Papa Wemba iniciou a carreira no Stukas Boys de Milton Roberto, filho de Holden Roberto

Por Sebastião Kupessa

O ícone da terceira geração da rumba congolesa, Jules Shungu Pene Kikumba Wembadio, mais conhecido por Papa Wemba, faleceu em palco, na manhã do dia 24 de Abril de 2016, quando participava no Festival de FEMUA, em Anoumabo/Abidjan organizado pelo grupo Magic System.

Horas depois do seu falecimento, a sua biografia foi compartilhada no mundo inteiro, graças às redes sociais no internet, dos jornais conhecidos no mundo inteiro e nas cadeias televisivas internacionais. A sua carreira, recordam todos, começou no dia 24 de Dezembro de 1969, no Club Hawai, em Leopoldville, quando fundou-se o mítico agrupamento musical congolês, o Zaiko Langa Langa, daí a sua trajectória como artista musical, conheceu uma ascenção fulgurante, atingindo lugares cimeiros no World Music, até ser surpreendido pela morte em plena prestação, em Costa de Marfim. Se a imprensa internacional divulgou assim a sua biografia, é porque copiaram nos jornais congoleses, que brilharam pela amnésia ou preguiça intelectual no que concerne a pesquisa sobre a vida de um dos mais brilhantes astros musical do negro continente.

A imprensa congolesa destaca ainda que, o malogrado artista foi um dos maiores professores da sua profissão, por ter deixado no mercado congolês de discos, muitos músicos conhecidos, alguns a nível continental, como Koffi Olomide, o falecido Emeneya Mubiala e Reddy Amisi, para não citar só estes.

“Foridoles (formador de ídolos)”, “Fula Ngenge” e “Maître d’école”, não são só tíulos de alguns dos seus albuns de sucesso, são também, alcunhas do Papa Wemba relacionadas com o seu papel de formador de músicos famosos. Mas ninguêm recorda que o professor, no passado, beneficiou também apoio de outros professores para chegar a este nível, sobretudo se esta ajuda vem de refugiados angolanos no seu país, questão de orgulho. Mas como ele próprio cantou, em “Fula Ngenge” que história não muda, vamos tentar recordar a origem artística do Jules Shungu Wembadio.

Salientámos que, pelo imenso contributo de refugiados angolanos ao longo da evolução na música da actual RDC, pela lógica, a Rumba Congolesa deveria ser designada de ANGO-CONGOLESA, mas infelizmente, os angolanos não são lembrados quando os croniqueiros confeccionam a biografia de artistas e conjuntos congoleses. O caso do Para Wemba é um exempro típico da perda de memória volontária de jornalistas da RDC, concernente a contribuição de angolanos na edificação da Rumba Congolesa.

O início da terceira geração da Rumba congolesa

O grupo musical San Salvador Mayungu, com Manuel de Oliveira, é o precursor da música congolesa moderna.

O grupo musical San Salvador Mayungu, com Manuel de Oliveira, é o precursor da música congolesa moderna.

Historiadores e jornalistas congoleses, dividem a evolução da música congolesa em gerações. Cada geração caracteriza-se na introdução de inovações que contribuem na sua evolução.

A geração precursora da música moderna congolesa é a que tocava a música acústica e tradicional, introduzindo instrumentos modernos, como guitarras eléctricas, em lugar de Sanzi , saxofone no lugar de Mpungi. Os músicos da primeira geração são primeiros que gravaram as suas composições musicais em disco, nos fins dos anos 40 ou princípios dos anos 50. Os músicos como papa Manuel de Oliveira, Bila Eduardo, Enriques Freitas e Jorge Eduardo Dula, do quarteto “San salvador”, angolanos de origem, são na realidade fundadores desta geração. Mas Wendo Kolosoy, Antoine Mundanda, Adu Elenga, Polo Kamba, Lucie Eyenga, etc., eminentes artistas desta geração, são citados respectictivamente, como iniciadores do estilo de música da primeira geração, por serem congoleses, raramente lembram dos angolanos.

A geração a seguir, a chamada “fundadora da música moderna congolesa”, encarnada na pessoa do Kabasele Tshamala “Grand Kallé”, vai abandonar totalmente instrumentos tradicionais, estreando-se na salsa cubana, donde surge o apelido rumba-congolesa. Grand Kallé funda o African Jazz em 1952, onde evoluiram os músicos como Tabu-Ley Rochereau, Mwamba Dechaux , Tino Baroza, Izeidi, Kasanda wa Mikalay “Dr. Nico”, etc. Luambo Makiadi “Franco” forma o OK Jazz, em 1956, enquanto que o seu mentor, Ebengo Dewayon vai evoluir no Co-Bantou. O seu irmão Bokelo Isenge formará o Conga. Dezenas de agrupamentos vão nascer durante este período como African Fiesta do Dr. Nico, que vai surgir depois, com os dissidentes de Africa Jazz. É com essa geração que a África vai descobrir a muisica congolesa, até ser considerada como a principal do continente. Os músicos congoleses são acolhidos em muitos paises de África independente com muitas honras. A canção de Grand Kallé “Independance Tcha-tcha”, composta em lingala e Kikongo, tornou-se hino da independência de África. O conjunto African-Team será formado pelo Grand kallé, em 1960, contará com musicos de talentos de Africa, onde o nome do Manu Dibangu aparece pela primeira vêz. Esta geração vai dominar o mercado de disco continental, produzindo obras de qualidade. Mas o contributo dos angolanos não é tido nem achado.

Os angolanos Sam Mangana e Mavatiku Visi Michelino, eminentes artistas musicais da segunda geraçâo da Rumba Congolesa.wOs angolanos Sam Mangana e Mavatiku Visi Michelino, eminentes artistas musicais da segunda geraçâo da Rumba Congolesa.w

Os angolanos Sam Mangana e Mavatiku Visi Michelino, eminentes artistas musicais da segunda geraçâo da Rumba Congolesa.w

Recentemente, o governo congolês, condecorou artistas pelo contributo na cultura congolesa, ao longo de décadas, os angolanos como o Sam Mangwana e Mavatiku Visi Michelino e Shaba Kahamba ( falecido há 3 semanas na Holanda) foram ignorados simplesmente. Portanto esses músicos sâo referências da Rumba congolesa.

De 1960 à 1970, foi a década em que a segunda geração conheceu o seu apogeu, graças a contribuição de angolanos que fugiam a repressão colonial portuguesa. Para além dos citados, músicos como Blaise Pascal “Wuta Mayi”, Simon Lutumba Ndomanueno “Masiya”, Johnny Eduardo “Pinnock”, Zembla, Roy Innocent, Matadidi Mário, Francky, Dyana Nsimba, etc contribuiram muito na evolução a rumba congolesa neste período.

Johnny Eduardo Pinnock tinha fundado em 1961, o mítico Negros Succès com Vicky Longomba, dissidente do Ok. Jazz, o conjunto musical vai conhecer imenso sucesso anos mais tarde, sob direcção do lendário Bavon Marie-Marie, o irmão do Luambo Makiadi “Franco”.

Recordámos que muitos angolanos neste periodo não tinham meios financeiros para frenquentar escolas, perdiam o seu tempo improvisando-se em músicos ou desportistas, muitos dos quais tornaram-se na realidade, ganhado notoriedade, mas nunca foram reconhecidos. Alguns mudaram de nacionalidade, adoptando do país acolhedor, para não sofrerem discriminação.

É no apogeu desta geração que o Shungu Wembadio chega em Leopoldville (hoje Kinshasa), com 10 anos de idade, em 1959. A sua residência será localizada em Matonge, o centro nevrálgico da música congolesa, o Broadway de Leopoldville. Com o talento de vocalista herdado da sua mãe que foi uma “choradora” de óbitos em Lubefu, no seu seu Kassai natal. O adolescente vindo do interior será “Ngembo” (um espectador sem meios financeiros) nos concertos que conhecidos músicos deste período, como o Tabu-Ley Rochereau, vão prestar em diversos bares da sua localidade residencial, com o desejo de um dia ser como eles. Mas a sua tentativa de exibir o seu talento de “chorador” nos conhjuntos musicais conhecidos, vai colidir com o preconceito do que era “Muvila”, termo lingalizado da palavra francesa “villageois” que os citadinos do “Leo ou Kinois”” designavam os que vinham de zonas rurais.

Zaiko Langa Langa em 1970, com Jules Shungu Wemabdio, Antoine Evoloko e Pedro Manuaku Waku, em primeiro plano, imagem de jeunes pour jeunes

Zaiko Langa Langa em 1970, com Jules Shungu Wemabdio, Antoine Evoloko e Pedro Manuaku Waku, em primeiro plano, imagem de jeunes pour jeunes

De Zaiko em que foi um dos fundadores até Yoka Lokolé, passando pelo Isifi Lokolé, o futuro Papa Wemba vai sofrer discriminação pela parte dos seus colegas que cresceram em meio urbano. Mavuela Somo, seu colega vocalista em agrupamentos citados, vai compôr uma canção “Mapeka” e confia o “lead vocal” ao Shungu Wembadio, que vai se aperceber mais tarde, com amargura, que esta canção lhe era dirigido, porque faz referência dos que vem das aldeias rurais para Kinshasa, andam de ombros “mapeka” erguidos de orgulho. Nos fins do ano 1976 vai conhecer um desprezo a sua pessoa em público, jamais visto na historia de espectaculo do ex Zaire. Com efeito, numa prestaçâo na Feira internacional de Kinshasa, Fikin, os seus colegas teriam lhe confiscado o microfone e expulso do espect’aculo como um vulgar animal doméstico. Humilhação que Wembadio nunca vai esquecer, nem perdoar.

É com o clima de um discriminado constante, que o Shungu Wembadio vai bater a porta do Stucas Boys, um conjunto formado pelos refugiados angolanos no ex-Congo-Belga, onde não haveria em princípio descriminação, provovalmente porque a maioria de artistas deste agrupamento eram refugiados angolanos , também vítimas de preconceitos. É com Stukas Boys que o Papa Wemba vai utilizar o microfone pela primeira vêz na sua vida.

Milton Roberto, o fundador “desconhecido” da terceira geração

A terceira geração surge de maneira inesperada e vai provocar distúrbio, na ordem musical já estabeleciada no “templo” da música africana, o seu rítmo é uma mistura rítmos tradicionais africanas com norte-americanos de momento, com o tempo accelerado. Este rítmo será tocada pelo Thu-Zaina, aperfeiçoado pelo sulforoso Lita Bembo com o seu Stukas Mombombo e desenvolvido pelo Zaiko Langa Langa, que vai excluir, definitivamente, os instrumentos de sopro. O Zaiko compõe a maioria das canções dividindo-as em duas partes: Vocal e instrumental. A última parte tinha objectivo de fazer dançar, o constitui uma modernização do Konono angolano. O próprio Tabu-Ley vai adoptar esse rítmo que designa por Soum-Djoum. Dezenas de conjuntos vão seguir os traços do Zaiko, até hoje, este estilo da musica ainda está em vigor, 50 anos depois.

Como Johnny Eduardo Pinnock, em 1961, outro angolano, Milton Roberto, vai seguir os seus traços fundando o Stukas Boys em 1966. Integravam este grupo os irmãos Ndilu Diop (Demba e Narciso), vieux Pelé de Bruxelas, Gaby Lita Bembo e Bakunde Ilo Pablo. Shungu Wembadio, será recrutado depois de ser avaliado positivamente como vocalista. Este conjunto tocava música congolesa com rítmos americanos a mistura, como já o referímos, as obras de artistas como Ottis Redding, James Browns, Elvis Presley eram interpretadas com frequência. Shungu Wembadio, adopta o apelido de Jules Presley.

Stukas Boys, com Lita Bembo, um conjunto fundado pelo angolano Milton Roberto

Stukas Boys, com Lita Bembo, um conjunto fundado pelo angolano Milton Roberto

O Stukas Boys vai sofrer cisão dois anos mais tarde. Pela instigação de Bakunde Ilo Pablo e de Losikiya Manueno, Gaby Lita Bembo vai formar o Stukas Mombombo, levando consigo a maioria de artistas, inclusive o Jules Presley.

Lita Bembo nada vai mudar do rítimo iniciado no conjunto anterior, as canções eram compostas com o rítmo accelerado, protagonizado pelo solista Samunga, é neste periodo que certos cronistas mais avisados situam o nascimento da terceira geração. Deveria ser o Lita Bembo, o fundador desta geração, como foi escrito por longo tempo, antes dele próprio desmentir, afirmando ter encontrado o Stukas como um conjunto sólido, a honra é do fundador do Stukas Boys. O próprio Papa Wemba esclarece numa entrevista, na televisão zairense em 1995, que o fundador da terceira geração é filho de Holden Roberto, Milton Roberto. Mas esta verdade revelada pelo Wemba nunca é repetida mesmo no seu leito da morte.

A fundação do Zaiko Langa Langa

Pedro Manuaku Waku e Jules Shungu Wembadio, nos primeiros momentos da fundação de Zaiko. Imagem de Facebook/Mongombe

Pedro Manuaku Waku e Jules Shungu Wembadio, nos primeiros momentos da fundação de Zaiko. Imagem de Facebook/Mongombe

O agrupamento Belguide era um conjunto musical que nasceu nos fins dos anos 60, mas não chegou de sobreviver, muitos instrumentalistas abandonaram o conjunto para evoluir em outras formações, como o caso do Gege Mangaya que foi no Thu Zaina. Do resto que ficou, Mwanda Diveta, Nyoka e recém-recrutado solista Pedro Manuaku Waku não sabiam que rumo seguir, o que deveria marcar o seu fim prematuro. Nas cinzas do Belguide, surge o Jules Presley, interpretando por acaso a canção Théthé, do Tabu-Ley, repetição que foi bastante apreciada. Mwanda Diveta decide de construir um outro agrupamento designando-o Zaiko (Zaire ya ba nkoko) – o Zaire dos nossos antepassados-, Jules Presley Shungu Wembadio vai acrescentar o sufixo Langa Langa, uma expressão da sua língua natal, Tetela. Assim nasce um dos maiores conjuntos musicais de África-Central, que existe ainda hoje, sob a direcção do Ango-congolês José Mvula Nyoka.

Pràticamente o Zaiko Langa Langa, foi fundado pelos angolanos, se tomamos conta da presença de Mwanda Diveta, José Mvula Nyoka e Pedro Manuaku Waku que são de origem angolana. Este último é neto-sobrinho do Papa Manuel de Oliveira, o angolano iniciador da primeira geração da música congolesa.

Momentos depois, o Zaiko vai recrutar Evoloko, Efonge Gina, Matima Mpioso, Mavuela Somo, Teddy Sikami, André Bimi Ombale, Mbuta Machakado, Enoch Zamuangana e Mwaka Mbeka Bapuis, Belobi Nge kerme e Bozi Boziana. A estreia acontece nos fins do ano 1969 no bar Hawai. A canção com título “La tout neige” de Nyoka Longo será primeira gravada em disco. Durante os primeiros 6 anos de existência, o Jules Presley Shungu Wembadio, será o chefe de orquestra, cujo o sucesso será sem precedentes na hist’oria da música congolesa.

Shungu wembadio vai acompanhar outros dissidentes, Evoloko, Bozi Boziana e Mavuela Sombo para formar o Isifi Lokolé em 1974. Em 1975 participa no nascimento de outro conjunto, Yoka Lokolé, ambos agrupamentos beneficiarâo da contribuiçâo de um angolano, na viola solo, Chora “Maillot Jaune”.

Em fim, ao fundar a sua Viva la Musica em Fevereiro de 1977, conjunto que vai acompanhar-lhe ao longo da sua carreira musical até o dia da sua morte, centenas de músicos vâo acompanhar Wembadio, entre os quais muitos angolanos. O chef de Village Molokay, que adopta o nome artístico de Papa Wemba será acompanhado nos primeiro anos da sua carreira solo pelos artistas como Pedro Guimarães “Bipoli na Fulu”, Nseka (8 kilos) e muitos outros.

Lomami – Papa Wemba e Clan Langa Langa

Pedro Guimarães (Sandokan-Bipoli na Fulu), um dos suportes artístico do Papa Wemba no seu agrupamento Viva la Música de 1977 à 82

Pedro Guimarães (Sandokan-Bipoli na Fulu), um dos suportes artístico do Papa Wemba no seu agrupamento Viva la Música de 1977 à 82

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