“Apenas três municípios têm energia da rede pública na província do Uíge” – Pinda Simão
Na província do Uíge, dos 16 municípios apenas três (Negage, Uíge e Maquela do Zombo) beneficiam de energia eléctrica proveniente da Barragem de Capanda. Os restantes 13 dependem de fontes alternativas, uma situação que preocupa as autoridades locais, que trabalham para inverter o quadro.
Numa longa entrevista concedida ao Jornal de Angola, o governador da província, Pinda Simão, disse que a ideia é trabalhar para que haja a implantação de subestações eléctricas para poder servir estas localidades. A falta de água potável, em algumas localidades, também constitui um problema. Entre outras questões, o governador reconheceu haver falta de escolas e disse que só neste ano lectivo, a nível do município do Uíge, cerca de 40 mil crianças ficaram fora do sistema.
JA: O Plano Integrado de Intervenção nos Municípios(PIIM) já é uma realidade. Os municípios passaram, em princípio, a ter mais autonomia financeira. Em que nível está a implementação do PIIM?
PS: Todos os municípios da província estão contemplados neste plano. Porém, o município do Uíge tem três projectos autorizados para iniciar a execução.
De forma geral, pelo balanço realizado há alguns dias, a maior parte das acções previstas no PIIM já foram engajadas nos processos a serem desenvolvidos e remetidos ao Ministério das Finanças. Neste momento, aguarda-se apenas pela sua validação.
As acções abrangem os sectores da Educação, Saúde e estradas. Acreditamos que, ainda este ano, os projectos receberão do Ministério das Finanças autorização de execução, o que, na prática, representa a concretização de projectos que vão reduzir substancialmente as preocupações das populações nos sectores que acabei de referir.
JA: Que impacto terão os projectos na economia da província?
PS: De certeza que vão se repercutir positivamente na melhoria das condições sociais da população. Haverá mais escolas e centros médicos. Quando há mobilidade de pessoas, há também mobilidade de meios e de recursos financeiros. Isto significa maior circulação de produtos do campo para as cidades, com resultados inegáveis na economia da província.
JA: Fora do PIIM, quais são os principais entraves para o desenvolvimento da província?
PS: Um dos grandes problemas são as vias de comunicação. A província do Uíge tem a sorte de ter as capitais dos municípios todas interligadas. Pelo menos dos 16 municípios, 12 estão interligados, restando apenas quatro. Destas, temos o caso de Ambuíla, Buengas, Bembe e do Milunga que ainda não têm as vias asfaltadas até à sede dos municípios. Os acessos são difíceis, sobretudo no caso dos Buengas, onde a circulação de pessoas e bens é diminuta. Isto tem uma implicação sobre o desenvolvimento económico e social daquele município. As vias secundárias e terciárias estão muito afectadas ao nível da província. Um outro grande problema tem a ver com o fenómeno ravinas, mesmo nas vias primárias.
Refiro-me nas estradas nacionais. Depois de um esforço que se fez para estancar algumas ravinas, ainda há 169 que perigam a circulação a nível dos municípios, o que constitui um grande entrave. Por outro lado, em determinadas áreas do saber não há quadros suficientes, precisamente na área de Ciências e Tecnologia, que são áreas fundamentais para apoiar nessas circunstâncias e no desenvolvimento dos municípios.
JA: Apenas três municípios da província (Negage, Uíge e Maquela do Zombo) beneficiam de energia proveniente de Capanda. Que projectos existem para que os restantes 13 sejam também contemplados?
PS: Estamos a trabalhar com o Ministério da Energia e Águas, que até já enviou uma equipa para identificar as necessidades. Concluiu-se que uma primeira intervenção passa pelo aproveitamento da energia que chega à província através do fornecimento de Capanda.
Nesta perspectiva, os municípios do Bungo, Damba e Mucaba serão alimentados através da linha que vai até Maquela do Zombo. A ideia é trabalhar para que haja a implantação de subestações eléctricas para poder servir estas localidades. Foi montada uma central hídrica em Sanza Pombo, que já está a servir, particularmente, a sede do município, aguardando apenas a sua inauguração. Também queremos receber energia a partir do Lukixi, que é uma pequena barragem, para levar ao município do Quitexe. Se conseguirmos implementar estes projectos algumas localidades passam, também, a beneficiar deste bem de forma muito mais segura e mais económica.
Assim teremos energia no Quitexe, Sanza Pombo, Bungo, Damba e no Mucaba. São projectos de grande envergadura, que vão continuar a ser desenvolvidos para cobrir o resto das localidades da província.
JA: Apesar de a província ter muitos rios e lagoas, a falta de água constitui um dos problemas para as populações. Ainda há localidades sem água potável. O que dizer?
PS: É uma realidade. Em determinados pontos da província não há água potável. Há um esforço que está a ser feito em todos os municípios, com apoio do Ministério da Energia e Águas, para abrir furos de água. Na alguns casos são sistemas de adução, a partir de um curso de água. O produto é tratado e colocado em tanques e, através do sistema de gravidade, pode servir as aldeias ou as localidades mais próximas. Também vai ser desenvolvida a terceira fase do projecto de alimentação de água na sede da província do Uíge, que permitirá concluir dez mil ligações numa primeira fase, o que corresponde a cerca de 70 mil habitantes. É este esforço que está a ser feito no sentido de proporcionar à população este bem precioso, visando melhorar as suas condições de saúde. O défice existe e terá que ser vencido. Temos que ter consciência de que o trabalho que está a ser feito, tem de ser contínuo para que, aos poucos, possamos colocar água potável junto da população.
JA: O café já teve um peso considerável na economia da província. Acredita que o produto pode, nos dias de hoje, ajudar no crescimento económico? As condições humanas e técnicas permitem produzir em grande escala?
PS: Acho que sim. Aliás, particularmente no Uíge, que era um dos maiores produtores, temos bons sinais. Os dados indicam que a produção rondava as 80 mil toneladas, agora estamos à volta de sete mil. Com base nisso, o Governo orientou o Instituto do Café para ajudar os agricultores a produzirem mais, pondo à disposição as mudas que devem servir de base para o alargamento do seu espaço de produção.
Penso que a capacidade existe. Há vários produtores e cooperativas que produzem café, e se o trabalho for feito de forma organizada, a produção pode voltar aos níveis do passado, com fortes possibilidades de até ultrapassar aqueles indicadores. Neste momento, o governo da província colocou à disposição do Instituto do Café mecanismos que estão a permitir a reprodução muito mais célere das mudas. A informação que disponho é que já existem 50 mil mudas que vão ser postas à disposição dos produtores. É preciso que os que estão do lado da distribuição tenham em conta os esforços feitos para a produção do café.
JA: O que está a ser feito para a valorização do local onde decorreu a histórica batalha de Ambuíla?
PS: Temos uma equipa técnica que já fez uma reflexão sobre aquele espaço. Já tivemos na província a visita de um arquitecto que recolheu informações na zona.
A intenção é montar um marco histórico. Os especialistas estão na fase de investigação, a recolher subsídios e outras informações importantes, que sirvam de fundamento útil para justificar a construção do marco histórico. Ao nosso nível, estamos a reunir todas as condições como a mobilização de recursos que possam cobrir as operações de pesquisa. A intenção existe e já temos ideias, diria, esboços em relação a isso. Os técnicos são de opinião que quando as condições forem criadas será realizado um colóquio localmente. O evento vai juntar os países limítrofes, que também estão ligados àquela história: República Democrática do Congo, Congo Brazzaville e o Gabão. Não queremos que seja só uma iniciativa de Angola ou da província do Uíge. É um património que pertence aos povos originários do antigo Reino do Congo.
JA: O que falta para o arranque da exploração das minas de cobre do Mavoio, em Maquela do Zombo?
PS: É um projecto que está em curso. Já começou há muito tempo. Há uma empresa a fazer prospecção. As informações que nos fornecem são promissoras. Tem-se já uma ideia sobre o volume das reservas: em termos de exploração, não deve se limitar à zona do Mavoio, vai-se estender até à região do Bembe e talvez uma parte da Damba. As equipas enviam as amostras para um laboratório na África do Sul. As informações indicam que existe, além do cobre, outros minérios.
“Só na cidade do Uíge temos 40 mil crianças sem estudar”
JA: Como caracteriza o ensino a nível da província?
PS: A cobertura educativa continua a evoluir satisfatoriamente, sobretudo no ensino primário, que é muito dependente das administrações municipais. Também os investimentos são muito mais acessíveis a este nível.
A província deve vencer o défice que existe ao nível do ensino secundário, particularmente no ensino secundário técnico, que cria as competências para as pessoas acederem ao mercado do trabalho e, ao mesmo tempo, também continua a alimentar o ensino superior. Neste momento, a província do Uíge tem três instituições do ensino superior: ISCED, Universidade Kimpa Vita e o Instituto Superior Politécnico Privado. É preciso investir no ensino técnico profissional. Maioritariamente estão instaladas na sede da província do Uíge, e algumas iniciativas na Damba, onde existe o Instituto Politécnico. É preciso que se faça um reforço em termos de equipamento especializado. No Negage, temos o Instituto Médio Agrário e a Escola de Formação de Professores ADPP.
JA: Qual o número de crianças fora do sistema de ensino?
PS: Isto varia. No caso da sede da província, penso que devemos estar à volta de 40 mil crianças fora do sistema de ensino. Este é o resultado do crescimento da população e da capacidade de resposta em termos de serviços públicos. É preciso escolas para absorver todos mas também não é possível resolver este problema de um momento para o outro. Por isso estamos num processo de crescimento. É verdade que constitui uma preocupação neste momento, porque há crianças e jovens que não têm acesso à escola, o que não é bom. É preciso evitar isso. A nossa luta é trabalhar para que cada ano se expanda a rede escolar e que haja eficácia no sistema. Este assunto não se vai resolver em dois ou três anos, se calhar será possível daqui a dez anos. A minha preocupação é que lutemos para que seja possível em menos tempo e que tenhamos uma rede escolar que possa responder à demanda educativa da população.
JA: Atendendo que o senhor já foi ministro da Educação, em termos de desenvolvimento dos jovens na província, é a favor do ensino normal, com saídas teóricas, ou as saídas com pendor semi-profissional?
PS: Na província, a rede escolar está maioritariamente servida pelo ensino geral. Fazem a educação básica, ensino secundário, ensino geral porque as condições permitem. O ensino técnico-profissional é oneroso. Normalmente, e no momento de decidir sobre investimentos nesta área, não havendo recursos, optou-se pela solução muito mais fácil: a formação de professores ou o ensino secundário geral. Penso que é necessário alterar isto, porque é preciso que haja evolução a este nível para que tenhamos uma rede de ensino técnico-profissional que possa responder às necessidades da província. Serão implantadas cinco escolas secundárias, inicialmente concebidas para o ensino secundário e geral. A nossa pretensão é acoplar a estas instituições a formação técnico-profissional. Já solicitámos ao Ministério da Educação. Estamos a aguardar para que sejam visados os contratos no Tribunal de Contas para que, pelo menos, possamos implantar cinco escolas na província. São escolas com 24 salas de aula.
JA: O que se pretendeu de concreto com a reforma curricular?
PS: A pretensão era termos um sistema educativo de qualidade. Trata-se de um processo que requer tempo, recursos e visão. É isso que os especialistas da educação continuam a desenvolver. Tenho consciência que, daqui a alguns anos, o sistema educativo em Angola terá a qualidade que se pretende.
Agora, uma das grandes preocupações é que o sistema tem de contar com um dispositivo de competência de professores à altura do que é requerido. Aqui se nota que há alguma dificuldade. É preciso que façamos um estudo muito aprofundado do dispositivo da formação dos professores. É preciso aproximar mais os agentes do ensino para que possam ter competências e para que possam actuar na sala de aula. Porque a mudança se opera na sala de aula perante os alunos. É preciso que as pessoas sejam preparadas no sentido de assumirem as responsabilidades que lhes são requeridas pelo sistema educativo.
Quando se fez a avaliação da reforma, em 2015/2016, verificou-se que a acção pedagógica, perante o aluno, é muito diferenciada a nível do país.
JA: Na sua perspectiva, o sistema foi bem elaborado ou houve falha na sua aplicação?
PS: Sim, esta é a minha convicção. Eu sempre disse isso. A qualidade é um pressuposto fundamental para o desenvolvimento de um país. O país se faz com pessoas competentes, com saber e com um poder criativo. É essa criatividade que ajuda o país a crescer.
JA: Quando vamos deixar de ouvir relatos de cidadãos que recorrem à RDC para estudar?
PS: Esta é uma realidade. É uma questão da capacidade de oferta oportuna em determinado momento mas parece que está a merecer alguma atenção. Se forem a Kimbata, no município do Maquela do Zombo, vão encontrar meninos a serem atendidos do nosso lado. É o que temos de continuar a fazer.
Pensamos que a única saída para aquela zona passa por alargar a rede de ensino, de forma que os alunos possam ter a oportunidade de serem atendidos o mais próximo possível das suas residências. No momento de investir é importante que se definam prioridades. Não se pode montar uma escola onde não há uma cobertura educativa que justifique a funcionalidade da instituição.
Por exemplo, não se justifica construir uma escola com capacidade para 120 alunos, enquanto que na comunidade existem apenas 50. Então é preciso encontrar outras fórmulas que possam permitir a concentração num determinado local, que permita que as pessoas possam se movimentar para aquele ponto e proporcionar a educação com qualidade aos meninos. Este ponto pode não estar na fronteira. Mas pode estar numa zona próxima que permita a mobilidade das crianças e dos jovens para terem acesso à formação. Como também podemos resolver o problema montando um sistema de transporte público. Discutimos com o Ministério dos Transportes e foi concebido um programa de transporte escolar para permitir que haja mobilidade das crianças na zona rural. O sistema, infelizmente, não foi implementado. Os mesmos autocarros estão a ser utilizados para o transporte público, quando foram adquiridos para assegurar o transporte escolar.
Sector da Saúde está com défice de especialistas
JA: Tal como na Educação, há quem também se dirija à RDC para tratamento médico?
PS: É preciso reconhecer que temos ainda um défice de especialistas. Na verdade, quando temos um problema de saúde que requer uma intervenção mais especializada, se não tivermos solução localmente, a tendência é procurar estes serviços na RDC. É o que se tem registado. Mas os programas de saúde concebidos começam a dar um sinal positivo. Foram montados dois grandes hospitais municipais no Maquela do Zombo e no Quimbele. E com isso, nos últimos dias, o fluxo de pessoas para a RDC, a partir daquele ponto, diminuiu. Os nossos irmãos do outro lado estão também agora a recorrer aos nossos serviços sanitários. Com isso, fica demonstrado que a vontade política da governação dá sinais para reverter esta situação. Sabemos que não é uma situação que se resolve de uma só vez. Como já referi, há determinadas especialidades que ainda não dispomos. É importante também lembrar que a deslocação à RDC acaba por ser um problema cultural. Não podemos ignorar, pois o cidadão do Uíge e do Zaire e até das Lundas se sentem próximos da RDC devido a laços históricos. Os cidadãos das referidas províncias, se forem à RDC, facilmente interagem com a equipa médica na sua língua materna. Por isso, tem sido um factor de atracção. Há, também, a facilidade de se encontrar com um familiar que o acolhe em sua residência. São vários factores que podem influenciar a ida destas pessoas à RDC.
JA: Em termos de unidades sanitárias, como o Uíge está servido?
PS: Penso que sim. O grande problema que temos é o défice de pessoal. Temos centros que se encontram fechados por falta de técnicos. Como sabe, os concursos são limitados e o pessoal que recrutamos não está à altura das nossas necessidades. Muitas vezes utilizamos os contratados, que também nem sempre são pagos de uma forma regular. Isto dificulta o funcionamento da rede sanitária, sobretudo nas zonas rurais.
JA: Quantos quadros são necessários para colmatar o défice no sector?
PS: É difícil dizer neste momento, porque deve ser visto em funçã dos centros que foram implantados. Mas o que sei é que ne- cessitamos de muitos. Se pudéssemos recrutar cerca de 900 poderíamos minimizar a demanda que existe neste momento. Em 2018, iniciamos um programa de especialização que permitiu enviar para Luanda 19 médicos, que estão integrados em serviços nos hospitais da capital. Daqui a três/quatro anos terminam a formação e serão reintegrados no sistema provincial.
Este ano, por exemplo, enviámos 22 médicos que se vão juntar aos 19. E será assim todos os anos.
Fonte: JA
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