Mfumu’a Lemba ou Kimfumu (principais funções de clãs reais do Reino do Kongo)

Por Patrício Batsikama

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O que hoje é Lûmbu – tribunal tradicional em Mbânz’a Kôngo e nas outras regiões na província do Bêngo – seria apenas uma das subdivisões daquilo que foi no passado. Lûmbu era a instituição máxima do país: (i) definia as tipificações do poder: (a) tirania militar, (b) democracia social; (ii) instituía os órgãos da sistematização do Poder exercido; (iii) simbolizava a coesão de uma vasta população repartida em várias terras e distantes umas das outras.

Mas, enquanto instituição, o Lûmbu tem uma rica história. Interessa-nos, portanto, procurar perceber como ele surgiu, as suas missões, os seus limites e, sobretudo, a sua descrição em geral.
De modo geral, Lûmbu era dividido em quatro compartimentos ou órgãos de Execução: (1) Mpôlo’a Lêmba, também chamado Bumpôlo; (2) Mfûmu’a Lêmba, também chamado Kimfûmu; (3) Lûmbu ou simplesmente Yêmba; (4) Mbôngi.

(1) – MPÔLO’A LÈMBA

Neste órgão, encontramos três departamentos relacionados com a religiosidade, e responsável pelo embalsamamento e enterro do rei defunto. Aliás, Mpôlo’a Lêmba é, geralmente, nome de um “nkîsi” (medicamento/remédio) para acalmar as convulsões nas crianças (Laman, 1936: 584). Isto é, o órgão consiste em (i) acompanhar as campanhas dos candidatos ao cargo social/executivo; (ii) expulsar os pseudocandidatos: a expressão lêmb’a nsi significa “expulsar os maus rumores fora do país” e “tornar pacífico o país [depois das questiúnculas eleitorais] ” (Laman, 1936: 391); (iii) apurar os candidatos para a fase a seguir.

Os principais ngâng’a nkîsi mpôlo são:

(a) – Na-Nsânsi: era o especialista dos “cultos dos ancestrais nsîmbi” e pertencia à linhagem de Na Ngûdi’a Mfûlama. Esta especialista tinha como tarefas: tomar conta dos candidatos, organizá-los em grupos consoante as suas linhagens e efetivar a primeira iniciação. Aliás, ku-nsânsa significa amamentar (Laman, 1936:877): dar os primeiros ensinamentos. Razão pela qual fazia parte daquela linhagem que, no mosaico kôngo, é considerada como aquela que possui os “primeiros iniciadores” no sentido lato sensus.

(b) – Na Nkyâma: especialista dos “cultos dos ancestrais nsîmbi” fazia parte da linhagem Ngûdi’a Têla. A sua tarefa maior era responder a pergunta: “quais são os verdadeiros candidatos, e quais seriam os pseudocandidatos”. Ainda existe uma velha forma de perguntar em kikôngo: “qual deles?”, dizendo “kyâma?” (Laman, 1936: 364). Nas funções sociais, os Ngûdi’a Têla exigiam o respeito às leis/ancestrais (Mpângu za Bakûlu), razão pela qual cabia-lhes pronunciarem-se quando um litígio era suprimido. Por um lado, eles têleka –suprimem trigo do joia – entre os candidatos. São os Mayâla (instrutores) que orientam como “dirigir”, como se dizgeralmente, em relação aos Mfutila Na Wêmbo que são “aqueles que fazem a cabeça dos candidatos”.

(c) – Na Ñkîta: especialista dos “cultos dos ancestrais nsîmbi” era da linhagem de Ngûdi’a Vônda. Antigamente, no culto de kimpâsi, os profetas tinham alguns rituais de “morte e ressurreição”. E durante as suas mortes simbólicas, eram frequentados pelos nkîta, de maneira que, ao ressuscitar, profetizavam. Isto aconteceu com Dona Beatriz Nsîmb’a Vita. Na Nkîta Ngûdi’a Vônda tinha a única responsabilidade de “validar ou invalidar o julgamento” do Na Nkyâma. Aliás, a palavra “vônda” significa “invalidar um julgamento” (Laman, 1936: 1073). Depois era feito um pequeno ritual semelhante à da morte simbólica de kimpâsi.

Todos eles eram chamados de Ngûdi’a Mpôlo por duas razões: (i) são eles que legitimam – por via uterina – os potenciais candidatos. Isto é, são representantes de “Vûmu nsi”: vumu/útero; ngûdi/mães; (ii) pertencem às linhagens ditas, geralmente, ngûdi za nkâma: os grandes primeiros eleitores dos candidatos entre as populações.

Em princípio, cabia a estes especialistas evitar que “compareçam no Lûmbu” aqueles que não poderiam lá entrar, tal como reza a tradição até nos nossos dias: “Ku Lûmbu ke kwakota ngulu ye mbwa. Twavwikwa luwusu kwa yân’ampûluka, twalungwa muna makânda ma nkosi ye ngo”Que no Palácio (país) não tenha acesso nenhum porco nem um cão/inimigo sequer. Que seja sempre coberto de bênção, que progredimos no entendimento, na união e concórdia.

(2) – Mfumu’a Lemba ou Kimfumu

Este órgão era repartido, também, em três departamentos. Em geral, trata-se da educação específica dos candidatos. É aqui que se fazem os rituais de “nzo’a lunsâsa”: escola administrativa, onde os candidatos aprendem: (i) os tipos de governos, suas vantagens edesvantagens; (ii) a significação das insígnias do poder, o seu uso e as implicações; (iii) kimpôvi: a retórica no seu sentido de advocacia, utilidade dos provérbios na vida, as leis e a sua aplicabilidade; (iv) kikûlu: a história geral do país, já que os candidatos só conheciam as histórias das suas proveniências, os limites das terras, etc.

Os Departamentos deste órgão são (i) Kiñzînga que era liderado pelo Ne Ñzîngu zyôka: aquele que introduz as pessoas na vida/existência; (ii) Yêmba, dirigido por Na Mpêmba que era o
professor de Direito constitucional para os candidatos, e ao mesmo tempo era advogado deles (já na fase a seguir); (iii) Kinânga que tinha como coordenador Na Mfilañtu.

(i) – KIÑZÎNGA: os candidatos que Na Nkîta Ngûdi Vônda legitima como candidatos devem ser introduzidos pelo Na Ñzîngu Zyôka (Bittrémieux, 1936:39) no kimfûmu, classe de Autoridades ou ainda “nzo’a lunsâsa”, escola administrativa. O termo ñzîngu zyôka significa literalmente isto. Na Ñzîngu Zyôka era também chamado Masôngi (orientador) e detinha habilidades escultóricas: fabricava as insígnias e explicava a utilidade de cada um aos candidatos.

(ii) – YÊMBA, em princípio, é o conjunto de três “mbôngi dos Vûmu nsi”, com as mesmas funções. O seu responsável máximo, Na Mpêmba, era: (a) professor de Direito constitucional; (b) advogado dos candidatos. Por um lado, ensinava a tipificação dos poderes que os ancestrais já experimentaram. Por outro, explicava o modelo em vigor. O interessante era saber vantagens e desvantagens. Ensinava,também, o uso da palavra (kimpôvi) e auxiliava os candidatos durante a fase a seguir. Era um bom instrutor de “peacemaker” aos candidatos, por isto era chamado “nkênge, munguti’a mfûmu” (Boa educadora), mãe do candidato eleito” ou “fazedor de paz”.

(iii) – KINÂNGA, em princípio, e por um lado, o termo quer dizer “riqueza” em escravizados. Por outro, significa “as funções mais altas da Corte”. Por esta razão, a família Kinânga ou Nânga Ne Kôngo expõem-se como Governador de uma província, mas também como Primeiro-ministro da “realeza” (Ne Nkâzi za Kôngo). Isto é, neste Departamento, aprende-se: (a) histórias das partes que compõem o país e a história de Zita dya Nza; (ii) as técnicas das funções, essencialmente, na economia/kinkâyi ou kikani (Bentley, 1895:746); a harmonia/concordância social ou kiñtôtela (Bentley, 1895:758). Ne Mfilañtu, que é responsável máximo deste Departamento – hoje simples linhagem – vela pela (a)sabedoria na distribuição das riquezas do país em todos momentos; (b) gestão humana e económica em caso de conflitos ou de paz; (c) coordenação dos pontos estratégicos em termo de capital humano. Em Mbânz’a Kôngo era considerado o “Governador de Mbânz’a Kôngo” ao lado de Ñtôtil’a Kôngo, o Unificador/rei.

(3) – Lûmbu

O Departamento que dá o nome a esta instituição toda vem em terceiro lugar. Trata-se, na verdade, do julgamento dos candidatos. O sentido de julgamento aqui é de “prova de exame”. São três etapas consecutivas. Na primeira fase, os candidatos deverão fazer prova de que dominam as leis ou o Direito constitucional e a sua aplicabilidade.
De todos os candidatos, apenas um deverá aprovar. Na segunda etapa, os “reprovados” fazem recursos – e isto poderia durar muito tempo –auxiliado pelo Na Mpêmba, seu advogado. Tratava-se de todo um “território federativo” a reclamar a dignidade do seu candidato.

Geralmente era quase impossível surgir um outro eleito, pois tratava se apenas de um costume dos Kôngo guardar as suas dignidades de que não “reprovaram”. Isto é, as partes federativas que perderam as eleições guardavam a sua lealdade perante o eleito. E, na terceira etapa, legitima-se o eleito. Os departamentos são Kingûndu, chefiado pelo Na Nkôndo; Kimvîmba, chefiado por Na Mpêmb’a Wûngu; (iii) Dizîta, o “nó” tendo como chefe Ma Nzânza.

A seguir descrevemos os Departamentos:

(i) – KINGÙNDU: o termo designa as terras e as leis relacionadas com aquelas terras. Trata-se aqui de várias leis em que o candidato deve mostrar prova de dominar suficientemente. Eram feitas várias perguntas aos candidatos e aqueles que melhor desempenhava e mostrava maior capacidade de dirigir era eleito. Depois desta eleição, o eleito passava pela segunda iniciação de kiñkûndi (irmandade) na responsabilidade de Na Ñkôndo.

(ii) – KIMVÌMBA, enquanto Ne Ñkôndo iniciava o eleito sobre a indivisibilidade das populações e das suas terras, Ne Mpêmb’a Wûngu tinha três pendentes por resolver: (a) reabrir um segundo Lûmbu para os “reprovados”, representantes de outras terras longínquas. Reprovar os seus candidatos não significava a renegação ou exclusão das terras dos reprovados na integridade da União (Kôngo), e era fundamental assegurar isto; (b) reconduzir outros candidatos para funções secundárias – Nânga Ne Kôngo (governador de Mbânz’a Kôngo), por exemplo, era o candidato designado por Ne Mfilañtu, assim como Ne Ñzîngu zyôka designava também alguns candidatos para as funções de Mpâku za Kôngo (ministro das finanças). Este Departamento é chamado Kimvîmba por ter a função de nunca separar as partes integrantes da União/Kôngo. Todos eles tinham consciência de que Kôngo’e tâdi, quer dizer Kôngo é impossível de dividir (Mertens, 1942: 122).

(iii) – DIZITA – explicando porque o país foi chamado “Zita dya nza” (o nó do mundo) – é a parte definidora da nova Constituição. Geralmente, a reapreciação do caso dos “reprovados no Lûmbu” resultava sempre em emendas. Ma Nzânza vivia numa das colinas de Mbânz’a Kôngo. A tradição é vaga a este respeito: ora é assimilada a nascente da colina; ora é confundida com a própria colina unificadora de várias (12?) nascentes. Mas o que é certo é que nzânza significa uma colina (Laman, 1936) onde várias famílias habitam e exercem suas atividades económicas. Isto é, Ma Nzânza era o representante de Nsaku Ne Vunda (ver o órgão a seguir) que, na espera do consagrador do eleito, assegurava as démarches da coesão e união. A sua presença era orgulho da instituição e esperançava que todas as anomalias (possível desunião) pudessem ser resolvidas.

(4) – Mbôngi

Este órgão – o último que prepara o eleito para a sua investidura – tem duas funções: (i) perfazer a formação do eleito; (ii) delegar os poderes executivos e reunir o Lûmbu para editar (fabricar os suportes das) leis que o eleito irá proclamar. Estão presentes neste órgão todosos intervenientes dos órgãos precedentes. Não conseguimos todas as denominações dos departamentos – talvez superamos isso nas próximas pesquisas – mas podemos citar apenas os dois últimos: (ii) Kiñtûmba; (iii) Mbôngi.

(i) – No primeiro departamento, Ma Ñtûnga é tido como a garantia da integridade moral e da saúde do eleito, do futuro “rei”. Ele pertence a linhagem de Nsaku Lawu. Era a autoridade que escolhia outras mulheres para o eleito; era considerado como o “tio materno” do eleito e, em termo de genealogia, ele era-o de facto. O rei era-lhe obediente e escutava continuamente os seus conselhos. O nome da sua linhagem (Nsaku Lwau) significa: “sacudia as loucuras” do seu sobrinho eleito. As linhagens Kintûnga ou Ma-kintûnga explicam que são Nimi (outra apelação de Nsaku). Nos relatos, percebe-se que Ma Ntûnga perfazia a educação administrativa do eleito. Ma Ntûnga acompanha os trabalhos arquitetónicos da praça onde terá lugar a coroação do eleito.
(ii) – Kintûmba: é nesta etapa que o eleito aprende as etapas que consistiriam a sua investidura: são os ensaios, primeiro, mas efetiva-se na chegada de Ntînu Nsaku Ne Vûndu (que residia ora no Nsoyo, ora no Mbâta31 ora no Mbâmba). Está isolado do mundo – e nem sequer a sua eleição é sabida das populações – o país estando ainda na fase de kômba (limpeza dos “pendentes” da morte) e só acabava com a entronização pública do novo eleito. Depois de criar as condições, Ma Ntûngu manda os emissários ao consagrador Ñtînu Nsaku Ne Vûnda. Este último, ao chegar ao local, ordena ao Ma Ñtûndu que tatue o recém eleito. Somente depois de duas mi-lûmbi (semanas: geralmente durante o tempo seco) prontifica-se – já na terceira semana – o ato público da entronização.

(iii) – Mbôngi – tido no seu sentido estrito – indica a casa mortuária/para julgamentos. Nsaku é patrono desta instituição e, é considerado como o “rei interino” ou a segunda pessoa (Nganguka Mbela, 1971/1972:117). Ora neste preciso caso, o valor cosmogónico da morte nosKôngo supõe alguma ressurreição do rei defunto e a observação das leis (que deixaram os ancestrais no Além: Yôngo32). Os pormenores destas cerimónias foram descritos por vários padres, de maneira que isto facilita-nos resumir. A entronização implica dança de Nsaku Ne Vunda, durante a qual o novo eleito recebe as insígnias do poder: lança, faca, etc. (Lorenzo da Lucca; Bernardo Da Gallo; Lucca da Caltanisetta; etc.). Na segunda etapa na entrega das insígnias, o eleito deve estar numa posição cerimonial (de ajoelhado) para receber mpûngi (Constituição), lukôbi lwa bakûlu que é o símbolo da integridade social e territorial, etc. (Romano Dicomano; Lorenzo da Lucca, etc.). A última parte é de sentar-se ao “trono”. Majestosamente, Nsaku Ne Vunda coloca três milûnga no braço esquerdo e coloca o mpu chapéu/kiñjînga) na cabeça (Van Wing, 1921:144). Finalmente, entrega na mão do eleito a bengala.

Como logo no início já frisamos, o Lûmbu hoje está limitado apenas no “tribunal tradicional” dos assuntos que a Lei positivada não alcançaria soluções. Tentamos aqui apresentar uma descrição geral, fruto de uma densa leitura e repetidas análises sobre as Tradições das linhagens publicadas em livros (Cuvelier, 1953) ou nas revistas (Troesch, 1953) confrontadas com mais de 877 amostras orais que recolhemos na primeira mão durante vários anos (1995-2011) e de 102 manuscritos/arquivos de várias bibliotecas (veja bibliografia).

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