PRIMEIRO ÊXODO DE REFUGIADOS ANGOLANOS PARA O CONGO. TENTATIVA FALHADA DE ATAQUE AO COLONATO DE KIMBELE

Fotos: Mavitidi Mulaza

Por: Silvino Fortunato

Uíge, 16/03 (Wizi-Kongo) – Os acontecimentos que se passavam no então Congo dos anos 60 reflectiam nas comunidades fronteiriça da Angola colonial com movimentações de pessoas que procuravam incentivar nas sanzalas a necessidade de uma revolta violenta. O activismo destes nacionalistas inicialmente baseava-se na mobilização da população para contribuírem com 1 escudo, a moeda colonial da época, que serviria para a produção de panfletos, contendo ideais que incentivassem a sublevação popular e o desejo da descolonização.

Entre os nacionalistas que andavam de sanzala a sanzala da região de Kimbele constavam o Pedro Lusuki, o Mariano Lunda e alguns religiosos que tinham contactos com os mensageiros que desciam do Congo. “A cada casa inicialmente deveria entregar um escudo, mas os homens que tinham duas mulheres entregavam dois escudos. Aqueles que tivessem três ou mais mulheres entregariam os valores que corresponderia a cada agregado que estivesse sob seu controlo, conforme nos diziam”, disse o mais velho Lucas Gouveia.

Segundo o nacionalista, quando se consumou o processo de cobrança, o dinheiro, continuou, começou a ser enviado ao Congo, precisamente a direcção da UPA, com o qual se produzia os panfletos que chegavam posteriormente às aldeias e sustentavam também as missões dos mensageiros. Precisou que eles traziam depois esses panfletos que tinham palavras para despertarem o povo, da necessidade da libertação da terra

Lucas Gouveia referiu que após que os activistas entenderam que as condições já estavam criadas, juntaram jovens dos bairros, que tinham sido mobilizados na própria regedoria de Kimbele, assim como nas regiões de Uamba e Kibokolo, sendo acantonados na aldeia de Kindalulo, que fica a 15 quilómetros da vila de Kimbele.

“Podiam chegar a 500 homens, os jovens de Kimbele que tinham sido preparados e munidos de kaniangulu, paus, catanas e outros instrumentos rudimentares disponíveis para a guerra.

O embate anticolonial em Kimbele

Foi na madrugada do dia 8 de Março de 1961, uma sexta-feira, como disse se lembrar o Lucas Gouveia, que as pessoas arrancaram para irem atacar os brancos da Vila. Eles caminhavam animados por uma canção previamente instruída: “UPA, maza”, “UPA, maza”, “UPA, maza”. Enquanto uns diziam UPA, outros respondiam em refrão “maza”. Ou seja “UPA”, “água”, que produzia um barulho ensurdecedor, que se podia ouvir a longa distância.

Quando chegaram no rio Mfuta antes da vila, os brancos colonos, despertados pelo barulho provocado por centenas de bocas juvenis nativos, ficaram assustados e receosos correram e entraram em trincheiras, anteriormente preparados para prevenção de sublevações anteriores para compreenderem o que se passava.

Enquanto aguardavam os atacantes atravessaram este rio e começaram a invadir primeiro as casas coloniais que ficavam em direcção a Texaco, cujos escombros ainda existem, ao mesmo tempo que se propuseram a subir para o posto administrativo.

Deste ponto, os brancos já entrincheirados compreenderam que se tratava mesmo de um ataque e abriram fogo. Havia entre estes o Armando e o Eduardo, um mulato de Malanji, que eram bons atiradores, que bem sabiam usar as suas armas. Esses eram os melhores caçadores entre os colonos que moravam na vila de Kimbele, naquele tempo. Os jovens negros apesar de destemidos eram alvo fáceis dos atiradores caçadores e de outros brancos munidos de caçadeiras facilitados pelos pontos estratégicos da vila que ocupavam e que deixavam os atacantes em campo aberto.

Eram tantas as baixas, que fez recuar os sobreviventes, já no dia seguinte. “Os cadáveres permaneceram durante o dia expostos em vários lugares da vila, sendo os próprios brancos se encarregado de os enterrar em uma vala comum, que foi escavado por detrás da antiga administração por uma máquina retroescavadora”.

Viviam na vila, como disse se lembrar o nacionalista, o Manuel Lobo, o Amândio, um mulato, o Freitas, o Manuel Bicho, o Pereira, para além dos referidos Armando e Eduardo assim como de outros. Neste ataque não houve qualquer registo de morte de brancos.

Primeiro êxodo para o Congo

“O meu pai tinha uma contradição com certos colonos e quando cai a guerra de 61 ele temendo que fosse morto depois do ataque dos jovens, fomos os primeiros a deixar o país. O pai decidiu ir embora com a família para o Congo, sem esperar mais pela possível revolta colonial pela ousadia dos nativos, referiu Lucas Gouveia.

Nos dias seguintes, os colonos, que habitavam em Kimbele, organizaram-se e avançaram mesmo contra os aldeiamentos, com as suas caçadeira e outras armas em punho, o que obrigou a que milhares de pessoas procurassem refúgios nas matas, havendo muitos que partiam de imediato para o Congo, deixando para trás as suas sanzalas incendiadas, mortos os incapazes ou os que tivessem sido surpreendidos.

“Todos os sobreviventes das sanzalas atingidas recuaram para as matas e outros foram direito para o Congo, sobretudo os mais novos ou que ainda fisicamente estavam de saúde”, dada a jornada que era preciso percorrer para se atingir o caudaloso rio Kwangu e daí ao município de Kasongo Lunda, que fica imediatamente na outra margem.

Recorrendo ao pouco que disse restar na sua memória, o ancião disse que os que tivessem elementos inaptos, entre os membros da família, para a longa e árdua caminhada para chegarem ao Kwangu, que era a tábua da salvação para o Congo, preferiram encontrar refúgios nas matas, abandonando aldeias inteiras. A sede de Kimbele e o rio Kwangu, segundo sua avaliação, estão separados por mais de 300 quilómetros. “Há velhos que não conseguem caminhar esta toda distância”.

Intervenção do exército colonial

Segundo precisou eram os brancos caçadores e outros comerciantes que empreendiam a perseguição e destruição das aldeias, uma vez que naquele tempo em Kimbele, antes do ataque nacionalista, não havia tropa do exército colonial.

“Mesmo aqui no Uíge, ninguém te engana senhor jornalista, não tinha ainda tropa do exército colonial, em 61, existia apenas polícias ou cipaios. A tropa somente começou a ser destacada depois dos ataques que eram realizados contra os aldeiamentos de colonos em várias lugares daqui no Uíge, disse ao repostar a afirmação de Magingilu João Pedro que procurava introduzir o argumento da participação do exército colonial nos ataques inusitados contra as sanzalas do povo.

Para o nacionalista Lucas Gouveia quando os colonos de Luanda enviaram os primeiros aviões que atacavam e perseguiam os fugitivos, ele e sua família já se encontravam no Congo e recebiam informações relacionadas a partir dos que conseguiam atingir depois este país, que relatavam as atrocidades coloniais que se seguiram ao levantamento.

Majinjilu João depois de avivar a sua memória concordou com o argumento de Lucas Gouveia indicando que os aviões eram de cor branca e tinham faixas vermelhas e que a tropa do exército somente chegou aqui no Uíge em 1962, quando enviaram também os comandos e implantaram o batalhão tigre em Sanza Pombo, que controlava também o Kimbele, Masau, Milunga e outros lugares.

As regiões do Bembe e Kitexi, como adiantou, tinham batalhões independentes, sendo ainda criado um batalhão central que estava no GAI, um quartel que foi implantado desde então nos arredores da cidade do Uíge e se manteve até a independência nacional, servindo hoje as Forças Armadas Angolanas (FAA).

Acolhimento em Kasongo Lunda

As pessoas que conseguiam atravessar o rio Kwangu eram recebidas pelos responsáveis dos primeiros bairros que avistavam, sendo depois distribuídos a outros lugares da periferia do município Kasongo Lunda, onde eram entregues à guarda de famílias indicadas.

Os refugiados chegávamos todos os dias à essas aldeias, sendo recebidos pelos mfumu a vata (chefes das sanzalas) conforme uma orientação que Lucas Gouveia disse ter partido do próprio presidente Kazavubu e baixada a todos os governadores das províncias que faziam fronteira com Angola, para acudirem a população que conseguia atravessar o caudaloso rio Kwangu e atingir o outro lado.

“Foi no tempo do presidente Kazavubu, quando se deram esses acontecimentos em Kimbele, que nos fez fugir para o Congo. Ele mandou orientar os responsáveis dos bairros para receberem bem as pessoas que estavam a fugir de Angola. O nosso grupo tinha sido entregue e instalado em casas das pessoas dos bairros periféricos da sede do município”.

O governo de Kazavubu que acompanhava e considerava grave a situação que se vivia em Angola, baixara uma orientação a todos os governadores das províncias limítrofe com Angola para a protecção dos possíveis refugiados que atingissem os seus territórios, retorquiu o nacionalista.

A cada chefe da aldeia (mfumu a vata, que correspondia em Angola a nominação “soba”, criada pela autoridade portuguesa para o controlo das comunidades) recebia certo número de pessoas refugiadas, havendo quem recebesse 10, outros 15, 20 ou mais ainda, disse.

Por sua vez, acrescentou, os “mfumu a vata” entregavam entre três e quatro pessoas a uma família congolesa, para o acolhimento final, que inicialmente indicava ao refugiado lugares para construírem as suas cubatas e terras para trabalharem. Antes disto as famílias acolhedoras sustentavam com alimentos das suas próprias produções, uma empreitada que somente terminava depois que as lavras dos refugiados começassem a dar frutos.

A base de Kizamba

O nacionalista Vuemba André foi o primeiro enviado da UPA, mandatado para contactar o administrador do município de Kasongo Lunda, pedindo-lhe autorização para proceder ao recrutamento de mancebos, nos assentamentos dos refugiados angolanos.

Após a concertação com o comissário de zona, conforme a organização administrativa na altura do Congo, o Nvuemba e os seus companheiros entraram em negociações com os pais refugiados para estes mobilizarem os seus filhos e outros que se encontrassem sob sua tutela nos bairros, para ingressarem nas forças.

“Os nossos pais começaram a dar os jovens. Quem tivesse um jovem, dava, quem tivesse dois ou três, dava. Eu e o meu miúdo, Manuel, fomos entregues à organização, onde ficamos até conseguirmos libertar a nossa terra”, disse o revolucionário Lucas, esclarecendo que todos os pais tinham a consciência de que os colonos tinham de ser combatidos, por isso, ninguém hesitou quando os mobilizadores chegaram nas aldeias dos municípios.

Eram mais ou menos 150 os homens, todos eles adolescentes, que seriam os primeiros mancebos do recém-criado centro de recrutamento de Kinzamba, que ficava no território do município de Kasongo Lunda, no então Congo dos anos 60. Os novos recrutas da revolução tinham sido mobilizados entre os filhos dos refugiados que tinham fugido a repressão colonial que se seguiu a tentativa do ataque contra o posto administrativo de Kimbele, em Março de 1961.

Os mais pequenos, como ele, sem idade para a recruta, foram sendo integrados na organização de pioneiros que era a “géneses”. “Nós, os miúdos, primeiro iniciamos na génese, que evoluiu depois para JFNLA (Juventude da Frente Nacional de libertação de Angola) de onde sai em 1965 para as fileiras das forças”, isso depois de treinar na base de Kizamba.

Lucas disse ter participado, embora menor, na formação da base de Kizamba, que era a segunda base da UPA depois de Kinkuzu, que fora criada como julga em 1964, integrado no grupo dos primeiros mancebos.

Quando seguiram para o centro de Kizamba este ainda não tinham qualquer infra-estrutura montada. “Fomos nós quem começou a criar a base de Kizamba. Capinamos, erguemos as primeiras casas, de pau a pique e capim. Depois o André Nvuemba voltou a Kinshasa. No seu regresso fez-se acompanhar dos instrutores Noé, Kalundungu, Fernando Kihindu, Mavitidi, todos já falecidos, que já tinham passado por kinkuzu. A maioria destes já tinham também cumprido a tropa colonial portuguesa, por isso já possuía experiência militar”.

Ainda se lembra que André Nvuemba, Francisco Kalundungu, que depois passou para a UNITA, e Buaca Mesu, que treinara em Kinkuzu, serem os primeiros responsáveis da unidade de preparação dos guerrilheiros. “Foram estes os nossos primeiros instrutores e fundadores do centro, que mais tarde viriam a formar e a comandar as primeiras unidades de guerrilheiros enviados para a frente de Malange e de Kimbele, no Uíge, que foram aberta ainda por eles”.

A cerimónia formal da abertura do centro foi dirigida, de acordo com as suas memórias, por André Nvuemba, que tinha sido mandatado a propósito pelo presidente Holden Roberto. Todos os 5 chefes que participaram na cerimónia da abertura do centro ficaram depois como os primeiros responsável do mesmo.

Refere que mais tarde o Kalundungu foi também o chefe das operações das frentes então criadas em Malanji, comandando muitos instruendos preparados na base de Kizamba, como ele que desempenhou a função de operador, depois de fazer o curso das comunicações, em Kinkuzu, que era a principal base de treinamento dos guerrilheiros da UPA no Congo.

Havia entre os comandantes de determinadas agrupações, o Mavitidi, o Fernando Kihindu e o Noé, que eram também instrutores. Estes já tinham cumprido a tropa colonial em Angola e passado pelo centro de treinamento de Kinkuzu aberto um ou dois anos antes de Kizamba, de acordo com as contas do veterano da luta de libertação nacional ouvido pelo JA.

Ainda se lembra que “o primeiro instrutor que tínhamos era o falecido Noé” e que também contavam com o concurso de instrutores estrangeiros que participavam na instrução ligada a parte das comunicações, que eram de nacionalidade chinesa.

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