Matadidi é um diamante nacional que o país não soube aproveitar

Por Albano Cardoso

Oiço aqui alguns sussurros muito infelizes sobre o grande músico Matadidi. Gostava de os sentar e apresentar cada escolha rítmica nas canções do mestre Matadidi, conforme nunca ouviram. Dizer “… a máquina fenomenal Inter Palanca” não é dizer absolutamente nada. Mas é o que está no registo naquela compilação da RNA. Os coros – ou melhor – os arranjos de vôz nesse tema aqui mencionado são sublimes, como em poucas outros registos aqui de qualquer época.

É preciso saber respeitar um artista e um cidadão da dimensão de Mário Matadidi, e não ficar-se pela cantilena tribalista, e afins. Começou logo, após o seu regresso com descriminação pelo seu acento quando fala português, que não é a sua primeira língua. São conhecidas as piadas, e de como essas pessoas eram recebidas na altura, e mesmo depois do célebre discurso de A. Neto sobre o regresso dos filhos da pátria no exterior. Para terminar depois, com a recorrente, e única, expressão por norma utilizada para “descrever” a sua musicalidade “Showman”. Um dizer nada. Uma incapacidade cultural patente de analisar música em Angola, bem como o fenómeno local de se desconhecer a realidade históricas das famílias que imigraram na fronteira norte do país.

Conforme ele me contou um dia (em tom de humor) sobre o facto de ele, Sam Mangwana e outros amigos que quando caminhassem em Kinshasa as pessoas diziam “oh, os Angolanos” – e que mal chegou a Luanda começou a ser chamado de “Zaicó”. Ele não entendia isso. A música do Matadidi é imensa, e antes demais é uma bela fotografia desses primeiros anos da independência, narrada do ponto vista de quem chega, e de quem sempre lhe fora incutido um espírito patriótico, e noção de independência pelo seu pai, e no contexto do Congo revolucionário de Lumumba.

A sua música em Angola passou a ser uma celebração dessa conquista, e da consciência africanista. Muito por dizer. Mas, por exemplo, a sua canção “Yaulé” foi também a primeira vez em que muitos angolanos ouviram o nome das 18 (na altura) províncias de Angola. Logo a sua dimensão nacional, de união um só povo, uma só nação. Para não falar que cantou não só em kikongo, como em kimbundo, e português. Musicalmente, como já disse, e em breve, sempre esteve milhas à frente de quase todos os músicos nacionais, e isso é o que deve ser valorizado primeiramente.

Pode-se sempre dizer mais, mas é apenas um desabafo. Pena que muitos, principalmente os que não tocam, nem cantam, não tenham por exemplo arquivado as fotografias, ou que se tivesse feito um filme, ao menos, daquele espetáculo na Cidadela, ao menos esse. Mário Matadidi tinha um concerto agendado para Paris, no Olympia. Na altura que apenas se tocava ali por convite, não por simples aluguer da sala, como hoje. O presidente da república do Zaire proibiu a sua saída por razões políticas, foi quando MM decidiu que era hora de voltar à pátria prometida.

Estou a abreviar.

Matadidi ficou kota, e é desses diamantes nacionais que o país, a sociedade, não souberam aproveitar – aliás, ele como muitos outros de valor artístico, reduzidos à compreensão artística de quem por cá por vezes nem sabe o que é arte. Apenas uma nota rápida de apreço ao seu trabalho artístico, como é minha norma, sempre que a sua música (MM) for o tema.

 




 

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