Por Rui Ramos
Em 1988, com meses de idade, toda a família foi forçada a refugiar-se no Baixo Congo, devido à guerra. Quatro anos mais tarde dá-se o regresso, pois a guerra tinha parado e o destino foi o Uíge, onde viveram numa tenda até ao recrudescer do conflito, que os obrigou a fugir de novo, desta vez para a aldeia da mãe Fátima, Mungaji, a 20 quilómetros de Kitexe. Aí permaneceram até 1998, em permanente estado de fuga para as matas sempre que a Unita atacava.
Em 1997, recorda Mário Mendes Mussunda, Kitexe é atacado pela Unita e a família dispersa-se pelas matas. Mário andou três dias perdido, tinha apenas nove anos, e o pai ia de kilombo em kilombo procurá-lo. Conseguiram reencontrar-se, toda a família, e foram de novo para Mungaji e dali tentaram chegar ao Uíge mas a Unita não permitia que as populações se deslocassem das matas para a cidade. Depois de um trajecto muito difícil e sem alimentação, o pai, antigo comandante da Fnla, é capturado pela Unita.
Corria o ano de 1998 e, sem o pai, a família fugiu para as matas, perseguida pela Unita, e foram todos capturados, só sendo libertados devido a uma artimanha da chorosa mãe Fátima que disse aos soldados da Unita que iam do Uíge para as matas e não vice-versa.
Depois de soltos, reencontraram o pai e iniciaram todos os oito uma penosa marcha clandestina para o Uíge, onde viveram com enormes dificuldades no bairro Mbemba Ngango, sem nada para comer. Mas os pais de Mário Mendes Mussunda não desistiram e iam escondidos para as lavras de Kitexe para regressarem com mandioca para alimentarem os seis filhos. Mário recorda-se que amolecia casca de mandioca em água e comiam-na com coconote. Cinco kwanzas reajustados, hoje ninguém sabe o que é, foi quanto um amigo de Mário Mendes Mussunda lhe deu, por compaixão, e Mário comprou um maço de cigarros AC e uma caixinha de fósforos, que revendeu na zunga, obtendo algum lucro que lhe permitiu comprar um volume de cigarros para revenda.
Em 2000 a situação de guerra não era tão grave e a família aventurou-se a ir para Kitexe, o pai de Mário Mendes Mussunda estava gravemente doente e a mãe contraíra a doença “cobra seca” e nestas condições o pequeno Mário frequentou a quarta classe, sendo na escola o aluno mais querido e com melhor aproveitamento… mas também o mais pobre, deixara de ter caderno escolar e em casa não havia qualquer provento.
A mãe puxou de todas as forças e, mesmo muito doente, sem sequer conseguir cuidar da roupa dos filhos, trocou uma banheira de bombó por um caderno de 20 páginas, que levou de surpresa à escola. Do Kitexe, onde a vida era muito precária, a família de Mário Mendes Mussunda decidiu viajar para Luanda. Na estrada, por milagre, a viatura em que seguiam não foi queimada pela Unita. “Queimaram a viatura que seguia à frente e fugiram para as matas”, recorda Mário emocionado. Chegados à capital do país, foram directos ao Kicolo, onde uma das irmãs já residia, mas as condições eram muito difíceis, não havia qualquer rendimento em casa e então o pai foi ao bairro Paraíso, em Cacuaco, e num terreno começou a erguer uma casa, e aí dormiam ao relento até que conseguiram instalar o tecto, as chapas e o chão.
Mário Mendes Mussunda, com pouco mais de dez anos, voltou a estudar, matriculando-se na quinta classe, mas com a consciência de que tinha de ajudar a família. Então começou a vender sacos pretos na Praça do Kicolo e depois em São Paulo, para ajudar também a pagar os estudos.
Apaixonado pelo desporto, Mário Mendes Mussunda organizou a equipa do Futebol Clube do Porto do Paraíso, para a qual comprou equipamento azul e branco num armazém de São Paulo. Em 2002, quando o Senegal venceu a França no Mundial, Mário Mendes Mussunda comprou equipamento completo senegalês e ficou com a camisola 10, de Fadiga, sendo conhecido por este nome no bairro até hoje.
Com 20 anos, Mário Mendes Mussunda começa a dar aulas de língua portuguesa no colégio Alegria do Povo, no bairro da Pedreira. Ganhava 5.500 kz e pagava o mesmo valor pelas propinas e dois anos depois lecciona a mesma disciplina na Escola Fraternidade no mesmo bairro.
Só em 2012 Mário Mendes Mussunda consegue regularizar o seu registo de nascimento em Kitexe, condição para se inscrever na Faculdade. Com uma bolsa da Universidade Metodista, frequenta o curso de Biologia na Caop, Funda, e ao mesmo tempo o curso de Pedagogia na Escola Superior Pedagógica do Bengo. Mas Mário Mendes Mussunda era forçado a dar aulas em colégios para poder sustentar a família e teve de optar pela Universidade Metodista, tendo-se formado Em 2016.
No ano seguinte é convidado para director da Complexo Escolar Proglory, no Kicolo. O complexo tem 800 alunos desde a primeira classe até ao ensino técnico-profissional, leccionados por 75 professores.
O esforço para gerir um complexo escolar em pleno Kicolo não é fácil. Desde a falta de água e de energia eléctrica até às dificuldades financeiras extremas dos encarregados de educação, os obstáculos são muitos, adicionados à ausência de apoio institucional. Mário Mendes Mussunda sempre foi um líder, a partir da infância esteve à frente das comunidades da igreja Metodista Unida e desde jovem coordena o grupo coral “Mais Perto da Luz”, da igreja Catumbela, na Mabor-Cazenga, com 54 coristas.
Vida de muitas batalhas…