SEBASTIÃO JOÃO KABENGA: “PERSISTIR SEMPRE APESAR DAS ENORMES DIFICULDADES”.

Por Rui Ramos/ Jornalista

SEBASTIÃO JOÃO KABENGA é o meu convidado de hoje dia 1 de Junho de 2024 dos CAMINHOS DA VIDA (292) no JORNAL DE ANGOLA. «PERSISTIR SEMPRE APESAR DAS ENORMES DIFICULDADES». O jovem do Uíge nunca desistiu dos seus sonhos e objectivos e com o estômago muitas vezes vazio fez a licenciatura em Direito.

Sebastião João Kabenga nasceu no bairro Candombe Velho, município do Uige, há 29 anos, filho de João Bunga e de Isabel Kabenga, carpinteiro e vendedora ambulante.

“Tive a minha infância dividida, até aos 5 anos passei no Uige, concretamente no bairro Candombe Velho, com os meus pais e irmãos, mas por conta do estado de saúde da minha mãe, em 1999, fomos obrigados a viajar com ela para Luanda, onde morava a sua irmã, com o objectivo de seguir um tratamento e pelo tempo que lá ficamos, infelizmente houve a separação dos meus pais.”

Durante os dois anos seguintes Sebastião João Kabenga não teve contacto com o pai, viviam na casa da irmã da mãe. “Dei sequência aos estudos na escola da IEBA no Cazenga, eram dificuldades em cima de dificuldades, havia muitas alturas em que passávamos a noite sem jantar porque dependíamos do irmão da mãe, senhor Alberto Kabenga, alfaiate, que nos apoiava quando podia. Por carência, o arroz era cozido com água simples e depois metíamos açúcar, era o nosso pequeno-almoço, o funje era com água salgada e jindungo, muitas vezes sem peixe”, prossegue com as recordações. “Infelizmente, não tive uma infância feliz, chorava para voltar ao Uige para o meu pai mas não dependia de mim, fui obrigado a começar “bronze” (bateria de carro, latas de cerveja cuca e ferros), pelo menos dava para comprar alguma coisa para mim quando tivesse fome, a mãe estava muito doente.”

Entre os seus amigos de infância circulava um habito: “Se hoje é para almoçarmos na casa do Paizinho, Bai bai, Man Sebas ou o Zezinho, quando chegava a minha vez não tinha como dar o que eu não tinha.”

Em 2004, Sebastião João Kabenga ficou muito doente e teve de ficar numa sala de isolamento durante 15 dias, não conseguia andar, os médicos não conseguiam detectar a doença, mesmo passando pelos hospitais dos Cajueiros e Maria Pia, mas, depois de aprender a soletrar em casa “com o apoio da mana Lurdes”, ele ganhou a habilidade de ler no hospital Maria Pia, enquanto estava internado.

No 15.° dia de hospitalização conseguiu levantar-se sozinho e começou a andar. “O médico dizia que eu poderia morrer mas eu tive fé e salvei-me.”

Das relação da mãe e do pai só sobrou ele porque os dois irmãos que o seguiam faleceram, mas havia mais irmãos fruto de outras relações “que eu tanto amo e que foram sempre os meus suportes e meus exemplos, mana Lurdes, mana Anacleta, Sofia, Abdul, mano Inocente, mana Pembinha, man Laurinda e mano Paciência, tanto para o pai e para a mãe eu sou o cassule”.

Em 2005, a família regressa ao Uige e aí ele estuda a terceira classe, que já tinha concluído em Luanda, mas teve de repetir, deu continuidade na escola do Candombe Velho ate à sexta classe, mas na altura o trabalho do pai não era muito valorizado e o que ganhava não era suficiente para suprir as suas necessidades escolares, vestuário e alimentação.

“Comecei a vender sacos pretos no mercado do Candombe Velho, Praça Grande (municipal) e na antiga feira, depois passei para o primeiro ciclo na escola 11 de Novembro e a minha mãe começou a vender peixe seco”, lembra com tristeza.

“Sofri bullying da sétima à nona classe porque todo o cheiro do peixe que ficava no corredor da casa atingia até a nossa roupa e mesmo lavando, o cheiro não saía, na escola era insultado e afastado, o bem é que eu era inteligente e alguns colegas aproximaram-se de mim no momento de provas ou revisão, a Dulce, o Horácio e a Marlene sempre me davam força.”

Em 2010, o pai acaba por falecer vítima de doença, o que complicou ainda mais a sua vida. “Eu chorava porque o negócio da mãe não chegava para a alimentação e outras necessidades da família.”

“Crescemos numa família humilde, dormíamos há muitos anos num quarto onde para dormir contávamos (vou dormir em primeiro, segundo, terceiro) porque éramos seis a dormir no mesmo colchão (eu, o Garcia, Jeremias, Nsimba, Madilanda, Robinho) dormíamos a cacete. Mas não parei, dava sempre importância à minha formação, mesmo com os obstáculos, recebia algumas vezes o apoio dos meus tios que acabaram por ser meus pais. Fiz o ensino médio no ex-PUNIV junto ao Hospital Geral do Uíge, depois passei para o bairro Kixikongo e terminei o ensino médio em 2014.”

Sebastião João Kabenga ingressa no ensino superior no meio de enormes dificuldades financeiras. “As roupas antigas já não me serviam, eu vestia roupa de alguns primos e irmãos e quando não era permitido usar não podia sair e o primo Manuel Konda apoiava-me no calçado, a minha mãe começou a comprar mandioca nos carros que vinham das fazendas e ela transformava em bombó, para ajudar a sustentar os meus estudos com táxi, fascículos, livros…”

“No primeiro ano sofri um acidente grave quando ia para a Universidade, foi um momento muito mau para mim, comecei a dar aulas ao domicílio e explicações a alguns colegas da faculdade. Bati a tantas portas para um emprego mas sem êxito, eram tantos os momentos que tinha para desistir mas eu sempre tive fé.”

Em 2018, Sebastião João Kabenga consegue ter êxito no concurso público no sector da Educação, não foi fácil porque estava em causa se poderiam receber os alunos formados no PUNIV ou não. “Fomos os últimos a ser aceites para concorrer, consegui passar na sede da capital do Uige com a segunda melhor nota das listas provisórias, já dava para ajudar a minha mãe e os meus estudos.”

Mas nesse ano, Sebastião João Kabenga teve outro acidente de viação e foi assaltado duas vezes na rua e na residência quando dormia. “Mesmo com os golpes que levei e com os ferimentos, fiquei vivo e fiz a licenciatura em 2021 na Faculdade de Direito da Universidade Kimpa Vita”

Hoje, além de ser professor do primeiro ciclo do ensino secundário na escola do Kilamba Kiaxi, no município do Uige, sou advogado estagiário na Ordem dos Advogados de Angola, sou músico e compositor, poeta e tenho habilidades de jornalismo e marketing, embora, com a falta de apoios, não ter como avançar muito.”

  1. E Sebastião João Kabenga conclui: “Ambiciono alcançar outros sonhos para motivar a sociedade a nunca cruzar os braços quando o assunto é ir atrás dos seus objectivos. Quando vivi no município do Cazenga, com tanta delinquência, eu nunca me desviei, no bairro Candombe, com um índice de criminalidade elevado também não me desviei.”
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