Mas que Congo era esse em, na verdade em 1913?

Por René Pelissier.

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Mas que Congo era esse em, na verdade em 1913?

O Distrito continuava a ser composto pelo pacífico e moderadamente próspero enclave, no qual a manutenção da capital em Cabinda significava fazer governar mais de 100.000 Km2 por um coto excêntrico com o qual só havia comunicação por mar. A sul do rio Zaire, o problema dos transportes continuava sem solução. O caminho-de-ferro da parte baixa do rio para o Cuango, via S. Salvador, cuja concessão fora dada em 1894, nunca começou a ser construído.

A pista de Noqui a Maquela do Zombo (260 Km) era um monumento à incúria administrativa do início deste século. Era ladeada pelos covais dos carregadores zombos, que formavam um “tapete rolante” para a passagem da borracha. Tal como no tempo do padre Barroso, eram precisos quatro a cinco dias para se ir de Noqui a Salvador.

Do mar a Maquela do Zombo, o correio seguia ainda pelo caminho-de-ferro belga para depois voltar até à fronteira portuguesa. Um telégrafo intermitente ligava Luanda a santo António do Zaire e a Noqui, mas não chegava a S. Salvador. Além destas poucas inovações, todo o transito se realizava a pé ou de tipóia, pois ninguém usava carros de bois, mulas ou cavalos como se fazia mais a sul.

Talves possamos avaliar em 250.000/350.000 o número dos Bakongo que estavam nominalmente sob o regime português. 250 mil para a antiga residência de S. Salvador, quer dizer, com todas as novas capitanias-mores de leste. A população parecia em regressão devido aos estragos causados pela doença do sono. Em 1910 contavam-se 46 brancos em toda a residência, isto é, provavelmente, com todos os novos postos e das escalas dos Solongos, à volta de uma centena de Europeus. Por outras palavras muito menos que em 1860.

Abstraindo do enclave, que, por enquanto, se manteria longe da revolta, não havia em 1913, ao contrário de 1961, espoliação fundiária por parte dos Europeus. Em contrapartida a presença portuguesa tinha enorme defeito de estar mal segura e de, ao mesmo tempo, ser cada vez mais insuportável. Enquanto que no inicio do século era o Estado independente do “rede rubber” que fazia as vezes de ovelha ronhosa, em 1913 o Congo português era inda o grande estábulo de Angola e o purgatório dos funcionários prevaricadores ou mal vistos nas esferas do poder. E isso já não era admissível para uma população africana em grande medida amorfa mas que ainda estava armada e que já perdera as suas fontes de rendimento parasitários (os Solongos) e se sentia cada vez mais ameaçada nos seus bens (os impostos) e nos homens (os carregadores e os envios para o contrato) por um punhado de militarões negros e rapaces porque tinham fome e que obedeciam ou não a uns desmoralizados oficiais de segunda ordem.

Numa palavra. Os Portugueses comportavam-se no Congo como estivessem em condições de ali se impor em toda a parte e como se o tivessem reconquistado. Este desvio para a arbitrariedade, demasiado frequente nas possessões africanas de Portugal, era combatido por Luanda. Mas que fazer, se também aí os homens de valor, mal pagos, procuravam sair de lá enquanto um inextricável engorgitamento burocrático e a concepção, fundamentalmente viciosa, da função pública em Portugal condenavam a maioria a fechar os olhos às irregularidades quer eram cometidas desde que não causassem escândalos? O problema principal era que ninguém podia adivinhar o limiar de tolerância dos Bokongo e, julgando-a elástica, acabava-se por ir além desse limite.

As causas da revolta

O Governador-Geral Norton de Matos, perito em matéria de autoritarismo e de excessos da administração mas suficientemente lúcido para perscrutar os motivos de uma sublevação que iria enegrecer os dois últimos anos do seu primeiro mandato exporia, numa nota destinada a não vir a público, “as causas desta sublevação devem principalmente ir buscar-se á incompetência e à falta de cumprimento dos seus deveres por parte das autoridades administrativas do distrito, civis e militares”. E precisava mais as suas ideias, distinguindo as causas remotas (influência nefasta das missões inglesas e autorização de venda de pólvora) das causas imediatas: “deixar á testa de São Salvador um chefe de posto inconveniente, e á testa da vasta circunscrição de Noqui e Santo António um administrador sem critério, os abusos praticados na cobrança do imposto de cubata, os atropelos á lei no angariamento
de trabalhadores para as fazendas do Enclave, a criação de novos impostos municipais e o desastre da coluna do Pombo e Sosso.

A etnia em armas

Um movimento antiportuguês

Este apanhado das causas de atrito era relativamente honesto, mas faltava-lhe aquilo que seria, talvez, o essencial: a dimensão étnica. Com efeito, aquilo que faria com que a revolta do Congo de 1913/15 fosse única na sucessão de tais manifestações não seria a sua duração, que foi todavia excepcional, para Angola, mas sim o seu carácter pan-conguês. Nem todos os Bokongo angolanos nela participaram – longe disso – mas, devido ao medo ou à adesão voluntária, o movimento, isolado a princípio, alastrou como uma mancha de óleo e reuniu e arrastou regiões tão diferentes e até inimigas umas das outras, como as que dependiam de Noqui, santo António do Zaire, Quelo, Tomboco, S. Salvador, Madimba, Bembe, Damba, Maquela do Zombo e o Pombo e Sosso. Quanto aos outros sectores, os Portugueses, que não tinham penetrado neles (exceptuando o Cuilo e o Cuango), não podiam avaliar da sua
animosidade. Mas Norton de Matos não se iludia. Escreveria, em Março de 1914, que a rebelião “está latente n’alguns pontos, mas noutros revelou-se já por actos de violência, de guerra aberta a tudo que é português”
Extratos da “História das Campanhas de Angola”  – Uma pesquisa de Artur Méndes.

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