POPULAÇÃO DE KAVUNGA CRIA SISTEMA DE POUPANÇA COLECTIVA

© Fotografia por: Silvino Fortunato | Edições Novembro | Kavunga

Por Silvino Fortunato

O acesso à sanzala é feito por duas vias, totalmente danificadas. Uma desmembra-se da estrada nacional, que leva o povo para Mukaba, Damba e Makela do Zombo sucessivamente, e oferece um percurso de pelo menos 10 quilómetros muito sinuoso com valas, valetas e buracões, constituindo-se na via para a passagem das águas pluviais ou para o resto destes.

Uma ponte estreita, que vem da época colonial e que facilita a travessia do famoso Lukunga, se destaca entre as várias formas da travessia dos rios e riachos. Motociclos conhecidos por “kupapatas”, “kaleluias” ou ainda “nambuangongo”, nomes atribuídos pela sabedoria popular de várias regiões a esses meios originários da China, constituíram-se nos reis desta estrada de terra batida, que conheceram o último arranjo em tempo que ninguém consegue precisar.

“Passamos mesmo aqui, é a nossa via”, disse um motociclista, sem camisa, que se identificou por Macho Homem, um nome que muitos frequentadores conhecem muito bem pelo usufruto que fez do seu meio, um dos poucos que frequenta Kavunga, passando obrigatoriamente pela cercania da aldeia Nkama Mukoko.

Para além dos motociclos de três rodas, cuja carroça transporta os homens e a carga, há também as motorizadas de duas rodas, que se dedicam apenas ao táxi, dada a sua limitação, assim como os camiões da herança da República Democrática Alemã, extinta com a derrocada do Muro de Berlim. “Quando os IFA aparecem, nós perdemos a rede”, disse um outro motoqueiro, que transportava pelo menos dez sacos de carvão na carroça da sua motocicleta.

Antecedem Kavunga enormíssimos pedregulhos que se levantam para o alto, oferecendo uma vista agradável, fazendo esquecer as dores no lombo causadas pelos saltos incessantes. As mesmas rochas dominam as extremidades da sanzala, de pastorícia abundante, a julgar pelas manadas de carneiros, cabras e porcos de ambulantes.

Kavunga é uma aldeia que vive há muitos e muitos anos encostada à longuíssima cordilheira de Mukaba, no seu extremo oriental, que deixa cair inúmeras lágrimas que oferece ao povo a água para o uso doméstico e para a vitalidade dos solos onde são cultivados em abundância o milho, a ginguba e o feijão. Riachos permanentes são avistados desde o desvio da estrada principal até as suas fontes no cimo da cordilheira de Mukaba, rasgando pelo meio uma floresta.

Kavunga é a última localidade que limita os municípios do Uíge e Songo. Apesar de pertencer a este último município, os seus habitantes pouco frequentam a sede municipal, por causa dos 40 quilómetros de distância. “Há jovens com 30 anos de idade que não conhecem a sede do Songo”, indicou o mais velho Alexandre João José.

A aldeia ainda conserva o primeiro chafariz, o edifício de descasque de café e a escola construída em 1968. A totalidade dos moradores de Kavunga se comunica através da língua portuguesa mas também em Kikongo, que vai perder, entretanto, a sua originalidade pela força dos contatos com os falantes de Kihungu que vivem mais dentro do Uíge, o seu berço.

Para além da nova escola, construída entre 2013 e 2014, já a perder a cor da pintura das paredes, a aldeia ainda mantém intacta a estrutura da escola colonial, com a mesma tinta, embora esteja já a ser ofuscada, profundamente, pelas intempéries. “Esta escola comportou muita gente, que são hoje grandes homens”, disse-nos um interlocutor. 

Alexandre João José é o mais antigo professor da aldeia, desde que ingressou no ofício em 1980. Ele vive em Kavunga desde que nasceu e nunca passou pela sua cabeça a ideia de deixar a sua aldeia. “Vi partirem daqui os meus avós. O meu pai partiu recentemente e deixou-me aqui, então eu também morri e serei enterrado aqui mesmo”, disse.

A aldeia está completamente rejuvenescida, por conta da partida para a “vida eterna” de muitos dos seus mais velhos. “Agora somente ficaremos com dois ou três mais velhos, na casa dos 70 anos, que também estão a ir-se embora”. disse o professor, em meio a um sorriso melancólico. “Somos nós já os mais velhos da sanzala”, sublinhou o anfitrião, que se encontra a iniciar a casa dos 60 anos.

No tempo seco Alexandre José usa a sua viatura Toyota Corolla, que a mantém conservada sob um alpendre, propositadamente construída. “Nos tempos de chuva não consegue superar os obstáculos da via”, informou.

A viatura foi comprada através da poupança que foi fazendo o excedente do seu salário. Mas também, sobretudo, por conta do “sistema de poupança” que os moradores implementam.

“A mamã está a ir na poupança”, foi o que disse uma criança, quando respondeu ao mais velho António Lengu, que procurava saber o paradeiro de uma mulher.

O cofre da sanzala

“Poupança” é um mecanismo que a comunidade do bairro Kavunga encontrou para coletar valores financeiros durante todo o ano. Os valores acumulados são repartidos no mês de dezembro.

Durante o ano, os moradores de Kavunga vão depositando certos valores em dinheiro em cofres que são confiados a determinadas idosas. “Nós escolhemos uma comissão, composta por um presidente e uma vice-presidente que se responsabilizam pela recepção dos valores e também a guarda dos mesmos”, disse o nosso interlocutor.

Uma destes responsáveis ​​fica com o cofre e a outra com a chave. São pessoas idóneas, de confiança. “Neste momento, temos duas mamãs que asseguram o cofre da sanzala”.

Durante o ano, quem tiver necessidades pode solicitar um empréstimo ao cofre. As pessoas podem levantar mil, dois mil ou mais valores, dependendo da preocupação que tiveram. Por altura da devolução os devedores acrescentam mil ou 1.500 kwanzas ao valor total do empréstimo.

Alexandre José, que disse ser um dos fiscais indicados pela aldeia para este sistema de “bancarização” do dinheiro, justificou o subsídio ao cofre com a razão de que ninguém pode passar por necessidades por falta de dinheiro. de Kavunga.

“Ninguém pode passar fome ou ficar sem tratamento de doença porque não tem dinheiro, não. Mas quando estiver em condições de devolver o dinheiro tem de pagar mil ou 1.500 kwanzas a mais”, que pode corresponder ao jurar de mora nos procedimentos financeiros.

Num dado dia, geralmente um domingo do mês de dezembro, os aldeões se concentram na varanda da escola nova, onde é repartido o valor constante do cofre, conforme as prestações efectuadas durante o ano. A escolha da data para a redistribuição do dinheiro não foi uma indicação aleatória, foi para acautelar a segurança festiva natalina e as compras que preferiram valores muito altos.

Segundo Alexandre José, as pessoas nesta fase do ano têm muitas preocupações com as arrumações do Natal e da passagem do ano. “As pessoas nunca terão dificuldades de reunirem condições para as festas do Natal e do Ano Novo”.

A segurança alimentar para o início do ano, assim como a compra de roupa e outros artigos que satisfizeram maior volume financeiro também fazem parte da estratégia concebida pelos moradores de Kavunga, quando aprenderam a “Poupança”.

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