Por Camilo Afonso Nanizau Nsaovinga
Para os Bakongo, o culto aos antepassados é sinónimo de continuidade de vida dos seus entes queridos já falecidos. A morte não é libertação, nem uma passagem: é uma metamorfose. Não é nunca nascimento para uma vida mais elevada ou mais bela; é concebida sempre como uma diminuição, uma desgraça, uma lenta e progressiva extinção. (GABRIEL, 1978, P. 36).
Os antepassados próximos continuam a participar da vida da família e, por isso, os vivos prestam-lhes homenagem não só pelo dever filial, mas também para evitar que eles se irritem e lhes causem danos se não forem tratados com o devido respeito. Por isso, em todos os momentos em que se encontram congregados oferecem-lhes bebidas vertidas para o chão, invocando e rogando bênçãos e proteção:
Os espíritos dos antepassados continuam a exercer grande influência na vida do grupo, sobretudo, dos parentes próximos, acreditando-se que visitam os campos, rios, nas aldeias, onde viveram e de que continuam a ser os proprietários. A fecundidade das mulheres e das terras, o êxito na caça e na pesca, a saúde de homens e animais, são dons dos antepassados que enriquecem a vida do grupo, controlado por eles na sua existência e actividades. (ALTUNA, 1974, p. 95).
Contudo, os bakulu-antepassados, para não se sentirem sós, têm de ser atendidos, aplacados e propiciados, em resumo devem ser venerados por todos os entes comunitários. O culto aos antepassados decorre da própria lógica da antologia Bantu. Não são adorados, vivem como membros da sua comunidade, necessitam dela e não passam de criaturas de Nzambi, levados por sua vontade e numa existência nova. Eles intercedem junto de Nzambi pelos entes do mundo visível. Porém, o culto aos antepassados Bakulu, ele é exercido pelos mestres especializados e reconhecidos pel comunidade, que são os Nganga Bakulu, os sacerdotes do culto aos antepassados. Como se podem observar na imagem da fig8. Para Van Wing, (1959, p.318), estes são os responsáveis pela guarda do cesto e presidem todas as celebrações do culto social, e é o chefe coroado, Mfumu mpu(literalmente,o senhor do chapéu).Normalmente,o mais velho ou o ancião da linhagem ou do clã ou seu substituto que se ocupam destas funções. Thomas L.V., citado por R. Altuna escreveu:
Torna-se ofensivo para o Bantu falar de ancestrolatria; seria a maior deturpação dos seus princípios religiosos. Embora o culto dos antepassados nos introduza mais intimamente no segredo da Religião Africana, é necessário considerá-lo como uma concepção filosófica da vida, um instrumento ao serviço da sociedade, um modo de acesso. (ALTUNA, 1987, p.474).
Apesar da difusão do cristianismo no antigo Estado do Kongo, os Bakongo continuaram a preservar os elementos básicos da sua identidade religiosa.
Em Angola, apesar da influência do cristianismo, implantado pelos portugueses desde os finais do século XVI, os cultos dos antepassados, constituem o processo central das manifestações mágico-religiosa e é acompanhado de ritos sacrificiais que variam, na sua liturgia de região para região e de um complexo Sociocultural para o outro, conquanto, a sua essência permaneça idêntica. O sacrifício é geralmente acompanhado. Antecedido ou precedido de preces ou orações, aos espíritos padroeiros. (REDINHA, 1974, p 363).
Por isso, nsi-terra ou território, ocupado para habitar tem uma relação íntima com os antepassados. Ali está o Zumbu – primeiro espaço ocupado pelos ancestrais fundadores da linhagem.
O território identifica-se por isso através da relação que sustenta com a história, e que se exprime, não, só pela presença dos espíritos dos antepassados, mas pela acumulação de sinais, mas criados pela natureza e reinterpretados pelos homens, os outros provindos do imaginário do indivíduo e da sua sociedade. (HENRIQUES, 2004, p. 13).
Eis a razão da compreensão do Nzila Kuna Nzambi – Caminho para Deus. Em suma, juntamo-nos a Oduyouye ao afirmar:
Em África, o papel dos antepassados é o de guardar viva a recordação das nossas origens e da nossa história. Renegar isto é renegar as nossas raízes e até a nossa identidade. É também renegar o facto de que nós encarnamos na nossa pessoa o passado e o futuro. O culto dos antepassados impede que os Africanos cheguem a ser pessoas desenraizadas, sacudidas pelo vento de todas as modas ou ideologia passageira. Ele preservou até agora a personalidade. Prova clara disso são as nossas festas sócio religiosas. (A. DADAYOYE, 1979, p. 136).
O apego ao culto dos antepassados não significa um retorno ao que hoje se considera atraso, tradicional, sem inovação, face ao moderno. As Comunidades têm uma dinâmica própria. Têm o sentido de inovação, estabelecem a relação entre o tradicional e o moderno. Inovam e refutam as coisas de acordo com o tempo e o espaço. Por isso, os Bakongo afirmam: Ndyanga vya, ndyanga savuka. Significa dizer, que o capim que se queima e se renova. Outro adágio ki fwa, fwa, ki mpinga, mpinga. Naka mu mwana ko, mu ntekelo. O equivale dizer: onde há morte, há sucessão. Se não for o filho (sobrinho) é o neto.
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