LUTO POR CANANITO

 

Por Luís Fernando

Foi, para todos os que lhe conheciam o percurso, como a queda de um raio a notícia da sua morte. Fulminante. Inesperada. Cruel.

Serafim Cananito Alexandre deixou-nos, quando ninguém o esperava, ontem, em Luanda. Cobriu Angola de luto, o país pelo qual deu tudo o que um patriota pode arrancar do seu manancial de energias, mas estremeceu essencialmente a alma do Uíge, as suas gentes, o bairrismo das velhas terras do café, privando-lhes da veia compositora que nunca teve executante maior.

Foi-se prematuramente o homem que melhor escreveu, para ser cantada, a vida do espaço kikongo na simplicidade do quotidiano, erigindo pequenos nadas do amor em monumentos intemporais dignos da Cultura de um povo. Como nas canções Zuze e Thangidi mu Meso Maku, que armou com dizeres tão realistas e deu a cantar ao sobrinho João Alexandre, certos desde logo, certamente, de que estariam ambos a inscrever no limbo da imortalidade dois tesouros essenciais.

Só mesmo a morte avançaria com essa temeridade cruel sobre o génio da composição que cantou Ângela e espalhou o perfume de mil outros talentos em campos tão diversos como o desporto, a política, a bonomia e a arte de sobreviver às investidas da inveja e da intriga.

Na verdade, era um homem psicologicamente «retirado» aquele Serafim Cananito Alexandre com quem muitos de nós cruzámos nos últimos anos em eventos contados, poucos e cirúrgicos, sobretudo do «seu» MPLA, a absoluta paixão política que bastante jovem abraçou depois do brilharete no jogo da bola, sem nunca ter deixado claro se era melhor a driblar adversários junto à linha lateral no seu Futebol Clube do Uíge em dupla com José Raimundo, ou se talhado com maior mestria na missão de dar corpo e vivacidade à política feita para o bem comum.

Amava a política como poucos o conseguiram demonstrar como ele, deixando por anos a marca indelével na liderança da JMPLA na sua terra natal, o Uíge, tempo em que se mostrou um mobilizador de mão cheia e, em simultâneo, um olheiro de causar inveja aos que se antecipam ao génio dos craques no futebol mundial. Numa aldeola remota do município da Damba, por exemplo, encontrou há muitos anos um quase adolescente com aptidão para a política e levou-o para a capital provincial. Investiu nele. Apoiou-o em tudo. Fez dele um cidadão dedicado à causa do povo, das pessoas e da política. Anos depois, era o Primeiro Secretário Nacional da JMPLA, falando pelos jovens de toda Angola. Hoje, é o governador da província que viu nascer aos dois: Paulo Pombolo!

Está aberto o vazio que será impossível de preencher, passe o tempo que passar, nasçam os talentos que vierem a nascer. Serafim Cananito era um incrível continuador da saga dos Alexandre, um clã distinto do Uíge com sabedoria, com inteligência, com fé no valor do conhecimento.

Nasceu de uma árvore de sombra frondosa, emergiu do leito de um rio de águas límpidas e cristalinas, que só pode ser esta a imagem menos imperfeita que se deve fazer da família que um dia construíram o reverendo Alexandre Kifuati e Avó Bia, a matriarca que há uns poucos anos meio Uíge foi enterrar, em clima de contrita tristeza, ao lado da campa do esposo inditoso, falecido primeiro. Médicos, músicos, deputados, de tudo o clã Alexandre foi capaz de oferecer a Angola, numa missão que tem tudo de épica quanto de singular.

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Via opais.co.ao

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