Resposta para Leston Bandeira sobre o “Testamento que legitimou José Eduardo dos Santos na Presidência da República em 1979”

Por Patrício Batsikama

É de facto interessante ver Leston Bandeira responder ao debate que provocamos aos académicos, ao publicar o nosso humilde artigo na Revista Sankofa, da Universidade de São Paulo, intitulado “O Testamento que validou José Eduardo dos Santos na Presidência de Angola em 1979”. Apenas lamentamos a visão intro-espectral que se verificou no seu texto.

  1. Quem olha as manifestações anti-José Eduardos dos Santos como sinónimo da sua impopularidade apresenta uma cegueira idiossincrática. Giddens publicou em 1985 um texto explicativo (A Contemporary Critique of Historical Materialism. Vol.II. The Nation-State, Violence); Clastre teorizou as revoltas do “clã social” perante o Estado em 1979 (A sociedade contra o Estado. Investigações de Antropologia política), Gellner sistematizou o simbolismo dos descontentamentos sociais perante o Poder instituído em 1995 (Anthropology and Politics: revolutions in the Sacred Grove), etc. As democracias efectivas proporcionam o “diálogo conflitual” e o “diálogo cooperacional”, e estaríamos no bom caminho nesse caso. Uma das respostas institucionais as manifestações seriam seguramente as autarquias.
  2. Li com preocupação o texto de Leston Bandeira (ou A.M.?) por apresentar problemas de compreensão e interpretação textual, o que não lhe permite fazer leitura lógica sobre o “testamento virtual” enquanto hipótese de trabalho. Para verificar uma possível verdade através de métodos, parte-se sempre de uma hipótese com argumentos lógicos e respeito de conceitos. Faltou isso tudo no texto do sr. Bandeira.
  3. Dos 312 jovens entrevistas por nós (em seis ou sete províncias), 123 simpatizam-se com a liderança de José Eduardo dos Santos, ao passo que 21 acham que ele seja uma opção na ausência de algum candidato na Oposição. 51 jovens negam categoricamente José Eduardo dos Santos, preferindo alguém da Oposição (indicando ora Samakuva:39; ora Chivukuvuku: 12). 56 dos jovens entrevistados por nós são indecisos, e 12 entre eles não respondem de forma categórica. Ora, ao informá-los que o actual chefe de Estado sacrificou a juventude – tal como se fez durante a FENACULT II – todos os jovens preferem que a participação na luta de libertação de Angola seja documentada! Preferem já não acreditar aos seus “kotas”, nas simples palavras. É disso que estamos a falar no nosso texto, embora o sr. Bandeira extrapola e colou na nossa boca que “a maioria (dos jovens) estava desinteressada”. Pelo contrário!
  4. Em 1972 não houve Assembleia Geral (ordinária). No nosso texto, falamos de Assembleia Extra-ordinária de Dolisie, contrariamente ao que foi dito por sr, Bandeira. Nós falamos de ESPAÇO SOCIAL que compunha a assembleia extra-ordinária de 1972 com o ESPAÇO SOCIAL que elegeu José Eduardo dos Santos em 1979. São dois CAMPOS onde os CAPITAIS SOCIAIS e CULTURAIS são importantes na análise modesta que fizemos. Aconselhamos leitura de Pierre Bourdieu (sobre o seu estudo intitulado Distinção).
  5. Revolta de Leste, Revolta Activa… Familiarizei-me pela primeira vez sobre essas revoltas na leitura do livro de Jena-Michel Mabeko-Tali. Na minha pesquisa documental (livros, as versões internas do MPLA, e arquivística achei interessante reler as revoltas num contexto sócio-histórico cujos resultados serão provavelmente diferentes daquilo que se fala aqui e acolá. Há um dado interessante que descobri: Agostinho Neto deixou Lusaka com os seus 171 delegados, ao passo que Pinto de Andrade saiu da cidade com os seus 60 delegados. Chipenda ficou, mas com os seus 137 delegados. A PIDE-DGS, por exemplo, analisa esse fracasso como crise de liderança dentro do MPLA. A História nos ensina que foi o MPLA de Agostinho Neto que proclamou a independência em 11 de Novembro de 1975. Isto é, o novo elenco redefiniu nova estrutura de liderança em 1975. A História é dinâmica, e as coisas mudam consoante as constantes reestruturações sociais ou micro-sociais que se impõem. Não é salutar qualquer statuquo.
  6. É verdade que havia problemas de racismo, tribalismo, divisões e desinteresse em 1972. Mas é falacioso interpretar isso da forma intro-espectral como o faz Leston Bandeira. Das 13 cartas interceptadas que tivemos acesso (arquivos da Fundação Mário Soares, PIDE-DGS, Histórico Diplomático, etc.) 8 citam o nome de José Eduardo dos Santos, o engenheiro formado em Baku. Os insatisfeitos eram jovens, razão pela qual o engenheiro de Baku era o modelo para eles para conseguir bolsa de estudo e admirado pela sua rectidão (a qual será confiando as finanças, gestão dos bens do MPLA, entre outros). Achei curioso Leston Bandeira falar de um José Eduardo dos Santos “Play-boy” – prova de que melhor o conhece, pelo menos é assim que nós interpretamos – e ainda tenha dúvida que seria o engenheiro de Baku que foi Presidente da Mesa naquela Assembleia Extra-ordinária de Dolisie em 1972.
  7. Não faz sentido falar do MPLA em 1962 quando ainda José Eduardo dos Santos se preparava para fugir de Luanda. Em 1972, as reminiscências dos conflitos internos sobre a raça já era outro e já não da liderança. Pelo menos antropologicamente, não existe uma liderança ontológica. A liderança é sempre estrutural, e o líder representa o colectivo da mesma proporção é assegurada pelo mesmo. As dinâmicas da liderança no MPLA podem dar várias teses de doutoramento interessantes, e descartamos a postura intencionada e intensionada que apresenta o nosso arguente. É falta de respeito a História enquanto ciência, a forma como o nosso arguente sugere a leitura dos conflitos. No ofício de Historiador, os factos de rupturas são importantes do que simples acontecimentos que são engolidos pela amnésia social. 1972-1974 é um período de ruptura na redefinição da estrutura da liderança no MPLA, cuja continuidade terminou em 1989. Em 1979-1989, José Eduardo dos Santo era uma peça estratégica para relações externas, assim como Lopo de Nascimento era a peça fundamental para relações internas. Da longa experiência da guerra, é claro que o actual presidente reestruturou a sua estrutura de liderança, enquanto instrumento do Poder político real. Christine Méssiant fala disso a sua maneira. Aliás, ele próprio deu-se conta da redefinição contínua de uma mini-estrutura que garantiria a sua liderença dentro do MPLA e perante o país. Esse é outro assunto.

Margarida Paredes emitiu a sua opinião, que achamos valiosa. Em 2002 Angola não tínha a integridade territorial e o mapa geoestratégico de 2001-2011 não favoreceria Angola como se pensa geralmente: com o ataque das Torres americanas, 2002 não era propício para UNITA, tal como alguns dirigentes explicam nas memórias e nos explicam as razões (Alcides Sakala). Em 2011 a Primavera árabe veio demolir os protótipos americanos criados em 2001-2010, de forma a sequenciar a Nova Ordem mundial: baixo preço do petróleo. Angola precisa de ser defendida pelos seus filhos, como o foi desde Ñzîng’a Nkuwu, Ñjîng’a Mbândi, Ekuikui, Mandume ya Ndemufayo… É um facto histórico que o MPLA tenha instituído o Estado Nacional que não existia entre 1975 até 2008 (aconselho ler a minha Tese que uma editora angolana ir publicar nos próximos tempo). É preciso salvaguardar isso, o que é tarefa de e para todos. Essa é a nossa opinião, e achamos que seja valiosa também.

Em resumo, somos “homem de ciência” e não nos interessa legitimar cientificamente José Eduardo dos Santos. Acho que ele próprio não precisa de nós nesse aspecto. Mas os angolanos em geral precisam conhecer a sua História, e não podem ter medo de debate.

Nas nossas rotinas quotidianas (2002-2015) nos kandongueiros azul-branco, que é um “espaço social médio-base” percebemo-nos que o actual presidente não é impopular. A maioria das pessoas responsabilizam-no pela miséria, e curiosamente, achando que ele seja uma das pessoas indicadas para melhorar. Nos auto-carros e comboio, que é uma “espaço base” a pobreza é associada ao presidente da república. Curiosamente, mais de metade das pessoas acham que é responsabilidade do chefe de estado de resolver essa situação. Ora, o povo-base é influenciado facilmente, sobretudo pelos capitais sociais que ele tem, e pobreza como heranças. Interpretar a impopularidade de uma pessoa como José Eduardo dos Santos torna complicado com esses dados. De forma clara e evidente, existe uma classe média revoltada – cujos revús são apenas representativos – mas ao comparar com as nossas observações nos kandongueiros e maximbombo-comboio, pensamos que a tal impopularidade não parece o que o sr. Leston Bandeira apresenta, a não ser um discurso político ou politizado. De todas formas, a política não nos interessa ainda.

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