Relato dos acontecimentos no MPLA em Leopoldville, Julho de 1963 – A razão da briga entre membros do MPLA para o controlo da sua representação.

Por Viriato Clemente da Cruz

 

 

 

 

 

Em 5 de Julho de 1963,  oitenta e sete (87)  membros do MPLA, em Assembleia Geral Soberana, lançaram uma Proclamação e retiraram toda a autoridade ao Comité Director antigo. A Assembleia foi feita na Cité, os muceques de Léo, no bairro Kinshasa.

Em 6 de Julho, ao meio-dia, o Comité Director Provisório fêz chegar uma carta ao antigo C.D., bem assim como uma cópia da Proclamação lançada no dia anterior. Na dita carta, o novo C.D. convidava o antigo C.D. a renunciar voluntàriamente ao seu posto, a cooperar na reunificação do Movimento e a passar, da melhor maneira, os bens do Movimento ao novo orgão dirigente eleito pela Assembleia. No mesmo dia 6, à tardinha, o Comité (Dr. Neto) lançou um comunicado acusando a recepção da carta e expulsando do MPLA, os signatários da mesma. Ao mesmo tempo, o grupo Neto lançou outro comunicado, em 6-7-1963, convocando os membros do Movimento a uma reunião no CVAAR em 7-7-1963, às 9 horas.

A expulsão do Movimento dos signatários da carta causou imediatamente viva revol­ta no seio das massas angolanas que já estavam afastadas, desde há muito, do Comité – Dr. Neto.

Em 7-7-1963 (domingo) os expulsos da véspera, foram à reunião, às 10.20 horas, quan­do Matias e José Domingos iam a entrar no salão do CVAAR, os guardas da porta (milícias do EPLA) negaram-lhes a entrada. Matias ao opôr-se à recusa de o deixarem entrar, recebeu um soco de um militar do EPLA, Borborinho. O soldado da EPLA, Salvador da Con­ceição, tirou uma pistola e apontou-a a Zé Domingos. Matias saltou por cima do Salva­dor para desarma-lo. Enquanto lutava com o Salvador, Matias foi apunhalado nas costas, imediatamente iniciou-se uma luta a socos e ponta-pés, entre cerca de setenta membros do MPLA. A luta durou cerca de uma hora. Vinte minutos depois de ter começado a luta, já estava evidente que cerca de dez (10) partidários do grupo Dr.Neto eram sovados pelos restantes membros que tinham vindo assistir a reunião. Os partidários do grupo Dr. Neto acabaram por fugir, tanto mais que os gendarmes congoleses (que tinham vindo do posto da policia ao lado do CVAAR) limitavam-se a separar as pessoas em luta. Cer­ca do meio-dia, chegaram para-comandos congoleses que puseram fim à luta sem prender ninguén. Resultado do combate: dois feridos – Matias e Vidal (igualmente apunhalado pe­las costas). Nenhum morto.

Um grupo de membros foi à procura do Neto, de carro, afim de por este diante das suas responsabilidades pelo sucedido. Entre as 12 e 13 horas, o grupo de membros (Luiz, Miguel, etc.) encontraram Neto, Deolinda, Lara, Carreira e outros, no quartel, onde tinham tido uma reunião com os dirigentes do MDIA, NGWIZAKO, UNTA…Logo que Neto viu esse grupo de membros, voltou-se para os soldados e disse: “Soldados, façam o que quiseram des­sa gente”. O grupo de soldados, que estavam armados, não fizeram porém nada. Mantiveram-se quietos. Deolinda gritava, com os braços no ar: “Se quiserem  matar o Neto, matem-me antes a mim”. Mas o grupo de membros não fez mal a ninguém. Houve apenas uma troca de de palavras, de acordo com o clima que se acabava de experimentar no CVAAR.

O grupo de Neto partiu depois do quartel. A tarde, a esmagadora maioria dos soldados que estavam no quartel (cerca de sessenta) manifestaram oposição e revolta contra os métodos intoleraveis do grupo Neto. No dia 7, à tarde, a maioria dos soldados do quartel condenou o procedimento do soldado Salvador e de mais uns poucos e pren­deu-os no quartel. Ainda no dia 7,  à tarde,  Lima fez afixar no Quartel uma ordem de ser­viço expulsando do EPLA uns tantos soldados, acusados de colaborar com a oposição.

A noite, no dia 7, num Volkswagen, chegaram surrateiramente no Quartel, Lima, Carreira, Lara e mais duas pessoas. Os guardas do quartel apercebendo-se da chegada de Lima e Car­reira com o propósito de ir buscar armas e nunições, foram em direcção desses dois in­divíduos, que, logo que viram os guardas, puseram-se a fugir, tendo Lima disparado ainda um tiro de Pistola. Entretanto Carreira foi preso e encarcerado no Quartel, deram-lhe alguns sopapos, porque Carreira estivera de acordo no dia 7 em armar os soldados, que deviam guardar a porta do CVAAR e dera ordens para que fossem batidos todos quantos quisessem “perturbar a ordem”. Já no dia 6, à noite, Lima tinha ido ao Quartel comunicar a expulsão dos signatários da carta ao Comité Neto e convencer os soldados a irem ar­mados à reunião, do dia 7. A maioria dos soldados opôs-se à proposição de Lima que, no 7 de manhã saiu do quartel com todas suas malas.

Na madrugada do dia 8,  Lima  e outros tentaram assaltar o Quartel à mão  armada para libertar Carreira e tomar as armas que estavam no Quartel. Essa tentativa de assalto foi repelida pelos soldados que estavam vigilantes. No dia 8, às 11 horns, quando no Quartal onde estiveram presos soldados,  apareceu um grupo armado comandado pelo Lumpen “Ferro e Aço” que libertou Carreira e outros presos.

Durante a tarde do dia 8, vários grupos de soldados do EPLA, partidários do grupo Neto, armados e cheios de dinheiro e de cerveja, montados em carros do Movimento, puse­ram-se à procura pela cidade de Léolpoldville dos soldados contrários aos crimes que se vinham cometendo e prenderam algumas dezenas desses soldados.

No dia 8, às 19h e 20m , Viriato, Matias, José Miguel e Tomas estavam à espera do jantar no Restaurante Diogo, quando surgiu um camião do CVAAR com uns quinze soldados do EPLA que formavam o “gang” Neto. Metem-se todos no quarto do dono da casa que se en­contrava ausente na altura. Depois de terem cercado a casa durante cerca de meia hora, alguns gendarmes congoleses entraram armados em casa do Diogo. Apontavam as armas e per­guntavam onde estavam as armas. Respondeu-se que ninguém dos presentes tinha armas. As­solados por Lima, Azevedo e alguns soldados do EPLA, os gendarmes congoleses bateram nas pessoas atrás citadas e partiram os oculos a Viriato. Revistam a seguir a casa do Diogo procurando armas. Não foi encontrada nenhuma arma na casa de Diogo. A seguir revis­taram a casa de Matias. Nenhuna arma. Revistaram a casa de Aguiar e Jordão: nenhuma ar­ma. Azevedo, no entanto, mandou prender Jordão. Compreendeu-se logo que o Grupo Neto, para fazer prender as pessoas apresentara queixa de que tinham armas em seu poder.

Às 21 horas do dia 8 (oito) foram todos levados à prisão (campo Lufungula) no car­ro do CVAAR e sob a vigilância de soldados congoleses e de alguns gendarnes do EPLA. No campo Lufungula encontravam-se algumas dezenas de membros do MPLA que tinham sido também presos. Total: quarenta e tres (43) pessoas.

Lima e Azevedo voltaram à casa de Diogo afim de o mandarem prender.

No dia 9 (nove) às 17 horas, um funcionário da “Sureté” Congolesa foi à prisão sol­tar Matias, Viriato, Zé Domingos e José Miguel.

Soube-se depois que Adoula e o Ministro da Justiça, que tinham sido informados das prisões mandaram chamar o Director da “Sureté” perguntando as razões dos encarceramentos. O Director da “Sureté” (disse) que não havia dado quaisquer ordens nesse sentido e que no “af­faire” das prisões e entrara certamente dinheiro – corrupção de um certo número de gen­darnes e dos respectivos chefes. Os presos foram soltos por ordem de Adoula. O objecti­vo de grupo Neto, inventando a calúnia de que a”oposição” possuia armas, e fazendo-apren­der, era impedir que esta prossegui-se a sua actividade política junto das massas e conseguir que durante a estadia da Comissão de Boa Vontade (da OUA) para aproximação dos partidos angolanos (cuja, chegada a Leo estava marcada para 10/7), fosse rodeado do maior silêncio, o silencio que os muros da prisão torna possível. Neto deu ao chefe dos gendarnes três (3) mil francos congoleses para a “alimentação” dos seus criados. Esse dinheiro foi-lhe devolvido.

Entretanto, no dia 9, à tarde, um funcionário da “Sureté” acompanhado de gendarmes con­goleses foi fazer uma perquisição ao Quartel do EPLA, onde foram  apreendidos explosivos, munições, pistolas-metrelhadoras, pistolas, etc. Quem tinha armas afinal?

Não contente com o mandar prender a “oposição” o grupo Neto apresentou no dia 8, no Tribunal, uma queixa contra Viriato, Matias, José Domingos e José Miguel como “fauteurs de trouble” e fêz assinar essa queixa pelo Rev° Silva. Os acusados foram depôr no Tri­bunal no dia 10 de Julho. O resultado do seu depoimento levou o Tribunal a convocar por seu turno, Neto, Lima e outros. O soldado Salvador confessou ao Tribunal ter empunhado uma arma no dia 7 de Julho, no principio do Incidente do CVAAR.

 

Fonte: Arquivos de Casa Comum

 

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