Por António Capitão
No período entre 1950 e 1960 a população que vivia nas sanzalas ou fazendas, cuja actividade principal era servir os fazendeiros e comerciantes portugueses que se dedicavam às culturas e comercialização do café e algodão, eram uma mão-de-obra barata e sem direitos.
Horácio Domingos, de 68 anos de idade, lembra que em 1961 tinha 13 anos com a 4.ª classe feita na Escola Missionária da Igreja Católica, na vila de Maquela do Zombo. “Eu e muitos meninos estudávamos nas escolas missionárias, mas os exames fazíamos com os filhos dos colonos brancos na Escola Primária n.º 3, Neves Correia”, disse à reportagem do Jornal de Angola.
Os cidadãos angolanos que trabalhavam como contratados nas fazendas eram submetidos ao trabalho forçado e a maus-tratos. Todo o angolano depois dos 18 anos de idade tinha de pagar o “imposto indígena”, cujo valor chegava até 800 escudos. Uma obrigação que fazia com que os abrangidos tivessem de encontrar trabalho para terem rendimentos e cumprirem com o pagamento do tributo, factor que contribuiu para o descontentamento da população.
“Para os jovens que não trabalhavam, as famílias tinham de fazer a quotização para que pudessem pagar o imposto sob pena de sofrerem sanções e torturas pela polícia portuguesa. O valor do imposto variava de acordo com a região. Nos municípios do Uíge, Negage e Songo era mais elevado, porque é nestas localidades onde estavam concentrados a maior parte dos cafeicultores”, contou Horácio Domingos.
O mais-velho Piedade Nicolau, de 75 anos, recorda os anos que antecederam os acontecimentos de 4 de Fevereiro de 1961. Na altura com 20 anos de idade, ele residia há menos de cinco meses no bairro Indígena, em Luanda, depois de abandonar a vila de São Salvador do Congo (Mbanza Congo), em 1960, período em quando concluiu a 4.ª classe.
Na capital angolana, o jovem Piedade Nicolau passou a trabalhar como ajudante de mecânico na garagem “Império”, defronte ao Estádio dos Coqueiros. Lembra que no último ano em que esteve a estudar na Escola Missionária da Igreja Baptista, em São Salvador do Congo, foi quando tomou conhecimento sobre as pretensões da revolta por parte de alguns nacionalistas da UPA.
O seu patrão em Luanda, colaborador da polícia secreta portuguesa, desconfiava da sua ligação ao ataque de 4 de Fevereiro e ameaçou mandá-lo prender.
“Na oficina de mecânica trabalhávamos aos sábados. Mas quando um dos meus colegas me informou sobre as intenções do nosso patrão contra mim, trabalhei apenas até sexta-feira. Nunca mais voltei lá. Muitos colegas e amigos que viviam nos bairros Operário, Marçal e Sambizanga foram presos, alguns assassinados e outros enviados para a prisão”, relembrou.
Valeu a pena a luta
Os dois anciãos são unânimes em reconhecer que “valeu a pena a luta” desencadeada pelos nacionalistas angolanos. Horácio Domingos disse que, embora as ondas de massacres não atingissem a região de Maquela do Zombo, o desejo de ver Angola livre do julgo colonial português uniu os angolanos a contestarem o regime colonial.
Para ele, o 4 de Fevereiro de 1961 marcou o período decisivo para a Luta de Libertação Nacional. O ancião lamenta a morte de muitos angolanos para que tal desejo fosse alcançado. Mas tem consciência de que foi por uma causa justa.
“Cá na província do Uíge as primeiras ondas de reivindicações e luta contra o colonialismo começaram nas fazendas da região de Quitexe, onde depois das represálias das tropas portuguesas muitos fazendeiros foram mortos. Em Maquela do Zombo morreu apenas Arlindo da Silva, que tinha uma fazenda na região de Mbongola”, memorizou. Piedade Nicolau disse que além dos maus-tratos que os angolanos suportavam dos colonos portugueses, as detenções, o trabalho forçado e as elevadas diferenças sociais entre negros e colonizadores, os movimentos revolucionários levantados em outras colónias belgas, francesas e inglesas motivaram, naquela altura, os nacionalistas, a lutarem pela Independência de Angola.
“Tinha-se logo percebido que depois de nos tornarmos independentes podíamos conduzir melhor o destino das nossas vidas. Mobilizamo-nos para a luta conscientes de que a revolução ia ser sangrenta. Mas tínhamos de ser determindos e perseverantes para alcançarmos os nossos objectivos”, disse Piedade Nicolau, acrescentando que “foi com este espírito do 4 de Fevereiro que se tornou possível convencer o Governo português a negociar a Independência de Angola”.
Os nacionalistas Benvido Samuel de Carvalho e Dembos Miguel José João apelaram, em Caxito, aos jovens para terem um sentido de Angola.Para Miguel José João, “a melhor forma de honrar os heróis da luta pela Independência Nacional é ser verdadeiros defensores da independência e da preservação da paz”.
Ao Jornal de Angola referiu que se cada cidadão contribuir para a preservação dos bens públicos, o amor ao próximo, bem como assegurar a reconciliação nacional é possível garantir a estabilidade social do país. Antes de 4 de Fevereiro, disse, as mensagens e o desejo libertador passava de boca em boca sem que as autoridades coloniais tomassem conhecimento.
“Com muita tristeza me lembro dos ataques dos colonialistas nas nossas zonas. Eles chegavam e faziam o que bem lhes dava na cabeça de forma cruel contra nós”, lembrou Miguel José João. Por sua vez, o ancião Benvindo Samuel de Carvalho aconselhou a juventude a abster-se de ideias e actos de vandalismo, mas participarem na reconstrução e construção das infra-estruturas em curso.
“A revolta contra os colonialistas foi necessária para o alcance da Independência, vários angolanos trabalharam arduamente sob o jugo colonial, logo havia necessidade de uma luta para nos libertarmos”, defendeu. Benvindo Samuel de Carvalho disse que o plano da luta armada começou a ser desenhado desde 1954, com o intuito de alcançar a Independência Nacional. A informação era transmitida através de cartilhas e panfletos que diziam “portugueses vão-se embora esta terra não vos pertence”, disse o ancião Benvindo de Carvalho. O nacionalista disse que tudo se fez para se conseguir a Independência de Angola. “Nós fomos fortes no nosso objectivo de atingir a libertação de todo o país do domínio português.”
Via JA
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