoje vista pelos historiadores como os caboucos da globalização, era justificada pelo espírito da missionação e expansão da fé católica, mas dominada pelas preocupações económicas e interesses materiais. Assentava, inicialmente, na fundação de feitorias, com a finalidade de estabelecer o comércio com os povos locais.

Dominado por esta preocupação, em 1482 Diogo Cão e seus companheiros sobem o rio Zaire, entram em contacto com o reino do Congo e no ano seguinte percorrem toda a costa angolana.

As navegações para sul, com vista à descoberta da passagem (depois apelidada de rota do Cabo da Boa Esperança) que em 1498 haveria de levar à Índia, continuaram. Mas entretanto os portugueses, certamente influenciados pelo bom acolhimento que lhes foi dispensado pelo reino do Congo (capital em M’Banza Congo), aportam também na hoje designada ilha de Luanda. Onde, sem tanto sucesso, contactam com “N’gola”, um soba vassalo do rei do Congo, cujo nome veio a denominar todo o território de Cabinda ao Cunene, hoje conhecido por Angola.

Um dos ramos comerciais que maior riqueza trazia à coroa portuguesa era a dos escravos. Até 1560 o comércio de escravos funcionara bem pelo Reino do Congo; mas, por esta altura, povos Jagas vindos do Leste invadiram este reino, obrigando o rei e os portugueses que viviam em M’Banza Congo a exilar-se numa ilha do rio Zaire. Esta reviravolta e a esperança de encontrar minas de prata e cobre, encorajou os portugueses a conquistarem um território onde pudessem ser senhores absolutos. Em 1571, o rei D. Sebastião passa a Paulo Dias de Novais a carta régia de doação da capitania de Angola, primeiro estatuto administrativo, político, económico e judicial de Angola, com poderes para “sujeitar e conquistar o reino de Angola” (Ndongo era, de facto, o nome do reino, sendo N’gola o título do seu rei). Paulo Dias de Novais, neto de Bartolomeu Dias conhecia bem este reino pois ali vivera prisioneiro 6 anos até ser libertado em 1566.

1648 – O primeiro branco chega às terras do Dembo Quitexe

Anos depois, em 1641, os holandeses apoderam-se de S. Paulo de Luanda donde só serão expulsos em 1648 por Salvador Correia. Em face da não submissão do Dembo Ambuíla, que impedia a passagem de pombeiros pelas suas terras, Salvador Correia envia tropas para o submeter. António Teixeira de Mendonça, capitão-mor da Vila de Vitória e de Massangano, reuniu tropas desta vila, das fortalezas de Cambambe e de Muxima e seguiu para a fortaleza de Ambaca. Ao seu encontro vieram todos os Sobas-dembos prestar vassalagem, incluindo os dois dembos Dambi Angonga e Quitexi Cambanbi que disseram ser o primeiro branco que atravessou as suas terras. O itenerário seguido por este capitão seria um caminho a leste dos Mahungos, segundo a direcção Ambaca/Encoge.

Facilitadas ou dificultadas por muitos e variadíssimos acontecimentos, desânimos e euforias, muita guerra e pouca paz, em que de um lado e do outro se somam derrotas, ressentimentos, longas situações de marasmo, alianças, vitórias e até cruzamentos étnicos, M’Banza Congo (ex-São Salvador do Congo) e Luanda vêm a definir-se como pontos de partida de duas linhas de penetração colonizadora que só por meados do século XVII (cerca de duzentos anos depois de Diogo Cão chegar pela primeira vez ao Zaire) se vão encontrar em Encoje (São José de Encoje). Onde em 1759 é construída uma fortaleza que objectiva ser um dos nós da rede lusa de ocupação militar, política, económica e religiosa de que já faziam parte Massangano (1533), Muxima (1599), Cambambe (1604) e Ambaca (1614).

Mais tarde São José de Encoje, depois de muitas e variadas vicissitudes e por virtude do Decreto n.º 80 de Norton de Matos datado de 14 de Dezembro de 1921, perde o seu cunho militar e fornece o nome que designará a Circunscrição Civil de Encoje com sede no Quitexe.

bg4

As origens

A ocupação humana no norte de Angola é o resultado de sucessivas migrações, algumas realizadas em épocas recentes. Os povos aqui residentes fizeram parte do grupo Banto que, vindo dos Grandes Lagos, chegou ao Atlântico rodeando o Zaire pela sua margem direita. Outros ramos migratórios vieram juntar-se-lhes, subindo os vales dos afluentes Luabala, Cassai, Cuango, etc. A zona do Quitexe constituiria uma região de cruzamento de migrações e é maioritariamente habitada por povos Bahungos e N’Golas.

6098913_tmwyd

MAHUNGOS

Os mahungos (do sub-grupo etnolinguístico quimbundo) estabeleceram-se nesta área empurrados do norte pelos bassorongos e baxicongos (do subgrupo Quicongo) quando estes atravessaram o rio Zaire e começaram a espalhar-se na margem esquerda do rio, talvez no séc. XIV. Resistindo bem a esta pressão conseguiram manter-se durante muito tempo na parte sul do Bembe descendo, depois mais para sul. Constituindo-se em pequenos sobados, os seus chefes (sobas ou dembos) eram subordinados do Rei do Congo.

6098734_hfgzj

N’GOLAS

Os N´golas, residentes nesta área do Quitexe são apenas uma pequena franja deste grupo quimbundo maioritariamente localizado a sul do Dange onde estavam organizados no reino independente do Ndongo (ou Ngola).

 

6098736_z693t

Tendo o rio Cuanza como eixo orientador os N’golas ocupavam uma zona que ía do litoral até às regiões de Pungo Andongo e de Duque de Bragança. Há uma certa identificação dos n’golas aos gingas que, segundo alguns antropólogos, remonta ao tempo em que o sul do Reino do Congo foi invadidopelos gingas. No entanto certos autores (Hélio Felgas – As populações nativas do Norte de Angola, Lisboa 1965) mantêm a distinção considerando-as duas etnias diferenciadas.

O Reino do Ndongo formou-se no século XIV com migrações de povos do centro de África que se instalaram na Matamba. O chefe destes povos Ngola a Nzinga avançou para o Cuanza e conquistou as terras quase até ao mar. O seu filho Ngola a Mbandi criou o Reino do Ndongo com a capital em Mbanza Kabassa. Este reino, até perto de 1563, pagava tributo ao Reino do Congo. Os portugueses entraram oficialmente em contacto com o reino em 1520, no reinado de Ngola Kiluanje, mas muito antes dessa época já havia relações entre os Ngolas e os comerciantes portugueses que estavam no Congo. Este reino manteve a sua independência até 1671, ano em que os portugueses venceram e mataram o rei Ari II em Mpungo a Ndongo (Pungo Andongo).

Esta diferenciação étnica, entre N’golas e Hungos manteve-se, no Quitexe, até aos nossos dias vivendo as comunidades em povoações separadas, mas sem sinais de agressividade expressiva, também pelo facto de pertencerem, na sua maioria a uma igreja comum, a protestante. A distribuição destas duas etnias por sanzalas, era a seguinte (1961): N’Gola – Ambuíla, Quimbinda, Luege, Taela, Cacuaco, e Dambi N’Gola; Hungo – Quitoque, Quimassabi, Tala M’Banza, Cuale, Bumbe, Mungage, Catenda, Aldeia, Zenza Camuti, Quimulange, Cahunda, Tabi, Combo, Quimucanda e Catulo. Refira-se que depois do início da guerra foram poucos os N’Golas que se “apresentaram” às autoridades portuguesas, mantendo-se nas matas ou, a maioria, refugiando-se no Congo.

6098754_2sc9k

S. JOSÉ DO ENCOGE

Estabelecido pelo governador capitão general da província de Angola, António de Vasconcelos, os Portugueses ergueram em 1759 um forte de pedra, destinado a impedir o contrabando estrangeiro através da costa norte do Congo, do Ambriz e do Mossul.

“ Antonio de Vasconcellos saltou em terra na noite de 4 de Outubro de 1758, e tomou posse em 14 do dito mez, governando cinco annos, sete mezes, e vinte e hum dias. No primeiro conquistou a celebrada pedra de Encoge situada entre os dous poderozos dembos Ambuilla, e Ambuella, sem que algum delles disputasse a posse, e formando-se o novo prezidio se lhe deu o nome de S. Jozé do Encoge. Foi cabo desta expedição Francisco Manoel de Lira tenente de granadeiros, que lhe deo a primeira forma. He a tal pedra huma prodigioza obra da natureza, e dentro do seu recinto pode receber hum grande exercito. He também útil a sua posse ao nosso commercio pelo concurso e frequência das nações circunvizinhas, sebem o clima he o mais enfermo de todo este sertão. Na província de Embaça avasallou aos dous potentados Molundo, e Quiangalla. Na de Encoge o dembo Quitexe.” (” Catalogo dos governadores do Reino de Angola. Com huma previa noticia do principio da sua conquista, e do que nella obrarão os governadores dignos de memória.”- Academia Real das Ciências 1826).

Como é referido, os dembos que ali exerciam maior influência, eram o Ambuíla e o Amboela; O dembo Ambuíla revoltou-se contra os portugueses e foi batido em 1765. Passado um quarto de século, isto é, em 1791 foram derrotados os Dembos Dambi-Angonga e Quitexi-Cambambi que entretanto se tinham revoltado e voltaram a prestar vassalagem ao rei de Portugal.

Completamente isolado atrás de uma barreira rochosa (Pedras do Encoge), o forte, de forma quadrada, com quatro baluartes pequenos, nos ângulos, era feito de pedra solta e ainda se encontrava em sofrível estado no fim do século XIX, ao contrário das restantes construções (residência do chefe, arrecadação, paiol, casa do guarda, etc.) que estavam em total ruína, incluindo as peças de artilharia, todas elas incapazes de fazerem um único tiro.

Nesta data a igreja, de pedra e cal, mas com tecto de palha ainda conservava as imagens de S. José e de Santo António.

Inicialmente protegida por uma centena de soldados que faziam uma ligação trimestral a Luanda, contava com um branco e 27 mestiços. Só que depois, talvez em consequência do marasmo do país provocado pelas Invasões Francesas primeiro, pela guerra civil mais tarde (a seguir à Revolução de 1820) e por outros momentos de grande instabilidade e crise nacional, entrou em profunda decadência. Depois de 1853 este forte não representava mais que um elemento simbólico da presença portuguesa.

Segundo Alfredo Sarmento (“Os sertões d’Africa (apontamentos de viagem)” publicado em 1880, F.A. da Silva, Lisboa) a fortaleza era “guarnecida por catorze soldados pretos, armados de espingardas de fuzil cheias de ferrugem e, pela maior parte quebradas”. Mas a decadência continuou a ponto de em 1907, João de Almeida (1873-1953), ao reconhecer a zona, da grandeza passada ter ali encontrado somente ruínas “e três soldados de segunda linha acocorados em volta de uma fogueira.” (DEMBOS pelo capitão Henrique Galvão, Lisboa, 1935, pág. 31).

Os únicos méritos da fortaleza eram, por um lado, o facto de ela se situar muito acima do paralelo 8º Sul, o qual concretiza a presença portuguesa numa zona que os ingleses pretendiam ser resnullius ; e, por outro lado, o facto de ela ser um posto avançado no caminho do Reino do Congo. De facto, os caminhos para o Encoge só eram transitáveis a Oeste (11 a 12 dias de Luanda) quando os Dembos ditos “vassalos” se não opunham à passagem.

No fim do século XIX eram estes os dembos ou régulos “avassalados”, todos com nomes portugueses:

– Dembo Ambuíla, D. Álvaro Afonso Gonçalves. Nas terras da sua jurisdição contava para mais de 200 sanzalas e podia por em armas cerca de 10 000 homens. Pagou sempre dízimos de 500 fogos (dois escravos), apesar de nunca ter consentido que se fizesse o seu arrolamento.

– Dembo Nambuangongo, D. Mateus Ribeiro Afonso da Silva, equiparado em importância e poder ao anterior e parente do famoso Marquez do Mossulo, também aceitava pagar dois escravos como dízimo de 500 fogos.

– Dembo Quitexe, D. Francisco Joaquim de Oliveira, que pagava dízimo de 300 fogos e que, ao que consta, era pouco amigo dos Portugueses.

– Dembo Dambi Angola, D. Paulo dos Santos de Carvalho, um dos mais fieis aliados do Dembo Ambuíla.

– Dembo Cabonda Cacuhi, D. Francisco Sebastião Afonso da Silva.

– Dembo Muene Dando, D. Francisco Manuel, um dos que mais prestava serviço do presídio.

– Dembos Ambuelas, D. João e D. Manuel Afonso da Silva, Quicuengo, D. Manuel Silvestre; Canga Bendo, D. João Paulo; Muene Coxi, D. Sebastião Afonso da Silva; Quiadembe, D. Francisco de Sousa; Muene Lumba, D. Agostinho João; Maungo Mabuigi, D. Álvaro de Oliveira.

Os dembos não avassalados conservavam os nomes gentílicos, e estavam em hostilidade permanente com os portugueses, atacavam as caravanas e os dembos vassalos e eram, entre muitos outros: Muaingi-agulongo, Pumba Sahi, Muene Huengo, Muene Cananga, Muene Quingimba, Congo-apaca, Muene Vungo, etc.

Todos estes dembos, os ditos avassalados e os independentes, podiam por em armas, de um momento para o outro, perto de cem mil homens aguerridos. Verificamos, assim que na zona do actual Quitexe, os dembos (Quitexe, Dambi Angola, Ambuíla) eram considerados, desde há muito vassalos de Portugal, mas, muitas das vezes, mais por ausência de real autoridade portuguesa do que por verdadeira submissão.

FUNDAÇÃO DO POSTO MILITAR DO QUITEXE

 

1716460_l6fra

A data exacta da fundação do Quitexe como posto militar ainda não está determinada. Depois das campanhas de João de Almeida, em 1907 contra os Dembos (aqui com significado das populações da região administrativa, separada do Colungo Alto e compreendida entre o curso médio do Dange ou Dande, a norte, e o rio Bengo a sul) julgava-se a zona pacificada. Nada mais erróneo. A debilidade do dispositivo militar português e a tentativa de cobrança do imposto de palhota ia fazendo estalar revoltas dos que se tinham submetido uns anos antes, aliando-se, agora, aos que mantinham a sua independência. Durante vários anos os Dembos mantiveram-se fora do controle das autoridades portuguesas: os impostos não eram cobrados e os fortins eram impotentes. No entanto foi desenvolvido um lento processo de envolvimento militar e administrativo da região, apertando-se o cerco a norte e leste.

1716462_vv3wq

Para isso muito contribuiu o governador do distrito de Quanza Norte (major de artilharia Alfredo Djalme Martins de Azevedo). Neste distrito ao qual estavam ligados os Dembos (incluindo os do norte do rio Dange, que noutros tempos tinham estado dependentes de S. José do Encoge) um destacamento militar que partira de Camabatela (fundada em 1915) instalou provavelmente, em Março de 1917 (segundo Marquês do Lavradio, Pedro Francisco Massano de Amorim, Pelo Império n.º 73, Agência Geral das Colónias, 1941), os postos militares de Quisseque e de Quitexe e criou a capitania-mor do Ambuíla.

“No Cuanza o Governador Djalme de Azevedo, com uma persistência grande, apenas comparável à sua serenidade, consegue em trabalhos sucessivos de duas colunas, que organizou no grande e pequeno Cacimbo e acompanhou, romper primeiramente o território que lhe ficava entre o Lucala e o Ambuíla chegando até Encoge, deixando à retaguarda o posto de Quissaque (17 de Março de 1917) e depois, numa segunda fase das operações militares, montar o posto de Quiteche e internar-se já a Norte e a Sul em território dos Dembos.”

Um dos comandantes de uma destas colunas era fotógrafo amador e registou em fotografia estes momentos. Estas fotografias, verdadeiramente históricas, foram publicadas na revista –“ Ilustração Portugueza, No. 612, Novembro 1917”.

Temos, assim uma fotografia do Dembo Quitexe na data da fundação do posto militar com o seu nome, mas não temos a data exacta deste acontecimento.

Em termos oficiais a Portaria nº 54, de 8 de Março de 1918 (Boletim Oficial de Angola n.º 10) definiu os limites do Quitexe, sede da circunscrição do Encoje.

Ao Km 5,0 da estrada do Quitexe para o Uíge, cerca de cem metros para norte, num morro, estão as ruínas do antigo Posto Militar.

Este posto, fundado nas terras do Dembo Quitexe e adoptando o seu nome, num “plateau” a 750m de altitude, rodeado de serras e às portas da região dos dembos viria a dar origem à povoação e vila do Quitexe.

A autoridade portuguesa só seria estabelecida nos Dembos em 1919. “As operações nos Dembos não ficaram pelas de 1913. Anos depois, nova coluna invadiu a região e, de então para cá, se pode considerar completa a sua vassalagem, não sem que por ela tenha corrido um caudal de sangue. Necessário? Não necessário? A História o dirá. Por enquanto é cedo demais para fazê-la. As ossadas dos que tombaram, andam por lá, ainda, à flor da terra, e o tempo não apagou, ainda, os vestígios e os trágicos efeitos da luta”.

Esta nota escrita por Manuel Resende no livro “A ocupação do Dembos 1615- 1913” é bem premonitória dos trágicos acontecimentos de 1961 e da guerra que se seguiu. Depois prolongou-se, numa guerra fratricida entre os movimentos de libertação até ao século XXI. É caso para dizer que, passados quase 100 anos, “as ossadas dos que tombaram, andam por lá, ainda, à flor da terra”.

O Código Administrativo de 18 de Março de 1842 modificou em vários pontos o primeiro Código Administrativo Português promulgado em 1836. Este código, conjugado com o Decreto de 1 de Dezembro de 1869, permaneceu a base jurídica fundamental da Organização Administrativa e Judiciária das Províncias do Ultramar até à publicação da “Lei Orgânica da Administração Civil das Províncias do Ultramar”, em 1914.

A reprodução das estruturas metropolitanas de então, com algumas modificações, nas Província Ultramarinas é conforme a vontade das autoridades políticas de promover uma política constante de assimilação das instituições das colónias às da metrópole; como afirma Marcello Caetano, “O que caracteriza o período que decorre de 1833 a 1885, é: 1.º a assimilação das colónias à metrópole (… ) Insistia-se em considerar as colónias como simples províncias do reino – Províncias Ultramarinas – a que se aplicavam com ligeiras alterações as leis feitas para o continente, os critérios de administração e os planos de governo estabelecidos e traçados para a metrópole”.

Consultemos o “Manual de Administração, para uso dos Chefes de Concelho da, Província de Angola, coordenado, por, J. J. da Silva”, editado em Loanda, pela Imprensa Nacional, no ano de 1894. Entre muitos outros assuntos específicos à essência da obra, encontramos a Divisão do Território.

Antes de a apresentar, atentemos na data – 1894 – e consideremo-la em contexto com a Conferência de Berlim – O Congresso de Berlim, realizado entre 15 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885 – proposto por Portugal e no qual as potências coloniais europeias se aprestaram para ordenar a divisão/partilha de África. Mais: foi nessa Conferência que Portugal apresentou o célebre mapa cor-de-rosa, que pretendia unir os territórios de Angola a Moçambique. E ainda mais um dado: a construção do Caminho de Ferro de Ambaca – que talvez deva ser entendido à luz da necessidade de dar corpo ao dito mapa cor-de-rosa – teve início em 1886.

Falemos então da Divisão Administrativa de Angola ao ano de 1894: – 4 Distritos Administrativos, dos quais três – Loanda, Benguella e Mossamedes – “… subdividem-se em concelhos, e estes em divisões, ou freguezias…”, e o quarto – Congo – “… se subdivide em circumscripções”.

6774820_o88s1

Antes de mais faz-se notar a Portugalidade da ocupação do território, muito marginal e toda à beira-mar, seguindo uma linha contínua de Cabinda – “É a capital do districto e séde de comarca” – até ao sul. De Huambo, por exemplo, nem sequer a palavra. Ainda faltava o Norton de Matos. Quanto à importância de nomes que no futuro se tornaram familiares, temos: o Lubango, a Huilla e a Humpata eram concelhos pertencentes a Mossamedes. O Bihé, Bailundo e Catumbela eram concelhos de Benguella. A Loanda pertenciam, entre outros, os concelhos do Alto Dande, Ambriz, Barra do Dande, Barra do Bengo, NovoRedondo e, numa linha que acompanha o Cuanza e o Caminho de Ferro de Ambaca, temos os concelhos de Massangano, Muxima, Cambambe, Icolo e Bengo, Golungo Alto, Cazengo, Ambaca, Duque de Bragança, e Malange. Havia, ainda, o concelho do Encoge, o qual, ao contrário de quase todos os outros, não tinha Divisões. Dito de outra forma, o concelho do Encoje seria muito pouco ocupado, em termos de população europeia, entenda-se. O do Golungo Alto, por exemplo, tinha 7 Divisões. Os de Ambaca, Massangano e Malange 11. O de Muxima 9. Sem quaisquer Divisões, para além do da própria cidade de Loanda, apenas os do Encoge, Ambriz e Novo-Redondo. Para terminar, fale-se do Distrito do Congo, com sede em Cabinda e sem Divisões, mas tão-somente “Residencias” em Ambrizette, Cacongo, Santo António e S. Salvador. Do Quitexe ou Quiteche nem sombra. Em 1894 ainda “não existia”.

Sob o primeiro governo de Norton de Matos (1912-1915) foi publicado um novo regulamento administrativo através da Portaria nº 375, de 19 de Abril de 1913 (Boletim Oficial de Angola, nº 51, 1913)

De acordo com o citado regulamento, Angola passou a compor-se de 35 circunscrições civis, 25 capitanias, 11 concelhos e uma intendência. Ao aplicar o regime das circunscrições, a província centrou-se no Distrito de Luanda, cujos concelhos eram: Luanda, Cambambe, Novo Redondo, Dande, Ambaca, Cazengo, Golungo Alto, Ícolo e Bengo, Lícolo, Muxima, Pungo Andongo e as capitanias-mores de Amboim, Dembos, Encoge e Quissama.

Esta divisão deverá permanecer até à Reforma Administrativa de 15 de Agosto de 1914, traduzido na “Lei Orgânica da Administração Civil das Províncias do Ultramar”, que terá criado o Distrito de Cuanza Norte que, como vimos, já existia em 1915.

No seu segundo governo e depois da pacificação dos Dembos, Norton de Matos percebeu que vitórias militares sem desenvolvimento material e humano que as sustentasse, de nada valiam. Tem a palavra Norton de Matos:

“…Em 1921 publiquei em Angola o Decreto n.º 80, transformando em circunscrições civis todas as capitanias-mores, e em postos civis os actuais postos militares da Província e dizendo que esta transformação deveria estar completamente realizada em 31 de Dezembro de 1922.”. (Norton de Matos – Memórias e Trabalhos da Minha Vida – volume I, Editora marítimo Colonial, lda., Lisboa, 1944, pág. 104).

Temos pois que a transformação do Encoge em Circunscrição Civil acontece como resultado do decreto supracitado. Provavelmente o posto militar do Quitexe terá, também, passado, nesta data, a posto civil. Pelo D. L. 411, de 30 de Outubro de 1925 (BO n.º 39) o Quitexe passa a sede do Concelho do Encoge. De facto S. José do Encoge já há muito tinha perdido o poder de controlo das rotas comerciais e, com o fim da guerra nos Dembos, também a sua importância militar.

Nesta data (1922), também o posto militar do Dange (Cambamba) passa a civil.

Estavam, também criadas as condições para a instalação de comerciantes, os chamados “aviados” que representavam as empresas comerciais estabelecidas no litoral. É neste contexto que Joaquim Neves Ferreira, que se encontrava desde 1919 no Uíge, vai em 1921 para o Quitexe fundar uma casa comercial da firma de Joaquim Cunha do Ambrizete. Este comerciante é o grande impulsionador da abertura da picada directa ao Uíge, transpondo o rio Loge em ponte de trocos de árvores. A abertura desta via e, mais tarde, da ligação Quitexe – Quibaxe deixaria o Quitexe numa posição privilegiada no cruzamento das estradas Uíge / Luanda e Camabatela / S. José do Encoge.

Nestes dois mapas (1926 e 29) a principal diferença reside na dimensão do concelho do Encoge. Em 1926 abrangeria os actuais municípios de DangeQuitexe e e a parte nascente do Ambuíla até ao Rio Vamba) englobando a antiga capitania-mor do Encoge e os antigos postos militares de Quitexe e Dange. Em 1929 a sua área aumentou englobando, também, todo o actual município de Ambuíla e o actual município de Nambuangongo. O Dange, primitivamente um posto dos Dembos, pertenceu até 1932 à Circunscrição do Encoge, passando nesta data a pertencer de novo aos Dembos. Os limites do Quitexe foram, pela primeira vez, fixados em 1918, tendo esta povoação sido a sede da Circunscrição do Encoge até à extinção desta em 1932 (DL 324 de 11/03/1932). Nesta data passou a posto, fazendo parte do Concelho de Ambaca (B.O. nº 11). Analisemos o mapa de 1929 com a sua divisão administrativa: O Distrito Cuanza-Norte abrangia todo o território desde Catete até Pungo Andongo, incluindo os territórios (concelhos? circunscrições?) de Icolo e Bengo (Catete) e dos Dembos (Quibache)… que em 33 já são do distrito de Luanda. O de Pungo Andongo será de Malanje. Portanto, em 29 haveria 7 concelhos ou circunscrições no Cuanza-Norte, os quais seriam:

CONCELHOS                                       SEDE

Encoje                                                   Quiteche

Ambaca                                                 Camabatela

Dembos                                                Quibache

Icolo e Bengo                                       Catete

Cambambe                                           Dondo

Pungo Andongo                                  Cacuso

Cazengo                                                Dala Tando

Consultando uma carta escrita no Quitexe e datada de 18 de Maio de 1930, em que o respectivo signatário Manuel Gomes dos Santos diz em determinado momento da sua missiva que tinha “de fazer de escrivão, oficial do registo civil, notario, chefe de posto e secretario da Comissão Municipal” do Encoge, verifica-se que o concelho (ou circunscrição) do Encoge, se não tivesse sido extinto em 1932 , teria ficado tipificado como concelho (ou circunscrição) de 2.ª classe após a Reforma Administrativa Ultramarina.

Após esta reforma, em 1933, tudo se modificou. Nessa altura o Cuanza-Norte passa de 7 para 3 concelhos apenas (Ambaca, Cambambe e Cazengo). Extinto o concelho do Encoge e transformado em Posto Administrativo sob a imediata alçada do concelho de Ambaca, o Quitexe teria baixado à categoria de povoação de 3.ª ordem, justificando (em termos autárquicos) apenas a existência de uma “Junta Local”. Situação jurídica que deveria ser comum a todos os postos administrativos.

Falando de Ambaca, em 33 tinha 6 postos administrativos e uma área que ia de Quiteche até Calandula, lá para os lados das quedas de água, terras já há muito de Malanje. (Como nota, Dimuca, hoje dependente do Negage, era posto e de Negage nem sombra).

Finalmente, transcreve-se a listagem de “Agricultores” e de “comerciantes” do Quitexe, de acordo com o “Anuário do Império Colonial”, aquando da sua 1ª edição, 1935, portanto, provavelmente, a primeira listagem nominal existente:

“Agricultores” (6)

– Dr. António Alberto Torres Garcia”

– Guerra, Carvalho & Cª, Lda.

– José Borges Calheiros

– José Ferreira

– José Neves Ferreira

– Matos, Vaz & Cª Lda.

 

Comerciantes (1)

– Serafim Nunes de Almeida.

Na divisão administrativa ilustrada por este mapa o posto do “Quiteche” está integrado no Cuanza Norte e o posto do “Danje” (Cambamba) no distrito de Luanda.

Imediatamente antes de 1961 já os Postos Administrativos do Quitexe (pertencendo ao concelho de Ambaca – Camabatela) e do Dange (pertencendo ao concelho dos Dembos – Quibaxe) estão ambos integrados no Distrito do Cuanza Norte.

Na sequência dos acontecimentos de 15 de Março de 1961, uma nova reorganização administrativa fez o Quitexe recuperar a antigo estatuto perdido (de cabeça de circunscrição), transformando-o em sede da Administração do Concelho do Dange, então criado pela portaria nº11740 de 26 JUL. 61.

Procedeu-se à junção de dois postos administrativos, Quitexe (destacado do concelho de Ambaca – Camabatela) e Dange (desanexado do Concelho dos Dembos – Quibaxe), ficando a sede no primeiro e adoptando o nome do segundo. E sob a sua dependência, para além do posto – sede, ficaram os postos administrativos de Aldeia Viçosa e Vista Alegre, então também criados, e o Posto Administrativo de Cambamba (antiga sede do posto de Dange).

Pouco tempo depois (21 de Julho de 1962), verificou-se novo reajustamento administrativo, em resultado do qual o Concelho do Dange foi separado do Distrito do Quanza Norte, de cuja capital o Quitexe dista 300 Km, e passou a pertencer ao distrito do Uíge, cuja capital está apenas a 40 Km de distância.

Houve cerimónia oficial no Quitexe. Para além de muitas outras pessoas, estiveram presentes os Governadores de ambos os distritos respectivamente Major Silva Sebastião e Major Rebocho Vaz, o Comandante Militar do Quitexe e o Dr. Pinto Assoreira. Na ocasião foram “Louvados por S exa. Gov. Dist. Q. N.” o Secretário da Administração do Quitexe Políbio Fernando Amaro Valente de Almeida e os Chefes de Posto António Augusto Ribeiro França (Aldeia Viçosa) e Guedes Vaz (Vista Alegre).

Em 1962 foi permitido à vila de Quitexe usar escudo e bandeira:

“Portaria n.º 19076

Manda o Governo da República Portuguesa, pelo Ministro do Ultramar, no uso da competência que lhe é conferida pela base XI da Lei Orgânica do Ultramar e nos termos da base XLVIII da mesma lei e do artigo 4.º das ordenações aprovadas pela Portaria n.º 8098, de 6 de Maio de 1935:

1.º As povoações da província de Angola adiante mencionadas têm direito a usar escudo de armas ordenadas da forma que a seguir se indica:

Quitexe – Em campo de prata, um ramo de cafèzeiro de verde, frutado de vermelho, posto em pala; em chefe, duas pacassas de negro, de cornutos azuis, aprontadas.

2.º Às povoações referidas no número anterior é permitido o uso das bandeiras que a seguir são descritas: Quitexe – Esquartelada de amarelo e negro. Cordões e borlas das mesmas cores.”Ministério do Ultramar, 15 de Março de 1962. – Ministro do Ultramar, Adriano José Alves Moreira.

Com a implantação da independência em 11 de Novembro de 1975, a Lei Constitucional passou a definir no seu artigo 55º:

O território da República de Angola, para fins político-administrativos, divide-se em Províncias, Municípios, Comunas e Bairros ou Povoações.

As Províncias, Municípios e Comunas, mantiveram, de um modo geral, os limites dos anteriores distritos, concelhos e postos administrativos. Deste modo o Município do Quitexe-Dange integra a província do Uíge e engloba, além da comuna sede, as comunas de Aldeia Viçosa (Quitende), Vista Alegre (Quifuafua) e Cambamba

 

Colaboração: Arlindo de Sousa João Cabral

Comentário

Seja o primeiro a comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*


Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.