Honremos a nossa história: PAPÁ EMMANUEL KUNZIKA

Por Bens Cavila

PARA O PAPÁ EMMANUEL KUNZIKA

Durante a nossa existência neste mundo aprendemos todos que única certeza que se tem na vida, é a morte. Nós estaremos aglomerados no cemitério da Santa Ana para prestar homenagem a alguém que fisicamente já não está connosco, mas pela grandeza das suas obras, pelo seu contributo para a educação de várias pessoas, pela sua contribuição para a independência de angola, pela sua maneira de ser, pelas recordações que em nós deixou… Papa Emmanuel KUNZIKA, Professor Emmanuel KUNZIKA, Dr. KUNZIKA, Presidente KUNZIKA, Irmão KUNZIKA estará sempre presente.

E é mesmo perante esta realidade inevitável da existência humana, encontramo-nos num encontro entre a vida e a morte, pois a morte faz parte da vida terrena e só existe morte porque houve primeiro uma vida. PAPA KUNZIKA viveu UMA VIDA e viveu mesmo pois que deixa o nosso convívio aos 90 anos.

Este grupo de pessoas aqui presente, em representação de todo o povo de Angola, Africa e do Mundo que conheceu Emmanuel KUNZIKA, junta-se nesta hora derradeira, para prestar uma homenagem sentida à vida de um homem de invulgar estatura, o Professor Emmanuel KUNZIKA: Um Mestre, Um Professor, um homem de Ciência, Um Educador portador de um saber abrangente. Papa KUNZIKA desaparece deste mundo físico com as suas convicções sociais, religiosas e politicas. Era um exímio PAI de família e sobretudo um Homem de uma singular probidade de carácter e de uma integridade que admirávamos todos.

Emmanuel KUNZIKA nasceu aos 14 de Junho 1925 na aldeia de Kiyanika, povoação de Kintoto (ou Kintó), no município de Maquela do Zombo na Província do Uíje. O seu pai emigrou muito cedo para o Vizinho Congo Belga, escapando ao trabalho forçado quando o menino KUNZIKA tinha onze anos.

Papa KUNZIKA sempre nos disse que quando nasceu não carregava esse nome, ele era Lukoki. Ele recebe o nome de KUNZIKA de seu avô materno quando um seu tio materno que imigrou no Congo para trabalho, nunca mais voltava à Angola junto da mãe, nem de férias. A mãe deste último e avô do menino Emmanuel Lukoki de tanto esperar pelo regresso filho desanimou-se e só tinha perante ela uma única figura masculina. Daí a senhora olhando para o menino Lukoki ela disse que ele seria a única pessoa (o Macho) que a iria enterrar. Em kikongo “ Ndioyi i KUNZIKA” (Esse é que vai me enterrar).

Emmanuel KUNZIKA seguiu aos 11 anos o seu pai na região de Baixo Congo onde fez os seus estudos nas Escolas do Exercito de Salvação no Congo Belga de 1938 e continuou no Athenée Royale e no College Albert 1er em Leopoldville. Ele estudou filosofia por correspondência com a École de Science et Arts de Paris, França. Estudou igualmente nos Estados Unidos da América, nas Universidades de Nova Iorque e Abraham Lincoln da Filadélfia, entre 1963-1968. KUNZIKA é detentor de um Diploma em Ciências Político-administrativas, com a apresentação de uma Monografia intitulada “A formação da Nação Angolana e a luta de libertação”. Em Angola, também estudou na Escola de Administração adstrita ao Ministério do trabalho e Segurança Social.

Minhas Senhoras, Meus Senhores! Escrever essas linhas biográficas do Malogrado não foi uma tarefa difícil na medida em que Papa KUNZIKA era um exímio comunicador e alguém que ao longo da sua vida sempre ensinou, falou, conversou com os filhos, netos, amigos e contou sobre a sua vida e a vida do seu povo. Em muitas resoluções de problemas de índole comunitária convidava-se o Papa KUNZIKA pois que era conhecedor da sabedoria bakongo para a resolução de conflitos. Não constitui surpresa ser KUNZIKA o autor do Primeiro Dicionário de Provérbios Kikongo, traduzido em Português, Inglês e francês.

Para o respeito da nossa história dissemos OBRIGADO por essa herança perpétua. Alguém me disse que quando ouviu falar da morte de Emmanuel KUNZIKA, que no dia 22 iremos enterrar o último MUZOMBO até aqui mais conhecido do Mundo pois que acima dele só existe a figura de SIMÃO GONÇALVES TOKO (Mayamona Mavilukidi) por sinal de quem Papa KUNZIKA era discípulo. Esse último nos disse no dia do lançamento de seu livro que “…sinto me órfão do Profeta Simão Toko”.

MEUS IRMÃOS, A Biografia do Professor Emmanuel KUNZIKA se confunde nas linhas com a do seu mentor. Simão Gonçalves Toko durante uma viagem feita em Leopoldville nos anos 40 para arranjar o seu casamento, o seu carisma acabou influenciando as massas Bazombo que residiam naquele país. A confirmar-se o casamento de Toko, o Profeta e KUNZIKA seriam concunhados pois que Simão Toko era noivo da irmã mais velha da Mama Lucilia Sadi Kunzika, aquela que veio a ser esposa de Kunzika.

O jovem KUNZIKA integrou nos anos 40 o grupo coral fundado por Simão Toko que abrilhantou a Conferência Internacional Protestante de Leopoldville na presença de históricos angolanos como Reverendo Pastor Jesse Biula Chipenda e o Reverendo Pastor Gaspar de Almeida.

Emmanuel KUNZIKA, membro do Grupo Coral, testemunha as acções do profeta Toko quando começou a criar naquela cidade uma importante rede de apoio social para os Bazombo ai vivendo. Eles constituíram em 1944, a associação cultural Nkutu a Nsimbani com o objectivo de angariar fundos para construir hospitais e escolas em Angola.

Depois da prisão e extradição de Simão Toco para a Colonia Portuguesa de Angola em 1950, KUNZIKA, Fernando Kiesse e outros atemorizados seguidores que ficaram atrás, frequentaram as escolas protestantes e baptistas em Leopoldville onde os angolanos eram aceites e esta proximidade entre eles foi o factor decisivo que estimulou KUNZIKA e outros a fundar em 1956, a ASSOMUZO (Associação Mutuelle du Zombo) dando continuidade ao projecto cultural de Toko.

Papa KUNZIKA testemunhou a expulsão do Profeta Toko e seus discípulos de Leopoldville para Angola e nos contava como inúmeros populares seguidores de Toko foram voluntariamente entregar-se as autoridades belgas para sofrerem junto com o seu Líder carismático detido. Para o respeito da nossa história, convido vos a reflectir sobre o estrofo que cantavam os que iam se entregar :…eh Nkanda nzambi tutanganga!! Ba missionários batulonga wo!!!, ngunga ngele! Ngele muna nsi zawonsono!!!

Papa KUNZIKA reconheceu antes do seu desaparecimento físico perante Guilherme Galliano da TV ZIMBO de que a liderança da Assomuzo lhe foi recusada porque os membros temiam nele como seguidor de Toko capaz de repetir aquela proeza e “perturbar a ordem pública” no Congo Belga.

Segundo Papa KUNZIKA, os Belgas permitiam associações mutuais mas nunca de índole politico. Por isso, em 1960 depois da independência do Congo Belga, o grupo bazombo transformou-se com a mesma matriz como um movimento politico com o nome de Alliazo (Alliance des Ressortissants de Zombo) sob a Presidência do Reverendo André Ndomikolayi Massaki tendo KUNZIKA assumido a sua Vice-presidência.

Com o Congo Belga independente, KUNZIKA entrou em contacto com outros nacionalistas angolanos afiliados em vários outros grupos políticos como Mário de Andrade, António Josias, David Livromentos formando assim em 1960 a primeira e efémera FRENTE COMUM DOS PARTIDOS POLÍTICOS ANGOLANOS congregando no seu seio o Mpla, a Upa e a Alliazo sob a bendição do Presidente Kwame Krumah (OSAGYEFO, o Libertador).

Em 1961, `convite da ONU, Emmanuel KUNZIKA parte para Nova Iorque em companhia de Sanda Martins, Conselheiro Geral da Alliazo, para apresentar uma petição a favor da independência de Angola na 16ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Para o respeito da história, repito mesmo para o respeito da história de Angola, Emmanuel KUNZIKA foi o PRIMEIRO ANGOLANO a discursar na Assembleia das Nações Unidas para a independência de Angola onde confrontou-se na mesma sala com Vasco Nogueira, o chefe da diplomacia de Salazar.

Em 1961 na cidade de Londres, no Reino Unido, KUNZIKA apareceu para discursar no Chattam House a favor da libertação dos presos políticos. Durante a sua intervenção agradeceu o trabalho efectuado pelos missionários na formação dos africanos em Angola. KUNZIKA solicitou ao Reino Unido e à Amnistia Internacional para que usassem o seu peso para a libertação do preso político angolano, filho de Pastor Metodista que viria a ser o Primeiro Presidente da República de Angola, o Médico António Agostinho Neto.

Papa KUNZIKA também contou-nos que nos Estados Unidos, ele foi pressionado para que incluísse no seio da sua associação, angolanos de outras origens que não eram bazombo. Foi assim que em 1962, a Alliazo transformou-se em PDA (Partido Democrático Angolano), onde ele assumiu a Vice-presidência mais tarde a Presidência após a renúncia de André Massaki. O PDA viria a juntar-se com a UPA para formar um órgão político (FNLA) e um órgão executivo que foi o GRAE (Governo Revolucionário de Angola no Exilio).

Papa KUNZIKA torna-se assim como o 1º Vice-Primeiro-Ministro desse Governo ao lado do Cónego Manuel das Neves (na altura preso pela PIDE). Paralelamente a isso, e como homem do Ensino, KUNZIKA dedicou-se a direcção de uma instituição de ensino denominado “ INSTITUTO DE ESTUDOS SEGUNDARIOS ANGOLANOS.”- A IESA foi o viveiro de muitos quadros angolanos, filhos de angolanos emigrantes no Congo. Muitos destes quadros entre Engenheiros, Médicos, Enfermeiros etc..regressaram a Angola e contribuem em diversas áreas da reconstrução de Angola como Nação independente reconhecem no Papa KUNZIKA como artesão da sua formação nos momentos mais difíceis do exilio.

Em 1972 viria a dissociar-se da vida política partidária fundou o “Centro Cultural Africano” uma outra instituição do ensino e de desenvolvimento sociocultural dos angolanos radicados em Kinshasa.

Em Fevereiro de 1975, recebeu o convite de Agostinho Neto para que se voltasse a Angola mas não conseguiu sair da capital zairense devido ao estado de vigilância domiciliária de que era alvo por parte das autoridades daquele país.

Em Fevereiro de 1976, depois de um primeiro encontro de reconciliação entre o Presidente da República Popular de Angola e o Presidente do Zaire em Brazzaville organizado pelo Comandant Marien Ngouabi, Presidente da República do Congo, Agostinho Neto terá manifestado a sua preocupação quanto a situação de alguns dos seus compatriotas que viviam num ambiente de cativeiro no Zaire. Ao Papa KUNZIKA foi assim permitido a sua saída livre da Republica do Zaire e regresso para Angola.

Em Março de 1976, Emmanuel KUNZIKA, acompanhado pelo Reverendo Pastor João Makondekua, Fernando Ndombele Kidima Tadi e Avelino Salomão Tomás eram recebidos na cidade do Uíge pelo Presidente Agostinho Neto que os levou na sua comitiva para a cidade capital Luanda. De 1976 até 1992, KUNZIKA exerceu várias funções como Director Geral Adjunto da EDIMBA no Ministerio do Comercio Interno, e Director Adjunto da IMPORTANG do Ministério do Comércio Externo.

Paralelamente a isso, desenvolveu em tempo parcial a actividade docente, sendo um dos primeiros professores de inglês do Instituto Médio de Educação de Luanda. Papa KUNZIKA aposentou-se e passou a prestar serviço como Consultor da ONU para a População (UNDP) até que participou na transformação de Angola em estado multipartidário assumindo as funções de Vice presidente da Convenção Nacional Democrática de Angola.

O Professor Emmanuel KUNZIKA é autor de vários artigos e livros que destacamos os seguintes títulos: “Petição para Angola à 16ª Assembleia da ONU, Nova Iorque, 1961”, “Unidade Angolana”, “In Para Independência de Angola- Way, Leopoldville (Kinshasa), 1963”. “Formação da Nação Angolana pela Luta de Libertação, Monografia, Université Nationale du Zaire, Kinshasa, 1974” e “Dicionário de Provérbios de Kikongo, Editorial Nzila, 2008”.

MINHAS SENHORAS, MEUS SENHORES,

Há muito que se pode dizer da obra do PAPA Emmanuel KUNZIKA, a sua biografia é vasta e aberta a todo o mundo tanto nas suas obras publicadas como nas redes sociais. Mesmo aqueles que pesquisam sobre Angola na Torre do Tombo em Lisboa nos arquivos da Policia secreta de Salazar encontram o nome e a obra de KUNZIKA.

Hoje temos que reconhecer que ao enterrarmos hoje KUNZIKA depois de LÚCIO BARRETO LARA, estaremos a nos despedir de um dos nacionalistas “Pesos-Pesados” da história de Angola.

Durante a sua vida contava nos que conviveu politicamente com muitos históricos como: SIMÃO GONÇALVES TOKO, AGOSTINHO NETO, HOLDEN ROBERTO, SIDNEY BARROS NEKAKA, MARIO PINTO DE ANDRADE, LUCIO BARRETO LARA, ROSÁRIO NETO, FRANCISCO LUBOTA, JONAS MALHEIRO SAVIMBI, FERNANDO PIO AMARAL GOURGEL, ALEXANDRE CLAVER TATY, EDUARDO PINNOCK, VIRIATO CLEMENTE DA CRUZ, MATIAS MIGUEIS, DAVID LIVROMENTOS, ANDRÉ NDOMIKOLAYI MASSAKI, FERNANDO NDOMBELE KIDIMA TADI, ANDRÉ MVILA, LUBAKI NTEMO, DOMINGOS VETOKELE, SIMÃO KUMPESA, PASCOAL LUVUALU, NDOMBELE MBALA BERNARDO, DANIEL CHIPENDA, JOSE KALUNDUNGU, JOSÉ JOÃO LIAHUCA e muitos outros.

Para terminar, gostaria de chamar atenção de que tradicionalmente não choramos os nossos anciãos que morrem aos 90 anos e promovidos para a eternidade ao lado dos nossos antepassados e ao lado do SENHOR. Papa KUNZIKA viveu e merece todo o nosso respeito porque a história de Angola guardará para sempre o seu nome nas suas páginas de ouro.

EMMANUEL KUNZIKA, PRESENTE !

VIVA ANGOLA INDEPENDENTE.

Comentário

Seja o primeiro a comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*


Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.