MOBUTU E A SITUAÇÃO DOS MOVIMENTOS NACIONALISTAS ANGOLANOS

Por Rui Manuel Proença Bonita Velez

O Zaire, gozando de uma situação geográfica privilegiada em relação a Angola, suportou mente para o esforço dos movimentos que ali atuavam. Desde os primeiros meses que se seguiram à proclamação da independência que existiram contactos entre o Zaire e os movimentos de libertação de Angola. Através de Lumumba, um dos símbolos da contestação ao colonialismo no continente africano e que cedo viria a desaparecer, o Zaire constitui uma importante base de ajuda aos seus vizinhos angolanos e cedo se viria a transformar num “centro de um movimento para a libertação de Angola ”.A transferência de autoridade belga para a congolesa facilitou a instalação, em Léopoldville, das sedes dos partidos políticos angolanos que viram, dessa forma, a sua liberdade de movimentos facilitada. Esta mobilidade tornou-se, por um lado, das exigências fiscais reduzidas por parte das autoridades congolesas e, por outro, das características naturais da própria fronteira que se estendia por milhares de quilômetros de selva e mato, proporcionando uma travessia sem qualquer tipo de dificuldade. A mensagem política de Lumumba também constituiria um importante elemento influenciador desta aproximação, tal como se pode constatar através do seu discurso de 25 de agosto de 1960, em Léopoldville, na conferência dos ministros dos Negócios Estrangeiros. Nesta ocasião, Lumumba entendeuu a sua posição relativamente ao domínio português em Angola: “Angola permanece aos angolanos, o regime colonial português desvia da terra africana”. (…) “o Governo e o povo irmão da República do Congo não poupariam o seu apoio à luta legítima do povo angolano”.Lumumba começou por reconhecer a União das Populações de Angola (UPA) como partido político angolano, concedeu-lhe as bases deabastecimento e de treino militar (a mais conhecida Thyseville uma pequena cidade a sul de Léopoldville e perto da fronteira de Angola), autorizou a utilização da Emissora de Léopoldville através de um espaço radiofónico denominado Voz de Angola Livre e animado a circulação do Jornal do partido , a Voz da Nação Angolana, que surgiu em Setembro de 1960. Relativamente a estes apoios convém destacar o papel da Rádio de Léopoldville que, segundo Holden Roberto, teve um papel decisivo na “movimentação e espaço de manobra da UPA” particularmente, no da campanha contra Portugal, encabeçada pelo líder da UPA, incitando os angolanos à revolta. Foi precisamente nestas emissões, a 3 de Agosto de 1960, que Holden Roberto “assumiu o compromisso de tornar a vida impossível ao colonialismo português em Angola”.

Em Junho de 1962, o Congo de Léopoldville seria o primeiro país a reconhecer o GRAE, chefiado por Holden Roberto e com Jonas Savimbi na pasta dos Negócios Estrangeiros. Em 1964, o GRAE já era agraciado por grande parte dos Estados da OUA e pelo agregado africano da ONU. Entretanto, Holden Roberto estabeleceu contactos com a China e com as delegações da URSS e de Cuba nas Nações Unidas sem, no entanto, deixar de lado o apoio norte-americano.

Posteriormente, com a chegada ao poder de Tchombé, a situação complicou-se para a organização de Holden Roberto. Aquele líder congolês estava decidido a limitar a acção dos adeptos da UPA que, à data, já tinham assumido a nova designação de FNLA. No entanto, a evolução política congolesa estava condenada a favorecer a FNLA. Assistiu-se a um incremento do auxílio que, segundo Hélio Felgas, resultaria de três factores essenciais: primeiro, uma certa melhoria da situação global do Congo; segundo, o maior interesse dado ao assunto por Kasavubu; e terceiro, o indiscutível desenvolvimento do MPLA, que não poderia deixar de obrigar o Governo de Léopoldville, à época influenciado pelos norte- americanos, a garantir auxílio ao GRAE, até então o único movimento reconhecido por diversos estados afro-asiáticos.

Por sua vez o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que em termos de presença e de apoio não teve tantas facilidades como a UPA em território congolês, viu, em 1961, a sua sede ser transferida para Léopoldville para, pouco tempo depois, ser assaltada pela polícia local, as suas armas e explosivos apreendidos e o seu líder carismático, Agostinho Neto, ser detido, por alegada posse de “documentos falsos”. Apesar de tudo, o MPLA não se alheou da luta, antes pelo contrário, fez uso da imprensa congolesa, para publicar em Julho de 1960, na Présence Congolaise, uma declaração na qual assegurava que “a política portuguesa em Angola tendia para a preparação febril de uma guerra colonial” e que o objectivo mais importante daquele movimento era “a liquidação urgente da dominação colonial portuguesa em Angola, por meios pacíficos e democráticos”, sendo que “esta evolução pacífica dependerá da actuação do Governo português”. Em 1963, teria que se mudar para Brazzaville fruto da sua orientação marxista facto, que para a época, era intolerável para os dirigentes congoleses, nomeadamente, Mobutu.

Em 1966 deu-se o corte de relações diplomáticas entre o Congo e Portugal. Anos mais tarde, no decorrer das conversações, entre os dois países, tendo em vista a instalação de um representante diplomático português em Kinshasa, houve um ponto, relacionado directamente com esta matéria, que era inegociável para Portugal e relevante para o Congo: “a garantia de que o MPLA continuaria a não ter o apoio do Governo congolês”. A relevância do assunto para Mobutu consistia, essencialmente, no receio das “influências comunistas” que pairavam sobre aquele movimento e, também, na sua preferência por Holden Roberto, com o qual tinha laços familiares, visto que era casado com uma das suas irmãs. Ainda no decorrer destas negociações também se clarificaram alguns aspectos relativamente à FNLA resultando daí importantes desenvolvimentos. Foi o caso, por exemplo, da apresentação às autoridades de Cabinda de um dos ministros do GRAE, juntamente com outros militantes daquele movimento, que, posteriormente, viriam a combater ao lado das forças portuguesas, integrando uma unidade combatente conhecida por TE (Tropas Especiais), mais tarde generalizada a outros grupos análogos, formados por antigos combatentes da FNLA e do MPLA. Os sinais que Mobutu deu durante as negociações faziam adivinhar um modus vivendi que facultasse um relacionamento estável entre os dois Estados.

Em 1970, a evolução da postura do Congo para com Portugal foi desfavorável e, para isso, muito terá contribuído o discurso efectuado por Mobutu nas Nações Unidas em Agosto. Durante essa intervenção apelou aos países afro-asiáticos para se juntarem e encetarem uma luta contra “o colonialismo e contra o racismo”, e prometeu que o Congo jamais deixaria de conceder assistência aos “povos oprimidos”, apoiando os “movimentos de libertação na sua luta contra os regimes estabelecidos nos respectivos territórios”. Preconizou ainda uma acção diplomática no sentido de convencer as grandes potências a partilharem dos esforços para a “extirpação do colonialismo e do racismo”. Por outro lado, em Dezembro de 1970, no decorrer do seu encontro com Kaunda, trocou impressões relativamente aos apoios aos “movimentos político-subversivos a actuar na África Austral”. Portugal, nesta altura, ainda acreditava que o tom acusatório das declarações do responsável máximo do Congo servia para “encobrir a sua real atitude de colaboração” para com o regime português. No entanto, esse facto não era motivo para as autoridades portuguesas ignorarem o aumento significativo dos meios do GRAE que, sem o auxílio do Congo, não teriam grande relevância. Entretanto o movimento de Agostinho Neto estendeu a frente de batalha até ao leste de Angola. Com um forte apoio militar e financeiro da URSS e com o reconhecimento da OUA garantiu um “fortalecimento operacional” em detrimento da FNLA que viveu, nessa altura, um “declínio progressivo”. Com a interrupção do financiamento americano, Holden Roberto ficou cada vez mais dependente de Mobutu.

No entanto, Mobutu com o seu vizinho angolano jogava outros trunfos. Os primeiros anos da década de 1970, tal como iremos ver mais à frente, também ficaram marcados por um conjunto de iniciativas que visavam o desenvolvimento de laços de cooperação entre o Zaire e Angola. Foi neste contexto que começaram a surgir, nessa época, reflexões que vislumbravam, entre Portugal, o Zaire e Angola, um interesse comum a defender como forma de promover uma eventual coexistência pacífica. Com este quadro houve quem conseguisse vislumbrar entre Portugal e o Zaire um interesse comum a defender. No dia 6 de Fevereiro de 1972, surpreendentemente, o responsável pela representação diplomática em Kinshasa, Gonzaga Ferreira, foi convidado para um jantar com o Administrador Geral do CND, Antoine Akafomo, que queria saber mais detalhes sobre uma ideia que lhe tinha sido apresentada e que motivara grande interesse ao seu Presidente: um eventual encontro entre o governado geral de Angola e Holden Roberto.

Este encontro, devido às exigências dos assuntos a tratar, começou por volta das 19 e prolongou-se até às 22 horas e decorreu nos termos que a seguir se apresentam. O Embaixador português interveio primeiro e começou por explicar os fundamentos que, para Portugal, sustentavam a razão de ser desta ideia: os perigos que pesavam sobre a região e a situação do GRAE. Relativamente ao primeiro ponto, Gonzaga Ferreira, desenvolveria a já conhecida argumentação da “existência de movimentos esquerdistas de influência maoista que pretendem libertar Angola e o Zaire”. Ferreira enfatizou o papel daqueles que apoiavam os referidos movimentos, nomeadamente a China, que tinha como objectivo atingir o Zaire e as províncias ultramarinas portuguesas porque, uma vez subjugadas essas extensas áreas, o resto de África “não só cairia de maduro como obrigaria a África do Sul a reagir”. Caso isso acontecesse, a “tensão entre blocos” voltaria a dominar todo o continente por não ser possível acreditar que o ocidente viesse a abdicar dos seus interesses na região. Tudo isto justificava, para o embaixador português, a presença portuguesa no continente como “elemento fundamental no equilíbrio de forças”, ao ponto, de imaginar Portugal como “um tampão protector da África negra”. Logo de seguida, insistiu na explicação da sua tese com base em duas premissas para a independência de Angola: primeiro, “manter a presença portuguesa; segundo, “abandonar”. Sendo que, neste último caso apenas duas resoluções poderiam ser equacionadas: num primeiro cenário a vitória do MPLA que, por razões de “disciplina e organização interna”, ditaria o afastamento de Holden Roberto; e, num segundo cenário, uma declaração de “independência unilateral”, ou seja, uma nova Rodésia, uma vez que, no seu entender, a África do Sul não ficaria passivamente a assistir ao alargamento da esfera de influência comunista junto das suas fronteiras. Por fim, o diplomata português, de forma realista, remataria com uma pergunta directa ao dirigente zairense: “E que dizer de uma independência unilateral trazendo os sul-africanos até ao Cuango e à foz do Rio Zaire?”. Sem qualquer tipo de moralismo, Gonzaga Ferreira, alertava desta forma para os perigos vindos do sul do continente, que o Zaire poderia ter que enfrentar caso se concretizassem estes indicadores e que fundamentavam, no seu entender, a necessidade de preservar “o equilíbrio de forças” à época vigente na região.

Ficava a faltar uma abordagem à questão do GRAE. A argumentação do embaixador português baseou-se na “inoperância” deste Governo no exílio ao longo de 11 anos de luta; leia-se inoperância em termos “políticos”, “militares” e de “formação de quadros”. Conhecedor dos problemas de segurança fronteiriça que apoquentavam as autoridades zairenses, o embaixador português, revelou o compromisso de Portugal de “retirar o grosso das nossas forças, que tanto preocupam alguns, para leste para um melhor combate a um inimigo comum”, desde que, fossem dadas garantias que o braço armado do GRAE, o Exército de Libertação Nacional de Angola (ELNA), não continuaria as suas infiltrações pela fronteira norte de Angola. De seguida, Gonzaga Ferreira, explorou o tema da inoperância militar. Se era verdade a improdutividade das operações efectuadas pelo ELNA, porque não integrar “alguns dos seus comandantes e seus soldados nas forças portuguesas, para combater o inimigo que é tanto do GRAE, do Zaire ou de Angola?”. Por tudo isto o governador-geral considerou que seria “interessante” encontrar-se com o “angolano Holden Roberto”, desde que fossem excluídas quaisquer ideias pré-concebidas de “compromissos políticos ou concessões” e que a palavra “independência” fosse considerada proibitiva.

Akofomo ouviu atentamente a exposição de Gonzaga Ferreira e, logo de seguida, explanou a sua leitura do que ali estava a ser discutido. Concordou, inteiramente, com todos os pontos de análise do embaixador português e assumiu a existência de “interesses comuns a defender”. Partindo destes pressupostos, perguntou se não se justificaria um apoio ao GRAE sem qualquer tipo de reserva, ao ponto de considerar a exclusão de qualquer ideia de independência e, caso Holden Roberto não fosse considerado o homem ideal para este tipo de aproximação, “buscar alguém que oferecesse melhores condições de êxito”. No seu entender, era fundamental conjugar esforços para “barrar o caminho ao MPLA, quer no que diz respeito a Angola quer ainda no que se refere ao Zaire”. Nesta altura, ainda o Zaire “abominava tudo o que cheira a comunismo”. No entanto, a ânsia de reclamar um papel de liderança na cena política africana era grande e tudo era válido para atingir esse patamar, inclusivamente, apoiar uma união entre o MPLA e o GRAE. Na lógica de um estilo de política conduzida de acordo com os interesses e a ocasião, a pergunta que se seguiu não surpreendeu: “não seria prudente, mais uma vez, prevermos fórmulas que impeçam em definitivo que tal aconteça (referia-se à união do GRAE e do MPLA), atribuindo a um GRAE renovado e remodelado algum apoio que evite todos os riscos graves que enumerou”. Falar, conversar e trocar ideias, sem qualquer tipo de compromisso prévio, é o procedimento normal entre duas partes que se encontram, ocasionalmente, à mesa de um qualquer restaurante e essa, segundo o dirigente do CND, teria que ser a lógica de qualquer contacto com o GRAE para não denunciar “perspectivas futuras”. Antes de terminar perguntou de quem partira a iniciativa deste encontro, ao que Gonzaga Ferreira respondeu: “do governador-geral de Angola”.

Apesar de terem sido ligeiramente reatados no ano seguinte (como confirma o episódio Inonga relatado uns parágrafos mais à frente), sabemos que estes contactos nada produziram. No entanto, confirmam a estratégia adoptada por Portugal, durante esta fase do conflito armado contra os movimentos de libertação e que vinha no seguimento do que foi feito com “grande sucesso”no Leste de Angola, desde 1970, contra o MPLA e que materializou a operacionalização de um plano, com o nome de código “Operação Madeira”, que previa um acordo com a União Nacional para a Independência de Angola (UNITA) para suster o avanço do MPLA. Esta manobra foi idealizada pelo comandante-chefe, general Costa Gomes, com o consentimento do Governo português que, através do seu ministro do Ultramar, Silva Cunha, considerou “de muito interesse as iniciativas para a eventual colaboração com a UNITA contra o MPLA e a UPA”. Desta operação, que também contou com a participação da PIDE e que foi comandada pelo general Bettencourt Rodrigues no terreno, resultou a eliminação de praticamente todas as células do MPLA e da FNLA no sector leste de Angola. Em 1972, no sector norte, tentar-se-ia a FNLA para alcançar o mesmo objectivo só que, desta vez, sem grande sucesso.

Mas, como já vimos, a visita de Mobutu à Guiné e à China viria a mudar tudo. Foi nesse quadro, absolutamente novo, que surgiu a “insistência de Mobutu na reconciliação do GRAE com o MPLA”, que viria a efectivar-se em Dezembro de 1972 em Kinshasa, após um período de negociações que se iniciou em Junho no decorrer da reunião da Comissão Ministerial da OUA, facto que viria a ter repercussões “nos termos das relações entre Portugal e o Zaire”. Foi aí que “sob os olhos dos maiores que os haviam levado à capital zairiana, Agostinho Neto e Holden Roberto ensaiavam um simulacro de entendimento e de abrandamento do antagonismo activo que sempre os separa”. Numa tentativa de “comprazer a OUA”, Mobutu viria a baptizar esta reconciliação manifestando, contra todas as expectativas, algumas concessões ao movimento liderado por Agostinho Neto. A OUA estava a patrocinar a “reconciliação entre irmãos desavindos e o Zaire não podia, em consciência, senão felicitar-se com a alta missão que a OUA empreendera”. Segundo a missão diplomática portuguesa em Kinshasa, Mobutu terá manobrado neste argumento respeitando dois princípios: um, “público”, que o apresentaria como o “paladino da reunificação”; outro, “secreto”, que se harmonizaria com os reais interesses do Zaire, e pelo qual Mobutu poderia privilegiar o entrave a uma eventual reconciliação. Caso se verificasse essa unificação, poderia “moldá-la” para que não se constituir num “ponto de partida para a guerra total contra Portugal, antes tencionando explorar o facto como propaganda para a sua figura de líder pan-africanista”. À época, nos círculos diplomáticos de Kinshasa, apesar de Mobutu sempre se ter preocupado com “uma independência precipitada de Angola”, por acreditar que seria feita em proveito do MPLA em detrimento do GRAE que, segundo este, não apresentaria ainda “estofo ou envergadura para tal empreendimento”, todos se questionavam se não estaria Mobutu, em consciência, pensando no “enorme prestígio que alcançaria, caso conseguisse ser o obreiro da solução do problema angolano”.

Importa referir, no entanto, que este apoio à unificação dos dois movimentos, não fez resfriar as desconfianças de Mobutu relativamente ao MPLA. No seguimento das conversações mantidas entre o líder do Zaire e Agostinho Neto, para o estabelecimento do movimento em Kinshasa, chegou-se a um ponto de impasse quando o líder do MPLA exigiu “o livre-trânsito de soldados e armas do MPLA por território zairense a caminho de Angola”, condição que foi categoricamente recusada por Mobutu. Parecia que se colocava um dilema às autoridades governativas zairenses, entre “a promoção e total apoio da unificação ao nível africano e a recusa, ao nível nacional, da satisfação das exigências de Agostinho Neto”. Mas não se tratava de nenhum dilema, esclareceu o comissário de Estado adjunto dos Negócios Estrangeiros do Zaire, Inonga L’Ome, em Março de 1973, ao representante diplomático português em Kinshasa, Gonzaga Ferreira. Tratava-se sim de uma crença sustentada na responsabilização dos desentendimentos e das divergências, entre os dois movimentos, no colapso do projecto de unificação, não obrigando, dessa forma, Mobutu a assumir qualquer posição de “marcha-atrás”. E, na realidade, foi isso que veio a acontecer.

Entretanto, em meados de 1973 já era evidente o seu verdadeiro propósito. A jogada de apoiar a reconciliação dos dois movimentos de libertação angolanos inseria-se no âmbito das iniciativas levadas a efeito pelo Governo zairense para se colocar na “primeira linha dos progressistas partidários da violência como única forma de libertação do continente”. Tratava-se de acções que iam desde a promoção da unificação GRAE-MPLA até à procura de uma “estratégia comum”, em relação á África Austral pelo Zaire, Zâmbia e Tanzânia e, ainda, convite a determinados “dirigentes de movimentos não angolanos”, que até então, não eram bem recebidos em Kinshasa. Por outro lado, o facto de passar a ser visto na cena política internacional como um “revolucionário africano” indicava que o seu Governo passava, definitivamente, a adoptar uma política extremista que excluía qualquer “parcela de moderação e realismo” que pudessem contribuir para o equilíbrio regional que Portugal procurava.

Foi este o contexto que motivou, a partir de 1973, o reforço da influência da FNLA junto do Governo do Zaire: se, em tempos, temeu uma rápida independência de Angola porque sabia que esta nunca se faria com Holden Roberto, preferindo a presença de Portugal a uma Angola livre mas nas mãos do MPLA, nesta fase, Mobutu já pensava em preparar as condições para fazer de Angola “uma projecção amiga e agradecida de Kinshasa”. Com o apoio das autoridades zairenses, o movimento iniciou o recrutamento em larga escala dos angolanos residentes no Zaire, com o intuito de preparar, em 1974, uma eventual ofensiva contra o território angolano, tendo para o efeito, contado com a colaboração das FAZ através do treino operacional destes novos combatentes que passaram a fazer parte do ELNA, braço armado do GRAE, muitas das vezes, recorrendo a manobras militares junto à fronteira de Angola. No plano internacional, desfrutando do prestígio de Mobutu no continente africano, conseguiu juntar ao Zaire o apoio da Tanzânia e da Zâmbia, facto que representou para Portugal, “o perigo da criação de uma frente activa do ELNA a leste, a partir da Zâmbia e do Zaire” e, também, “o perigo de uma futura utilização do porto de Dar-es-Salaam para o encaminhamento de material de guerra destinado à FNLA”. A estes, juntou-se o apoio vindo de Pequim através da cedência de instrutores militares e de armamento (Holden Roberto visitou Pequim, em Dezembro de 1973, resultando daí um acordo entre a China e a FNLA com a anuência de Mobutu). O engrandecimento da FNLA fez gorar todas as expectativas quanto à concretização de um eventual acordo de reconciliação com o MPLA que, por sua vez, iria sofrer um certo enfraquecimento em virtude das dissidências internas resultantes do conflito que se gerou entre Agostinho Neto e Daniel Chipenda, como consequência do enfraquecimento da actividade militar no Leste onde, naquela altura, o movimento concentrava o esforço das operações.

Contudo, o único ataque do ELNA digno de registo em 1973, tratou-se daquele que foi efectuado “nos dias 10 e 11 de Outubro à fazenda Margarido, uma das maiores de Angola, no distrito de Luanda”. Facto que corresponde com a leitura que é feita à situação militar de Angola durante esse ano, considerando-a estável, fruto da “melhoria geral da situação” operacional para as tropas portuguesas. Todavia, as informações disponíveis na altura, levaram o ministério dos Negócios Estrangeiros português a destacar a determinação de Mobutu para se apropriar de algumas “parcelas do território angolano, designadamente da zona petrolífera de Cabinda, sob o pretexto da libertação de Angola”.

Para além disso, importa sublinhar que estas ambições se enquadravam no plano que tinha sido apresentado em Setembro de 1973 nas Nações Unidas, por Mobutu. Perante a Assembleia Geral, o presidente do Zaire lançou um “ataque violento contra Portugal, a Rodésia, a África do Sul, a Grã-Bretanha e o Ocidente em geral”. A ideia, como já vimos, passava por tentar convencer os seus pares a criar um “eixo de dissuasão que, apesar de “fraco militarmente, pesaria pela força humana e pela capacidade de influência internacional”. Assumidamente, o Zaire, pela voz de Mobutu, proclamava a sua propensão “libertadora de África” sem esquecer a profecia de Franz Fanon, “que dizia que a África tem a forma de um revólver cujo gatilho se situa no Zaire”. Por consequência, só faltava apertar o gatilho, algo que Mobutu e os seus pares estariam preparados para o fazer. Crescia assim a convicção de que, a partir deste discurso, desapareceria o fosso entre a “realidade das intenções e o verbalismo” de Mobutu, resultando daí duas “conclusões lógicas”: o receio pelo destino da representação diplomática portuguesa e da Comunidade portuguesa do Zaire; e o inevitável envolvimento num confronto militar que, já nesta altura, se anunciava para o ano de 1974 ao longo de toda a fronteira de Angola.

Na verdade, toda a especulação em torno de operações militares, ao longo da fronteira com Angola, para o ano de 1974 revelou o circunstancialismo criado no Zaire em torno dos problemas da “libertação africana”. Por outro lado, o radicalismo de Mobutu, materializado com as suas intenções agressivas relativamente a Angola, foi a tónica da política do seu regime em relação a Portugal até meados de 1974. Veremos, posteriormente, o que mudou. Por agora, importa realçar a importância desta contextualização para aprofundarmos o estudo das relações do Zaire com Portugal em dois períodos importantes da História de Portugal.

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