A formação da actual Kibokolo, no município de Maquela do Zombo, província do Uíge, está fortemente relacionada com a falência do antigo Reino do Kongo, no século XVI, que esteve na origem da migração e fixação de várias famílias noutras regiões, como consequência da intensa perseguição para obtenção de escravos por parte dos colonos portugueses
Ainda resiste ao vendaval do tempo o edifício que assegurava o funcionamento da administração colonial portuguesa em Kibokolo. Construído no mesmo lugar onde existia o primeiro posto administrativo, o edifício acompanha o andar do tempo já sem tecto e com as paredes quase engolidas pelas algas.
O antigo edifício faz vizinhança com o novo palácio, um imóvel coberto de chapas de zinco. Do lado oposto, separado pela estrada principal, que continua até ao marco fronteiriço de Kimbata, passando por Maquela do Zombo, está uma escola recentemente construída. A mesma escola acolhe a sede da administração comunal, por força da degradação das suas instalações construídas recentemente.
O palácio comunal apresenta excelentes condições físicas, que contrastam, entretanto, com a falta de electricidade, o que obriga o seu inquilino a socorrer-se de lamparinas tradicionais ou lanternas. São visíveis enormes edifícios arquitectonicamente modernos, que dão uma certa visibilidade à vila, entrelaçados entre casebres de famílias pobres. Estas construções modernas foram edificadas pelos “muito bons filhos desta terra”, conforme disseram-nos, entusiasticamente, vários populares. Mesmo assim, a vila mostra aos visitantes características típicas de uma aldeia.
Várias estrelas cintilantes da política angolana, como Mpinda Simão, Mankenda Ambroise, Sianga Abílio e Diakenpuna Cita José, e o jornalista António Capitão, entre outras figuras, têm os seus cordões umbilicais enterrados em Kibokolo.
Um morador disse ao Jornal de Angola que as novas casas, de valor económico muito alto, espalhadas pela localidade e ao longo da estrada nacional, pertencem a altas figuras da política, da academia e do empresariado nacional nascidas neste lugar. “É uma forma que encontraram para valorizar a terra que lhes viu nascer. E todos nos sentimos felizes com isso”, disse o ancião Mwana Mosi (Filho Único).
O orgulho pela terra faz com que a maioria dos kibokolenses recomende que após a sua morte sejam enterrados na terra natal. Os finados Ambrósio Lukoki, embaixador, e Alexandre Dissengomoca Sebastião, académico, são exemplos disso. Cumpriram a tradição africana, segundo a qual “o cadáver tem os seus donos, mesmo que em vida outros tenham usufruído dos seus bens ou do seu companheirismo”.
As 12 famílias
A formação da actual Kibokolo, no município de Maquela do Zombo, província do Uíge, está fortemente relacionada com a falência do antigo Reino do Kongo, no século XVI, que esteve na origem da migração e fixação de várias famílias noutras regiões, como consequência da intensa perseguição para obtenção de escravos, por parte dos colonos portugueses.
Para melhor compreensão da história das populações e da formação de Kibokolo o Jornal de Angola deslocou-se à localidade, onde conversou com os mais velhos, mormente Domingos Mwana Mosi, que nasceu em 1925, Manuel Mbiavanga (1937), Ambrósio Lukoki (1937) e o mais jovem Avelino Mbiavanga (1960), que disse deter um acervo escrito, que lhe foi confiado pelos seus ancestrais, que faziam parte do núcleo fundador da vila.
Segundo as nossas fontes os primeiros habitantes de Kibokolo foram trazidos por Nabokolo, que, com auxílio do seu sobrinho Nkila Nkosi (Rabo de Leão, na tradução literal do kikongo para o português) conduziu uma expedição composta por 12 famílias provenientes do então centro administrativo de Mbanza Kongo.
Referindo-se a um legado histórico oral, o regedor de Kibokolo, Domingos Mwana Mosi, precisou que os seus ascendentes vieram do Nsanda Zondo, uma circunscrição que pertencia a Mbanza Kongo, que abandonaram por causa dos sucessivos conflitos étnicos e da luta pela captura de escravos por parte dos colonos, que se tinham aliado a muitos nativos. “Nabokolo e o seu sobrinho Nkila a Nkosi mobilizaram 12 tribos diferentes e seguiram para a via da Serra da Nkanda até Mpete Kuso. Poucos dias depois saíram dali e desceram para Mbanza Nzombo, actual sede de Maquela do Zombo”, indicou o octogenário.
Baseando-se sempre no que “os mais velhos me disseram”, Manuel Mbiavanga adiantou que, por qualquer motivo, que não soube explicitar, algumas das 12 famílias foram abandonando Mbanza Nzombo para destinos diferentes. Nabokolo levou o seu grupo até Nfinda a Vunda, um escasso arvoredo que dista cerca de dez quilómetros a Oeste da actual sede comunal de Kibokolo.
Mesmo com muitas dificuldades de memória o velho Mwana Mosi precisou que Nambeu, outro chefe tribal, conduziu o seu grupo até a actual comuna do Beu, ao passo que Nensaca foi para Kisaca, que conforma hoje a região de Sacandica. Nankuilo foi para o Kuilo Futa e Nendamba dirigiu-se para a actual Ndamba, que os portugueses passaram a chamar Damba. Nabokolo é citado também por Ambrósio Lukoki como tendo fundado ainda a então aldeia denominada Nzamba, que em português significa “Elefante”. Esta localidade reuniu também as tribos Nsamba Vita, Nazimbe, Nzumba Vita, Nzamba Mekongo e outras, que pertenciam a linhagem do próprio Nabokolo.
Uma das razões apontadas para a frequente movimentação das famílias é a característica nómada dos povos da época. “A vida daqueles povos não era fixa, as pessoas eram nómadas”, conforme precisou Avelino Mbiavanga, que se fazia acompanhar de um caderno de apontamentos já envelhecido, que disse ter herdado do seu avô materno, onde constam relatos das famílias antigas de Kibokolo. Segundo assegurou, por causa da condição nómada, as pessoas daquele tempo de Nfinda Vunda, actual comuna de Kibokolo, não construíam residências definitivas, até que Nabokolo colocou uma casa de capim neste lugar, um gesto seguido paulatinamente pelas demais famílias, o que pôs fim à vida errante.
Com o acolhimento de outras tribos o espaço transformou-se numa pequena sanzala, sem, no entanto, ter uma liderança definida. “Mesmo o Nabokolo era apenas chefe do seu clã, não era o responsável do novo aglomerado nos primeiros anos do ajuntamento, porque cada um chefiava a sua geração”.
Somente mais tarde, e por orientação de Nabokolo, consultados outros líderes de famílias, Nkila Nkosi chegou à liderança de Nfinda a Vunda.
Nkila Nkosi era também o intermediário que relatava a vida dos aglomerados familiares desta área aos forasteiros. Com o aumento populacional, e em homenagem ao fundador, os líderes dos grupos familiares substituíram a denominação Nfinda a Nvunda por Kibokolo, que dura até aos nossos dias.
Relação com os portugueses
A génese da relação dos povos pioneiros de Kibokolo com os colonos portugueses é identificada como estando ligada à procura e captura de escravos. Várias missões de traficantes negros cruzaram as regiões dos povos que se tinham retirado de Mbanza Kongo.
Nabokolo, Nkila Nkosi, Nsala, Ntumbo Lunienie, Masumo Makabedi e Nkusso Mpelo foram alguns dos negros nativos encontrados pelos primeiros portugueses que se estabeleceram em Nfinda a Nvunda. Os colonos estabeleceram com os autóctones relações baseadas na compra de escravos, comércio em voga na época. Este era na altura o maior negócio dos portugueses, que, além dos guias e intérpretes negros, contavam, necessariamente, com a colaboração e o beneplácito de autoridades locais. Essa relação por vezes descambava em discórdia com os povos que iam encontrando nos diferentes lugares.
O mais velho Mwana Mosi recordou uma história que lhe foi repassada pelo seu pai, que descreve uma desavença entre Nabokolo e os brancos caçadores de escravos. Os brancos chegaram à localidade de Nfinda Nvunda, e, como de costume, pediram que lhes fossem apresentados jovens para serem enviados ao Ntonga, um termo nativo que corresponde a “escravatura” ou “contrato”. Desta vez Nabokolo, por intermédio de Nkila Nkosi, seu intérprete e intermediário que se tornaria mais tarde no braço direito dos colonos, se recusou a atender à pretensão dos portugueses.
Face a essa rejeição o Mbuta Muxinda, como chamavam ao colono Caporal (o chefe da missão militar portuguesa), ordena à sua tropa a detenção do incumpridor Nabokolo, que aconteceu num momento em que este se encontrava no jango a tomar “Malavo Manguala”, bebida tradicional que era muito consumida e apreciada pelos mais velhos.
De forma coerciva Nabokolo foi levado. Em defesa do pai, o filho mais velho de Nabokolo seguiu o grupo com uma arma artesanal, adiantou-se furtivamente e fez uma emboscada num ponto do trajecto. Da acção resultou a morte do chefe da missão, o Mbuta Muxinda, o que provocou uma grande revolta dos brancos que se encontravam estacionados no posto militar em Mbanza Maquela.
A comunicação foi rapidamente repassada para Mbanza Kongo, onde estava o bastião da tropa portuguesa, que enviou em resposta um contingente de grande envergadura, que, já no terreno, pôs-se a matar os negros que lhes aparecessem a frente, mas não conseguiram capturar e eliminar o próprio infractor, o filho de Nabokolo. Os sobreviventes abandonaram Nfinda Nvunda, tendo-se refugiado nas terras de Mpte Nkusu e outros no agora outro lado da fronteira nacional, na República Democrática do Congo.
Os primeiros colonos
Provavelmente os sucessivos recontros com os nativos e outros acontecimentos terão impulsionado, muito mais tarde, as autoridades coloniais portuguesas, que já se tinham fixado em Mbanza Kongo, a elevar a localidade de Kibokolo para a classe de posto militar, conforme estabelecido na portaria 730 de 37 de Junho de 1913, boletim 026. Dois anos depois e já pacificada, a localidade passou para a categoria de posto administrativo civil, através da portaria 241, de 17 de Março de 1915.
Mbuta Muxinda e Tendez foram os primeiros brancos que se fixaram em Kibokolo. Foram seguidos por outros brancos, comerciantes, como o Lojos, o Vivelas, o Manuel, o Oliveira e o António. “Estes já encontraram o posto administrativo aqui em Kibokolo”, lembrou o ancião Mwana Mosi, que se expressou sempre em Kikongo por não ter o domínio da língua portuguesa, fruto da sua longa vivência na RDC, para onde migrou na infância com os pais.
A reboque da tradução, facilitada pelo jornalista Valter Gomes, Mwana Mosi adiantou que os comerciantes trocavam vinho, aguardente e peixe com dendém, que servia para o fabrico de sabão, e outros produtos da colheita dos autóctones. Com o avanço das trocas comerciais começou a aparecer uma classe de negros com posses. São citados os casos de Kilogro, Mateus Kudimana, Ndombele e Kinkondi, que comercializavam os produtos dos brancos no outro lado da fronteira. Segundo Manuel Mbianvanga, estes novos ricos vendiam produtos industriais e do campo, tendo contribuído bastante para a estabilização social da população local.
Muitos destes ricos viriam a abandonar Kibokolo na sequência da guerra e reconstruíram os seus negócios na RDC. Esta é a principal causa, na óptica de Manuel Mbianvanga, da presença de muitos angolanos ricos naquele país. Entretanto, Mbianvanga lamentou que durante a presidência de Kabila muitos angolanos se viram obrigados a abandonar a RDC e os seus bens, por força das perseguições.
Mwana Mosi esclareceu que desde os primórdios da fixação dos povos que se desintegraram da autoridade directa dos soberanos de Mbanza Kongo, como foi referido, os povos de Maquela do Zombo sempre mantiveram relações íntimas com os povos do Congo Kinshasa, baseadas nas trocas comerciais facilitadas pelos hábitos, costumes e língua comuns.
Os interlocutores do Jornal de Angola foram unânimes ao afirmarem que as populações que fundaram Kibokolo, depois de abandonarem a vida sedentária, dedicaram-se mais ao comércio do que ao cultivo agrário. São apontadas deslocações dos povos para a aquisição e venda de produtos no Congo Kinshasa e vice-versa. Se para o Congo levavam bebidas, peixe e sal, de lá traziam panos e outras mercadorias. Essa dedicação às tarefas mercantis é visível ainda hoje, com a inexistência de grandes fazendas agrícolas na região cujos habitantes se socorrem apenas da agricultura familiar, baseada na produção, sobretudo, da mandioca.
Para o mais velho Ambrósio Lukoki a dedicação restrita às trocas comerciais resulta hoje na pobreza da região, “que pode arrastar-se às gerações posteriores”. Conforme disse, por sua vez, o regedor Manuel Mbiavanga, “se fossem plantadas também, pelo menos, algumas árvores, hoje estaríamos ricos”.
Chegada dos missionários
A chegada dos primeiros missionários europeus a Kibokolo não foi pacífica. Vários foram os levantamentos dos nativos contra a presença dos religiosos que pertenciam às missões evangélicas provenientes da Inglaterra. Foram precisas negociações aturadas para conter os nativos, que se recusavam a aceitar a religião cristã.
Mpelenda Zidiwako, Pedro Kiasisua, Musifuende, Diebaka e outros foram os protagonistas do apaziguamento dos ânimos dos revoltosos. Só então o missionário Tomás Gren-Feer pôde erguer a sua igreja na região de Kibokolo, que se denominou primeiramente BMS e mais tarde IEBA – Igreja Evangélica Baptista de Angola. Para além da evangelização, a confissão religiosa construiu a primeira escola em Kibokolo, que tinha um internato. Aqui passaram, entre outras figuras, Simão Toko, Dissengomoka Sebastião Alexandre, Mawete João Baptista, Ambrósio Lukoki, Manuel Quarta Punza, Makondekua, Eduardo Bedi, Pedro Sadi, Armando Madeira, Afonso Malasa, Simão Makengo, Carlos Pinto e João André.
A escola da IEBA em Kibokolo era a única que se dedicava ao ensino em toda a circunscrição de Maquela do Zombo, até que, mais tarde, se lhe juntou uma outra unidade de formação pertencente à Igreja Católica, na sede do posto administrativo de Maquela.
“Muitas crianças provenientes de vários pontos da província, e não só, como Beu, Kuilo Futa, Bungo, Nsoso,Vale do Loge e até mesmo de Mbanza Kongo estudaram aqui em Kibokolo”, assegurou Avelino Mbianvanga, precisando que a escola leccionava apenas até a 4ª classe, continuando os alunos o ensino profissional noutras terras, como o Vale do Loge e Mbanza Kongo. Os que possuíam recursos enviavam os filhos para o Congo Kinshasa.
Quando eclodiu a luta armada de libertação nacional, em 1961, muitos pais de Kibokolo foram forçados a enviar os seus filhos em idade escolar para as regiões de Ngombe Matadi, Ngombe Lutete, Sonabata e outras, no então Zaire, actual RDC. Muitos desses angolanos jamais voltaram.
Via JA
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