O Estudo da língua kikongo pelos europeus.

Por Camilo Afonso Nanizau Nsaovinga

 

 

 

 

 

Uma das principais preocupações dos mercantilistas, no domínio linguístico, uma vez, envolvidos com o tráfico de escravizados, era o do domínio da língua Kikongo, do Estado do Kongo, que lhes permitisse a comunicação e o domínio das diferentes formas do conhecimento não só da língua, da cultura e da história, para melhor evangelização, mas, sobretudo, da discussão dos preços dos produtos locais africanos na região, em relação às mercadorias europeias.

Esta preocupação incessante dos primeiros missionários nos Estados do Kongo, da aprendizagem e do domínio da língua local, sobretudo, o kikongo, era a arma principal e o elemento determinante de uma ideologia política glotofágica e de evangelização que viria a caracterizar a presença de “missões civilizadoras”, no continente africano após a Partilha do Continente Africano, resultante da Conferência de Berlim de 1884 -1885.

A respeito dos estudos da linguística africana e da ideologia glotofágica em discussão no continente africano, e no que tange as diferentes missões de pesquisas feitas por missionários e outros exploradores e viajantes antes e depois da Partilha do continente africano, Calvet (1974: p.31) define a glotofagia no seguinte: “As línguas dos outros (mas, por detrás das línguas visam-se as culturas, as comunidades) existem apenas enquanto provas da superioridade das nossas, vivem apenas negativamente, fósseis de um estádio volvido da nossa própria evolução.”

Este posicionamento de Calvet resumiu tudo quanto veio acontecer no continente africano em geral, e na região cultural Kongo após a presença efectiva dos europeus colonizadores do Continente Africano. Se numa primeira fase, os estudos missionários desta língua, o kikongo,  eram feitos de forma pacífica e pelas razões acima já referenciadas, sobre o aprender e comunicar-se com as populações locais, na evangelização e na discussão dos preços dos produtos comercializáveis entre os africanos e europeus, na segunda fase após a partilha do continente africano, este quadro se altera drasticamente no âmbito do relacionamento entre os africanos e os europeus em todos os domínios. As populações locais são inferiorizadas e discriminadas e as suas línguas foram proibidas por decretos legislativos.

As razões estão subjacentes nos primeiros trabalhos elaborados sobre estas línguas no continente africano, pelos primeiros missionários, cronistas e outros viajantes do século XV, e na segunda metade do século XIX. As descrições linguísticas, históricas, culturais e comerciais feitas nos períodos antecedentes, determinaram o novo quadro de relacionamento com os africanos, até na segunda metade do século XIX. As línguas europeias foram impostas para o aprendizado dos africanos, a partir das igrejas europeias, pela doutrinação e catequese.

As línguas africanas por força das circunstâncias passaram para o segundo plano, de acordo com a política ideológica e civilizadora ora dominante. Estas passaram a ser designadas de primitivas, dialectos e patoás.

A justificativa quanto a esta discussão encontra a sua resposta em Thomas e Béhagel (1980) apud Zongo (2014), linguista africano, no seu artigo inserido na obra, A Consciência Histórica Africana,

Podemos, a priori, ficar impressionados, no plano do corpus, pela imensa
riqueza de produções realizadas acerca daquilo que convinha chamar de
dialectos ou patoás africanos nesta época. Esta abundância justifica-se pelo
facto de “a preocupação dos primeiros africanistas, viajantes,
administradores, etnólogos, linguistas, consistir em repertoriar as populações
habitando nos territórios que atravessavam e simultaneamente as línguas que
falavam. (ZONGO, 2014, p. 2014)

Entretanto, Zongo (2014, p.60,61), no concernente as pesquisas das doutrinas políticoideológicas do período, das suas missões civilizadoras e da inferioridade dos africanos, esclarece:

Isto porque, por detrás das línguas, cujo estatuto científico se pretendeu
negarem, escondia-se e continuam a esconder-se as culturas e as
comunidades que as praticam. (…) Porém, as intenções que presidiam estas
iniciativas e a qualidade dos escrevedores escondiam, no plano do estatuto,
uma iniciativa ideológica que se pode resumir a formula seguinte: “poder
comunicar para melhor dominar”. Note-se também que alguns destes
investigadores de circunstância sem formação lingüística avançavam o seu
prognóstico vital ou respondiam a injunções civilizadoras ou
religiosas.(ZONGO, 2014, p. 2014).

Nsondé (1995 p.45) Apud Cavazzi (1690.p.340, p.785) na sua obra: Descrição histórica dos três reinos do Congo, Matamba e Angola escreveu “Una delle cose che rendono malegevole il catechizare i Gentili, sarà sempre Limperitia de linguaggi”.Ou seja, um dos grandes males que impede a evangelização dos pagãos indispostos será sempre o imperativo da falta do domínio ou aprendizagem da língua.

Contudo, a presença de missionários capuchinhos é muita bem conhecida pelos diferentes especialistas que estudaram o Estado do Kongo, tendo em atenção às pesquisas e os trabalhos elaborados sobre a história, a cultura e a língua kikongo e dos seus contactos com os povos circunvizinhos da região Kongo. A este título importa referenciar os trabalhos mais descritos e dos mais importantes, segundo Jean de Dieu Nsondé (1995, p.51) historiador e lingüista
africano, sobre o Kongo aludiu:

Entre os participantes, muitos missionários não hesitaram em relatar no
início, a sua visão e a sua experiência do país. (…) Citemos, para se reterem
os mais utilizados e os mais importantes desta época, Giovanni-Francesco da
Roma, Cavazzi da Montecuccolo, Lucca da Caltanisetta e Lorenzo da Lucca.
A partir das suas crônicas e dos documentos conservados na Propaganda em
Roma, dos numerosos trabalhos elaborados, muito particularmente sobre os
aspectos religiosos, nomeadamente os de Monsenhor, Jean Cuvelier (1931),
o Padre François Bontinc (1936), Teobaldo Filesi (1978), Louis Jadin
(1975), depois de mais de trinta anos. (NSONDÉ 1995, p.51)

Mais a Norte do Estado do Kongo, isto é, nos Estados de Loango e Kakongo, os missionários franceses recém-chegados, no período do século XVII ao século XVIII, no seguimento dos seus trabalhos lingüísticos e de outros documentos elaborados pelos capuchinhos no Kongo, durante o período do século XVII, e com o mesmo objectivo de aprenderem rapidamente a língua kikongo, como meio de comunicação e de contacto com as populações locais, engajaram-se no estudo linguístico do kikongo na região. Destacando-se entre eles o Abade Proyart, missionário e historiógrafo, que logo de início se vai preocupar com as questões da
língua kikongo, no Loango.

Assim, a língua kikongo do Estado do Kongo e dos estados situados ao Norte do Rio Nzadi, apresenta raízes comuns bantu nas suas semelhanças. A este propósito, T.Obenga, historiador, filósofo e lingüista africano (1985) justifica escrevendo:

Em 1776, o abade Proyart parece ter identificado os subgrupos lingüísticos
Kongo: O idioma do Kakongo é o mesmo como o de Loango, N’goio, Iomba
e outros Estados circunvizinhos, não difere essencialmente com aquela do
Kongo.Muitos artigos semelhantes, e um grande número de raízes comuns,
que parecem, no entanto indicarem que estas línguas tenham tido a mesma
origem.(OBENGA, 1985, p.15).

O Abade Proyart, a partir das suas pesquisas históricas e lingüísticas dos Estados do Kakongo e Loango deu os primeiros passos ou pistas do estudo das línguas bantu do espaço cultural Kongo. As semelhanças encontradas nas suas variantes das regiões circunvizinhas deram a
concluir que eram da mesma família lingüística.

Para T.Obenga (1985), quanto às origens comuns do kikongo:

Proyart tinha visto ao certo. O Kongo de Mbanza Kongo (S. Salvador), o
yombe(“Iomba”), o vili (Loango, Ngoyo, Cabinda) são, com efeito, as
diversas falas da língua bantu falada pelos Bakongo (Noroeste de Angola,
Baixo-Zaïre, Congo Meridional), é o Kikongo.(OBENGA, 1985, p.15)

Como ficou tratado, apesar de todos os constrangimentos sofridos no quadro de adaptação a nova realidade africana, os primeiros missionários europeus, italianos, portugueses franceses, espanhóis, belgas, cronistas, exploradores e outros especialistas, desde a metade do século XVI a segunda metade do século XIX e XX, foram elaborados e legados trabalhos valiosos, sobre o Estado do Kongo, nos domínios da história, antropologia, sociologia, linguística e geografia. Das obras mais citadas registramos: Cavazzi da Montecuccolo (1690); Jean Cuvilier (1931); François Bontinc (1936); Van Wing (1959); Teobaldo Filesi )1978); Louis
Jadim (1975).

Segundo Eduardo Nsimba (2015), no seu artigo, Etiquetas História do Reino do Kongo, sobre, O Mais Antigo Dicionário Africano Bantú em 1651, Kikongo – Latim –Espanhol, traz-nos outros aportes sobre o assunto, atestando: Não se pode suprimir a verdade para sempre. Uma pesquisa recente mostra que “o mais antigo diccionário em línguas bantú: Vocabularrium P.Gerogii Genensis. Leuven J.Kuyl – Otto”, publicado por Van Wing, Joseph Constante e C.Penders (editado e traduzido), em 1928 era uma cópia do manuscrito escrito por Manuel Roboredo e padres Capuchinhos. Pesquisadores da Boston University (Boston, EUA) realizaram extensa pesquisa que os levou a concluir que: Van Wing, Joseph e C.Penders eram praticamente plajadores que tinham intecionalmente omitido o nome de Manuel Roboredo como o principal autor do dicionário.Da mesma forma, a pesquisa realizada pos Jasper Kind,da Universidade de Ghent (Bélgica) chegaram a mesma conclusão ( ver Seção I: Reabilitação póstuma do Manuel Roboredo)”.Pela sua importância o trazemos em anexo ao presente estudo.

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