Por Patricio Batsikama
Simão Toko é uma figura histórica incontestável para a História da Libertação dos povos africanos, em geral. Em 1949-1950 lançou a sua ideologia sobre a libertação cultural e financeiro como princípio da emancipação, e simultaneamente lança o seu movimento religioso que pretendia a independência de África e uma séria de coisas que se concretizaram, nos dias de hoje. O nosso tema coloca uma questão e tenta respondê-la na base das teorias de sociologia e antropologia das religiões, por um lado.
Por outro, apresenta o panorama onde se estrutura a teologia tokoista com propósito de ser estudada na ânsia de enriquecer a Cultura de Paz entre os Angolanos, depois de uma longa guerra que deu forma a Cultura de Guerra entre os Angolanos. O propósito desta reflexão consiste em convidar os académicos angolanos a começar a questionar a utilidade ou não das práticas de dos saberes endógenos, em busca de solução dos seus problemas. O tokoismo é, enquanto pensamento social, um utensílio interessante parasemear a Cultura de Paz entre os Angolanos em particular (depois de longos anos de guerra), mas também para repensar outros paradigmas de diálogo face a humanidade globalizada.
“Será Simão Toko um profeta”. Vamos construir uma leitura antropólogica a volta desta questão na perspectiva de criarmos o debate. O primeiro ponto resume-se a uma análise antropológica das condições natalícias. O segundo ponto tenta compreender Deus na cosmogonia muntu-angolana. No terceiro ponto, interessou-nos levantar curiosidade sobre uma possível teologia tokoista, não como já estruturada e explicada.
Para alcançar os objectivos deste texto, consultámos inúmeros documentos sobre Simão Toko e o tokoismo, que encontrámos no Instituto Nacional de Torre do Tombo.
Relativamente ao nacionalismo, consideramos que urgia resumir os principais clássicos sobre o tema, além de aproveitar os inquéritos que utilizámos na elaboração da nossa tese de Doutoramento em Antropologia. (2) A entrevista, para completar os elementos simbólicos do tokoismo é uma amostra que servirá para estudos posteriores. Assim sendo, os resultados que obtivemos, encontram-se expressos numa linguagem de fácil compreensão e têm como objectivo fomentar, por um lado, o debate entre os académicos.
Por outro, o texto destina-se a todos, e serve de uma apostila para compreender o “nacionalismo da paz” que a sociedade precisa de cultivar. O debate está aberto.
Nasce Mayamona nas terras dos sacerdotes.
Nascido a 24 de Fevereiro de 1918, Simão Gonçalves Toko recebeu o nome de Mayamona. Ele estudou na Missão Baptista de Kibokolo entre 1923 e 1933. Por se distinguir em inteligência e em capacidade prática, entre várias crianças, foi enviado a Luwânda para concluir os estudos liceais no Liceu Salvador Correia, entre 1934-1937. Em, Luanda, assim rezam os costumes protestantes, foi albergado na família do pastor Pedro Neto, o pai do primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto, onde integrou na Igreja Metodista de Luanda (Greenfell, 1950). Depois do seu regresso, empenhou-se nas actividades da Igreja (B.M.S.), instruindo os seus concidadãos na Missão de Bembe, pois somente a formação poderia libertar os angolanos das suas misérias. Ciente de que a independência económica era importante, e tendo percebido que o seu salário não era compatível com as suas habilitações literárias, solicitou, sem sucesso, o reajustamento do mesmo.
Em 1943, recebeu a autorização de ir a Leopoldville para aquisição de kidîmbu, roupa de noiva. (3) Posto lá, o rumo será outro. O seu chamamento será consumado: no dia 5 de Abril de 1943 ele criou o coro. Já em Julho de 1949 lançará o seu movimento com profecias que se confirmarão ainda no mesmo ano, o que permitiu que mais pessoas o considerassem já como profeta e que abraçassem o movimento.
A Conferência Regional em África Central Ocidental patrocinada pelas Missões Estrangeiras da Conferência da América de Norte em Leopoldville teve lugar entre 13 e 16 de Julho de 1946. Nessa conferência, Simão Toko foi um dos perspicazes oradores, pois pediu que Deus enviasse o Espírito Santo em África. Dos presentes, Deus terá respondido positivamente (GRENFELL, 1950; KUNZIKA, 2015). Um dos três oradores angolano foi o Reverendo Gaspar de Almeida que, na sessão de abertura do 1º Congresso da Igreja Tokoista em 2000 (ALMEIDA, 2007, p.444), reconheceu o profeta Simão Toko
No dia 25 de Julho de 1949 o movimento tokoista foi lançado, depois em Mayenge nº159, em Léopoldville o Espirito Santo se tenha manifestado. Simão Toko tinha profetizado, na base da Bíblia: (i) Actos, 2: a descida do Espírito Santo (MARGARIDO, 1966,p.84; MARCUM, 1969, p.79); (ii) RENFELL, 1998; HENDERSON, 2001: 130); (iii) JOEL, 2:28 (Bíblia): garantiu aos tokoistas que terão, também, sonhos e visões (ESTERMANN, 1965, p.327-328); (iv) (GRENFELL, 1950; GRENFELL, 1998, p. 215; MARCUM, 1969, p.81).
Ainda em Julho de 1949, Simão Toko, com alguns tokoistas, veio a Angola nas celebrações dos 50 anos do aniversário do B.M.S. em Kibokolo, onde o seu coro impressionou de facto a própria Igreja. As autoridades eclesiásticas do B.M.S. Kibokolo4 tentaram persuadi-lo sem sucesso a ficar e continuar as suas actividades dentro da Igreja. Do seu regresso a Léopoldville, ele retomará as suas actividades religiosas. Já na altura da Conferência, Paul Roberson tinha notado que o conteúdo dos cânticos entoados pelo coro tokoísta era subversívo, um dos cânticos que vibrou, dizia: “O novo mundo está chegando”. Ao regressar, já recebia notificação da administração colonial belga, advertindo-o sobre as práticas e mensagens dos tokoistas.
Não tardou muito, que Simão Toko foi preso, no fim de 19495, acusado de práticas de rituais místico-religiosos condenáveis pela lei belga. Foi preso. Mais de uma centena de tokoistas foram entregar-se voluntariamente. Emanuel Kunzika, um dos testemunhos oculares, apresenta a sua versão no capítulo II da sua obra (KUNZIKA, 2015). É, de facto, interessante notar, aqui, a sua primeira profecia que se cumpriu de forma registada, pois aqui nos interessam apenas os factos que podem ser provados. Ele será extraditado para Angola acompanhado de alguns tokoistas a luz do disposto do Decreto nº.17 do artigo nº.2º da Convenção de Extradição entre Estado Independente de Congo e Portugal de 27 de Abril de 1888.
No Vale do Loge, os tokoistas não abandonaram a Fé, cientes do cumprimento da profecia. Tratava-se de um colonato, o que facilitaria o controlo dos tokoistas, por um lado. Por outro, a fraca densidade populacional condenaria o tokoismo ao estatus quo. Havia outro elemento: a Lei do Indigenato permitiria ocupar os zelofites de Simão Toko com a agricultura do café e construir as estradas. Visto que se tratava de trabalho forçado, a acção tornaria nula toda a eventual acção tokoista. Esta foi a estratégia provisória da Administração colonial portuguesa perante os expatriados angolanos. Ainda assim, o profeta consolida o entendimento multirracial e pluri-étnico.
Os tokoistas foram muito perseguidos pela forma sistemática de resistir contra a exploração colonial (MARGARIDO, 1966, p.89), exploração justificada na base da lei sobre o Indigenato.6 Muitos encontraram a morte, outros foram expedidos para Luwânda (para melhor controlar), ou para lugares incertos. Curiosamente, a administração colonial ajudava o cumprimento da profecia sobre a expansão, nos apóstolos de Simão Toko. Alfredo Margarido assinala perto de 118 tokoistas em Luwânda, em 1958; no mapa geográfico do Ministério da Defesa, quase na mesma data (1958-1959), os tokoistas já se encontravam em todos os cantos de Angola em número preocupante (PIDE-DGS).
Vale de Loge é simbólico por três aspectos: (1) Foi neste espaço simbólico que os Tokoistas receberam por escrito em crer nos arquivos da PIDE-DGS e nos testemunhos dos missionários da B.M.S. (GRENFELL, 1950) edificação da conduta ética e deontológica. Dos nossos entrevistados, este espaço tem o mesmo valor simbólico que a Monte de Sinai e Moisés enquanto Profeta; (2) No mesmo espaço verificaram-se as primeiras perseguições e mortes dos Tokoistas em Angola.
Simão Toko terá assumido as suas tarefas de Líder entre diferentes etnias angolanas e mesmo os europeus (portugueses, britânicos, etc.) para instalar harmonia entre si, apesar das atrocidades e injustiças (veja a Foto acima colocada); (3) A estrutura funcional verificada no Vale do Loge foi o modelo primitivo do tokoismo, consoante as profecias que debitaram o movimento religioso. Na vida espiritual tokoista a missão profética confirmada em Léopoldville (na rua Mayenge) seguiu-se para este lugar. Isto é, Mayenge especialistas que vivenciaram esse fenómeno ou estudaram na base de testemunhos (GRENFELL, 1950; ESTERMANN, 1965; MARGARIDO, 1966; MARCUM, 1969).
Sadi Zulumongo
Os sacerdotes kôngo que fugiram das perseguições entre 1710 e 1847 várias aldeias no Mbata, entre as quais Sadi Zulu Môngo. Há uma hipótese consistente que vigoraria para interpretar este termo: Sadi Zulu Môngo, enquanto topónimo, é conhecido pela tradição oral como o local sagrado. O que vai ao encontro da significação do próprio termo. Sadi AMAN, 1936, p.863) e Zulu Môngo culto dos ancestrais, ou Nzâmbi (Deus), ou ainda Mbâzi, local de julgamento, perto de um cemitério como símbolo das leis dos ancestrais (STRYUF, 1974, p.36, 37). Em termos territoriais, chama-se Na Mpêmba, à qual Karl Laman atribui o s onde ). Desta maneira, Sadi Zulu Môngo feitiço e de comunicar com Nzâmbi -se de um lugar fundado pelos Nsaku, os sacerdotes. É nesta aldeia que Simão Toko nasceu.
Linhagens dos fazedores da Paz
Simão Toko pertence à linhagem de Na Mpêmba ou, ainda, Na MpêmbaNkosa. Esta linhagem é tida, também, como Nsivwîla. Na anatomia social dos Kôngo,
essa linhagem pertence aos Nsaku, os sacerdotes, cujas funções sociais consistiam em, vamos citar Jean Cuvelier: «Na MpêmbaNkosatulembwakwanzazi, katukosakwanzaziko». Quer dizer: «Na MpêmbaNkosa não compactua com as confusões, embora a sua missão seja resolvê-las.» (CUVELIER, 1934, p. 47-48). Essa oração é antiga, pela fórmula que apresenta: Na Mpêmba; tulêmbwa e Nkosa; tukosa. Toda a linhagem que apresenta essa fórmula é, a priori, uma linhagem de origem e não derivada (BATSÎKAMA, 2010, p. 38- 41).
Na Mpêmba Nkosa é a linhagem que mistura linhagens através de cerimónias, enquanto Na Mpemba Nsivwîla incorpora “os fazedores da paz”, depois das anarquias e confusões. Na Mpêmba representa os santos: Mpêmba deriva de yêmba (ghêmba; vêmba; pêmba) que quer dizer, simultaneamente, (i) ter a cor pemba, branca; (ii) ser habilitado a instalar Paz entre pessoas; (iii) possuir o poder de pêmba. Mpêmba associa-se ao paraíso (MacGAFFEY, 2000, p. 27, 81, 207). Trata-se da linhagem daqueles que eram considerados como santos e habilitados a administrar os cultos dos ancestrais para trazer harmonia na sociedade. Na Mpêmba de Kibokolo, da qual a mãe de Simão Toko e a ascendência desta última são oriundas, é de Nsivwîla Nimi. Como o termo o diz, e bem, Nsivwîla (LAMAN, 1936, p. 1086),”eles que aportam a paz”, quer depois da guerra ou quaisquer confusões humanas, quer quando os ancestrais zangados amaldiçoam a sociedade dos vivos. É uma linhagem que assegura o país quando estiver à beira de falir. Em breve, Na Mpêmba Wûnga (Na Nsivwîla Nimi), é uma linha de “fazedores de Paz”, na sociedade de acordo com a distribuição das funções sociais.
Mayamona, “o vidente”; Toko, o “Salvador”.
É, na verdade interessante ao nascer lhe tenha sido dado o nome de “Mayamona”. Nessa condição, os relatos recolhidos com a ajuda dos seus parentes devem ser considerados e analisados em comparação com os factos verificáveis. Geralmente, há uma tendência para se efectuarem duas interpretações: (i) mayamona
dos mayimona -se com a bênção que um sacerdote (ou avô materno) administra a um recém-nascido. Em última instância, como é corrente, o pai do recém-nascido tem o direito de o nomear. Faz-se num ritual simbólico e muito significativo. Os pastores protestantes do BMS admitem que Simão Toko era uma criança
ARCUM, 1969, p.77; GRENFELL, 1998, p.211; GRENFELL, 1950). Por isso, ele foi enviado a Luanda, para o Liceu Salvador Correia. Sobre Mayamona, é importante mencionar que desde muito cedo, Simão Toko se mostrou vidente ao ponto de vaticinar 1936-1937 que Agostinho Neto será um grande líder e presidente de Angola (ver adiante).
Passamos, agora, ao nome mais conhecido, Toko. De acordo com Dictionaire KikongoFrançais de Karl Laman, o termo toko significa o seguinte: (i) toko: jovem, pequeno mestre. O termo deriva de tokuka estar em ordem; o termo deriva de tokuka que quer dizer, s”er sempre limpo; estar em ordem, ser sacerdote”(ii); quebrar, pulverizar; a expressão Tokomba se traduz por “quebrar nozes de palmeiras (coconotes)”. Isso tem uma significação profunda na cosgomonias angolanas.
Importa salientar que entre os Umbûndu, termo toko existe com o mesmo sentido e deriva, também, de tokoka -se, rasgar-se, rebentar e estalar.(ALVES, 1951, p..1512). O sentido de tokomba está claro nessa expressão: A lusipatokoka; tjivala u enda, -te; dói ao que for água abaixo” ALVES, 1951, p.1512). O mesmo sentido encontrámos entre os Nyaneka, os, Lûnda, os Ambûndu e mesmo os KhoiKhoi.
Como podemos verificar e partindo das teorias sobre as origens das zonas de Malcolm Guthrie, o termo toko seria proto-bantu. Pelo facto de estar, simultaneamente, nas zonas B, H, K e R, já é uma evidência sociolinguística de que a instituição de toko\mba remontaria a muitos séculos antes dos contactos entre Portugueses e Angolanos: *-tok+expressa que a instituiçâo seria oruinda de bantus orientais, com o sentido de “sacerdote cuja a origem espiritual é sã”, ou ainda “sacerdote libertador, aquele realiza cultos dos ancestrais”. Com a imposição do cristianismo nas sociedades africanas as religiões internas foram desaparecendo. Talvez se explique, porque o sentido religioso de toko se tenha apenas ficado na retórica, no campo linguístico e que as práticas, mesmo as mais simples, tenham ficado na letargia. Apesar disso, relatos antigos ainda preservam informaçôes valiosas.
Nos dias de hoje, o portador do nome Toko é tido como alguém que sabe apresentar-se ao público, de forma jovial. Mas este não é o único sentido que lhe é dado. Há um, entre outros sentidos, que nos interessa aqui frizar “sacerdote libertador, sacerdote salvador” e vamos, resumidamente, falar disso nas linhas a seguir. Depois da morte do rei (Ntotela), e poderia ser para qualquer cidadão, o sacerdote Na Mpemba realizava os rituais mais conhecidos pelo nome de kômba. Este sacerdote precisava, para efeito, dos produtos da palmeira com os quais são fabricadas as vassouras sagradas (nkombo), para varrer as sujidades simbólicas; (b) vinho de palma (malavu ma nsamba), bebidas sagradas, embora seja muito popular entre as pessoas; (c) óleo de palma (mafuta) para ungir alguns familiares directos do defunto; (d) nozes de palmeira/coconotes (mba). O ritual é simbólico e consiste em tokomba. Isto é, rebentar, estalar nozes de palmeira. Perante os parentes do defunto, o sacerdote começa por enumerar as interdições e solicita saber se, por acaso, alguém entre os familiares infringiu uma delas. Já no fim, o sacerdote começa o pequeno ritual de quabrar as nozes-Tokomba- que tem valor social importante: libertar os familiares do defunto das suas interdições. Com esse acto, as pessoas poderiam retomar as suas actividades normais e a sua dieta habitual.
O mesmo acto acontecia quando alguém era readquirido pela sua família depois de uma escravidão resultada das medidas judiciais. O rei eleito, de modo igual, passava por tokomba, para manter a ligação com o monarca defunto, e deveria citar as 12 gerações dos reis que justificariam a sua eleição e aceitação dos ancestrais. Van Wing informa-nos também do mesmo acto no kimpasi que, curiosamente não é o que pretenderam Lorenzo da Lucca e Bernardo da Gallo em 1705-1706. Trata-se de cerimónias religiosas para restaurar a ordem social perdida. O ritual tokomba era acto simbólico da libertação ou salvação colectiva (SOUSBERGHE, 1954). Na sua obra monumental, Van Wing apresenta- Tok xpulsa os espíritos malvados (VAN WING, 1938: 286). Interessante ainda é saber que esse sacerdote é amplamente registado na tradição oral como Na Mpemba Nsaku Malele, que intervinha na eleição do Ntotela (JADIN, 1963, p.. 402-404; CUVELIER, 1934, p.43,74; BATSÎKAMA, 2014, p.37-38). Há uma feliz coincidência entre os nomes de Toko, Mayamona com a linhagem Na Mpemba e, curiosamente, com a aldeia onde nasceu: Sadi. Os Tokoistas festejam 17 de Abril de 19345, como o primeiro dia que o sacerdote simão Gonçalves Toko encontrouse com Ñzâmbi, Deus (teofania). Em 2008, entrevistamos Emanuel Kunzika sobre o fundador do tokoismo e nos respondeu da seguinte maneira:
“Simão Toko era “irmão” de Agostinho Neto, e viveram juntos na casa do reverendo Pedro Neto. A dada altura, provavelmente em 1938, o profeta avisou ao seu irmão [Agostinho Neto] que ele será grande líder, e presidente de Angola. A mamã Maria Silva Neto nunca chegou a gostar desta conversa…(KUNZIKA, Novembro de 2008)
Com este testemunho, Kunzika se contentava de fornecer alguma evidência sobre a chamada divina de Simão Toko. Isto é, depois da teofania, o jovem Simão Toko já profetizava. John Marcum apresentou-nos um subsídio interessante, quando confidenciou o seguinte:
O bolseiro Emmanuel Kunzika tinha-me dito, na década de 1960 quando eu escrevia este texto12 me de tantas coisas, entre as quais, o messias africano vaticinou que Agostinho Neto será presidente de Angola independente. Enquanto jovens, nos finais dos anos 1930, levou-se isso numa brincadeira. Mas eu reconsiderei isso no dia 11 de Novembro de 1975. Fiz questão de rever as minhas anotações, que estão no arquivo de American Committee on Africa…(Marcum, Março 2010)”
Enquanto desempanávamos as nossas as nossas funções de curador no pavilhão de Angola na Expo Milano 2015 (Itália), fizemos conhecimento de um angolano que conheceu, também, o sacerdote Simão Gonçalves Toko. Ao pergunta-lhe sobre a profecia acima mencionada, ele avançou entre várias lembranças, a seguinte:
(…) foi nos temos do liceu nos anos 1940, …Aquilo [profecia] deve ser associado a nossa ingenuidade juvenil …mas ninguêm contestou-lhe porque Simão Toko era um religioso sério, uma pessoa íntegra e de grande moral entre nós. Depois seguiu-se um desentendimento entre a igreja de Simão Toko e a ideologia de partido único, mas nunca deixaram de ser amigos.( Álvaro Correia de Faria, Milão 01 de Outubro de 2015).
As três informações são analisadas num outro estudo que prometemos publicar nos próximos tempos, se Nzâmbi nos ceder mais tempos de vida. Estes testemunhos contêm uma importância enquanto práticas e saberes endógenos no aspecto religioso (DURKHEIM, 2000, p.457-458) e enquanto símbolo do poder socialmente aceite (BOURDIEU, 1989, p. 22). Face ao que precede, está claro que Simão Toko tenha tomado consciência da sua missão profética de “sacerdode salvador” ou de “sacerdote libertador”, já nas décadas de 1930 em Luanda. Na cosmogonia angolana, Simão Toko nasceu na família dos sacerdotes, em 1918 numa altura que o nome é ainda muito importante: John Weeks notou que o nome, as condições natalícias e o lugar de nascimento ainda tinham uma grande importância nas práticas e nos saberes locais (WEEKS, 1914, p.111-120).
Como veremos nas páginas seguintes, as coincidências são fortemente estreitas entre o que prediz o nome (de nascimento, da linhagem e do espaço social de origem), e o que a história irá registar. Max Weber teorizou a predestinação como uma das três formas da teodiceia (WEBER, 1982, p.410). Isso justifica-se com o sacerdote angolano.
Filosofia mutu-angolano sobre Deus
Padre Placid Tempels tem o mérito de ver a filosofia bantu como algo original aos próprios Bantu, por se fundar num fundo sociocultural bantu, explicando a existência nas bases existenciais que a geografia mental bantu melhor compreende. A filosofia bantu é rica na representação mental de Deus e já tentamos ilustrar a estrutura numa estética muntu-angolana, consoante as qualidades de Deus/Nzâmbi, Deus/Kalûnga, Deus/Mpangayile, Deus/Suku, etc. (BATSÎKAMA, 2016, p.101-103). É praticamente impossível que uma pessoa absorva uma crença externa na mesma textura em que esta crença se apresenta no seu espaço de origem. Para perceber o cristianismo em África, ou em Angola em particular, importa começar por compreender duas bases epistemológicas da filosofia local. Tentaremos aqui falar destas bases na filosofia muntu-angolana, antes de comentarmos sobre a africanização do cristianismo.
O questionamento da existência base de toda a origem epistemológica da filosofia pode compreender-se no subtexto das texturas de cada qualidade que os Angolanos dão a Deus: Nzâmbi, Mbûmba, Kalûnga, Suku e Mpângayile. Os muntu-angolanos atribuem a origem de tudo a Nzâmbi: origem do Homem a partir da criação; origem do mundo/existência (mundo dos vivos e mundo dos mortos) a partir de princípio/fim (Kalûnga = Alfa e Omega dos cristãos); origem da harmonia social, etc.
A reinvenção da Natureza base de toda a origem social da filosofia é fundamental para perceber a cultura enquanto espaço mental. A cultura material angolana muito apreciada desde os primeiros contactos com o mundo externo é rica em quatro ângulos de apreciação: (i) cultura material domiciliar; (ii) cultura material profissional; (iii) cultura material sagrada; (iii) cultura material lúdica. As produções materiais apresentam divergências e convergências. Partindo da “Panela” pode servir para cozer feijão, ou liquidificar o ferro, ou ainda conservar os ossos dos ancestrais ou, finalmente, como brinquedo para as crianças. Ainda que tenha uma mesma morfologia, as decorações estéticas diferenciarão a utilidade e o enquadramento da mesma consoante é domiciliar, profissional, sagrado ou lúdico.
A base epistemológica da filosofia é antes de mais abstracta, mas se verifica na base social da filosofia e ambas constroem o sistema cosmogónico de todo o povo. Em relação a Deus, está claro que ele não difere tanto daquilo que trouxe o cristianismo ou o islamismo. Razão pela qual os padres dos séculos passados (XV até XX) não mudaram as apelações. Mudar a apelação de Deus, internamente, é mudar o conceito de tudo. Passará a ser outra divindade. Os nomes acima enumerados versam numa religião monoteísta cujos crentes, antes da chegada dos Portugueses, detinham uma cultura variada para explicar o funcionamento das relações entre Nzâmbi e Homem. A priori, existe uma sociedade à parte que pretende conhecer meios e formas de possibilidade de contacto com Nzâmbi. Se eram descendentes de Levi, numa cultura, eles são Nsaku na outra. E tentaremos resumidamente abordar essa questão em três aspectos.
No primeiro aspecto, Nzâmbi e a vida antes do nascimento: antes de a pessoa nascer, ele pertence desde já a determinada linhagem. Os sintomas verificados no período da gravidez constituem as manifestações de Kalûnga (debaixo da existência), cuja mensagem é e só poderá ser interpretada por alguém iniciado para o efeito. Na cosmogonia muntu-angolana são Cinguri (nos Lûnda) ou ainda, os Nsaku (nos Kôngo). Estes aconselham o pai ou a mãe acerca da atribuição do nome específico da criança, pois interpretam melhor as mensagens de Kalûnga (os sintomas são considerados como mensagens). Esse nome explicará a personalidade do portador durante toda a vida existencial.15 É o caso de Mayamona e Toko.
No segundo aspecto, Nzambi e a vida existencial: a existência física do Homem é passiva, pois começará a existir, de facto, depois de se mostrar fiel às leis deixadas pelos seus ancestrais e às leis da Natureza (Nzâmbi). Os muntu-angolanos preocupam-se e vivem em harmonia, como forma de preparar a sua vida depois da morte. As normas simbolizam as leis dos ancestrais, e respeitar os lugares sagrados e as leis proporciona o equilíbrio ontológico que garante eternidade no além. O Homem, nesse caso, situa-se numa insegurança constante (existência efémera: vida), e a sua protecção é instrumentalizada pelos membros das linhagens que ministram as relações entre Nzâmbi Mpângiyile e os Homens.
E finalmente, Nzâmbi e a vida depois da morte: a finalidade da existência humana para os muntu-angolanos terá sido “viver enquanto ancestral”. As palavras como vûmbi/vîmbi/kîmbi, – significam na linguagem corrente- “mortos, cadávres” em kikongo, lyumbûndu e kimbûndu. No pensamento muntu-angolano, vûmbi/vîmbi/kîmbi simboliza o estado material do Mbûmba, enquanto Deus criador. Por essa razão, os sacerdotes (Nsaku, Cinguri, Kilâmba, etc.) devem prepará-lo nos rituais fúnebres para este alcançar a integridade moral de ancestral. Razão pela qual se mumifica o cadáver com fogo, como o fez Mbûmba no início. Isso termina com os rituais simbólicos de komba de que já falámos anteriormente. Eis a razão pela qual, na concepção dos muntu-angolanos, os mortos são vivos por excelência, e próximos de Kalûnga.16 O conceito de Deus nas culturas muntu-angolanas precisa de ser estudado pelos especialistas, inicialmente pelos sociólogos das religiões, os filósofos e, finalmente pelos teólogos. Existem estudos interessantes produzidos nos tempos coloniais, produzidos num contexto de colonização e na visão do cristianismo e do colonizador. Imperaria, agora, que os próprios Africanos explicassem melhor ao retomar esses trabalhos.
Africanização do Cristianismo
Em 1491, Portugal começou a evangelização do Kôngo (parte setentrional de Angola) com os baptismos daquelas pessoas que eles achavam nobres. O primeiro a ser baptizado em Mbanza Kôngo foi o chefe espiritual do Kôngo: Nsaku Ne Vûnda é baptizado Dom Jorge. Nkûwu como Dom João I e a sua família. Os Kôngo aceitavam o baptismo (dia mûngwa) como nova aliança, ao passo que os Portugueses pensavam submetê-los ao poder da Igreja. Mwêne Mbândi é outro exemplo de que, em Luwânda, aceitou o baptismo como parte parcial da nova aliança sem, portanto, trocar as suas crenças milenares. António Cavazzi não se cansou de a admirar na sua obra (Cavazzi, 1965).
A morte de Kimpa Vita), em Julho de 1706, é tida como o início da africanização da Igreja, que o Catolicismo não tinha percebido (LUCCA, 1701-1717; GALLO, 1700-1709). O conflito de interpretação entre o Deus, no entender dos padres católicos, e o Nzâmbi dos Bantu não poderia ser apenas uma questão cultural. Seria, a nosso ver, uma complexidade de superioridade na parte dos padres católicos. A maior razão é ver, hoje, quanto a africanização da Igreja católica é um facto. Kimpa Vita não é a única a ser mal interpretada na época. Mwêne Mbândi nunca foi percebida pelo Cavazzi, por exemplo, pela forma como ela era mais fiel às lei dos seus ancestrais. O monarca Nzinga a Nkûwu, baptizado Dom João I, nunca deixou de honrar zitisa os preceitos dos seus ancestrais. Mandumeya Ndemufayo, apesar da sua visão militarista, não poderia perceber padres ou Igrejas que explorassem seres humanos, semelhantes a Deus como eles. É importante separar o conceito da cultura imaterial, que é a transformação da Natureza, e o conceito da cosmogonia que é uma construção abstracta que vivifica o comportamento psicossocial. Se, por um lado a cultura é uma herança social e partilha das identidades, por outro a cosmogonia assume o fundo teorizador da existência. Pelo exposto, verificamos, claramente, as causas desta disputa cultural.
A mensagem da salvação não pode ser interpretada, senão será uma poesia sem significado. Ela precisa de ser sentida. Rezar uma missa em língua latina e numa cosmogonia romana não significaria nada para os Kôngo, pois incorre na traição de perspectiva. Contudo, encontrar no entender kôngo uma oração do suporte cosmogónico de “Salve Regina” como o fez Kimpa Vita, não só aproxima os Kôngo da salvação, porque eles a vivenciam, mas sobretudo, porque se evita a traição de perspectiva, pois toda a religião transcende de uma cultura específica. Será, de facto, difícil um Kôngo entrar em comunicação com o Além ou comunicar-se com os Ancestrais sem, por um lado o malavu ma nsâmba (vinho de palma) e o masikulu (um tipo de batuque). Mikûnga (cânticos) constituem uma linguagem de comunicação que obedece aos padrões específicos. Com isso, podemos perceber a razão da africanização do cristianismo: ela dá vida à própria religião cristã. Nsâmba é vinho de bênção (Nzâmbi e nsâmba vêm de hâmba, yâmba); masikulu simbolizam as leis e preceitos dos ancestrais (*-sik+: leis; *- kul: ancestrais) emitidos através do som; Mikûnga são revelações de *-ûng = Kalûnga. Isso não foi percebido pelos padres católicos que operavam nos séculos passados.
A Relatione do padre Romano di Dicomano (século XVIII) assim como de alguns como Luca de Caltanissetta, por exemplo dá-nos as explicações simplificadas sobre as diferenças culturais na interiorização da Fé (BRASIO, 1972, p..26-30). No século XIX, John Weeks tentou Kôngo, e concluiu que a cultura milenar dos Kôngo perpassou a primeira evangelização (1491-1717), assim como a nova evangelização não dizimou as crenças locais. O mesmo se verificava em Kambambe, onde ainda temos as ruínas da presença católica assim como em Luwânda. Existe, localmente, um fundo cultural enraizado que exterioriza a fé de forma peculiarmente endógena.
De modo geral, todos os evangelistas admitem que a evangelização em Angola ou em África é consideravelmente rentável quando se opera na cultura local. Mas, ao mesmo tempo, admitem que a resistência cultural é forte, mesmo para os mais iluminados assimilados. Não é apenas em África. No livro de Actos dos apóstolos, encontramos o primeiro desencontro entre o cristianismo e os hábitos alimentícios dos evangelizados. Hoje um cristão chinês é diferente do cristão português tanto quanto um cristão judeu em relação ao cristão angolano pelos fundos culturais que cada um é portador, apesar do pacote evangelizador que o converteu como cristão ser relativamente o mesmo. Todos eles, apesar dessa inevitável diferença, convergem na fé.
Fundamentos da Teologia tokoista
As estruturas conceptuais do sistema religioso tokoista eram mal conhecidas (ESTERMANN, 1965) pela colonização portuguesa, embora alguns trabalhos científicos (sociologia, antropologia e teologia) que a PIDE-DGS solicitou a diferentes especialistas, nos forneçam elementos importantes. Pena é que o tokoismo foi analisado na perspectiva da teologia católica ortodoxa (Carlos Estermann; João Martins, etc.) e não, como normalmente seria, na perspectiva do messianismo africano (SINDA, 1972, p.87-99; BALANDIER, 1967, p.103-107) ou, minimamente, na perspectiva angolana. Interessa- nos aqui optar por uma definição descritiva da teologia, que servirá de instrumento lógico para se perceber o tokoismo, criado por um profeta ético. Partiremos do pressuposto segundo o qual a teologia é a compreensão lógica de práticas cuja simbologia estabelece ou explica, pelo menos, a relação entre Deus (ou divindade) e o Homem. Essa relação se constrói entre os suportes imateriais e os suportes materiais. Esses suportes constituem o fundo cultural da religião (WEBER, 1982, p.407-408; BRANDON, 1963, p.14-18), a partir do qual o Homem entende ou pensa racionalmente entender as dimensões de Deus (ou divindade).
Neste segundo ponto, começaremos por apresentar os suportes imateriais e materiais nos quais se funda o tokoismo. Será feita uma análise e uma comparação para se perceber a missão profética (ROBINSON, 1923) do profeta ético Simão Gonçalves Toko. Depois de sistematizar esses suportes materiais e imateriais, tentaremos responder à seguinte pergunta: será Simão Gonçalves Toko um Profeta?
Estrela a oitos ângulos (Estrela da Eva)
Ao lançar o tokoismo em 1949, Simão Gonçalves Toko e os fiéis tiveram consciência da profecia: perseguição, prisão, morte, etc. como está patente nos Actos, 2. Também, a profecia prevenia a salvação que virá de Deus: Salmos, 121 (MARCUM, 1969, p.81; GRENFELL, 1950). Isto é, os tokoistas sabiam o que lhes esperavam e acreditavam profundamente na profecia.
Os tokoistas assumiam-se simbolicamente como estrela, e o alfaiate Diakenge Manuel Toko costurou uma estrela branca num fundo vermelho. Isto é, a profecia antevia mortes, prisões aos fiéis tidos como estrelas, o que resultaria do símbolo de uma estrela no fundo vermelho em 1949-1954. Mas, o que significaria estrela num fundo vermelho? Na cosmogonia angolana kôngo, lûnda, mbûndu e umbûndu a estrela tem duas significações importantes que, curiosamente, convergem com o sentido hebraico. E vamos citá-las: (i) -no de onthongululu, ou ainda onyofi (SILVA, 1951, p.225). Isto é, a luz pequena entre as trevas. Os Kôngo chamam- no de ntêtembwa (LAMAN, 1936, p.793). Na cosmogonia angolana a estrela é ora a pequena luz nas trevas, tida como metáfora de pequeno Bem no meio de maldades, ora o Bem terrestre, o Homem primitivo que alcançou a eternidade. Nas sociedades Khoi-San, associa-se estes dois sentidos a uma história do Bem social: ntêtembwa, onthungululu explicam-no bem. (ii) Totem do Bem: a estrela identifica a ordem estabelecida a partir de Nzâmbi. A sua linguagem astral implica, por um lado, a fixação geográfica e por outro, o cultivo da cordialidade entre as pessoas na base das leis estabelecidas.
A cor vermelha do fundo de onde sobressai a estrela foi, inicialmente, considerada como o xderrame do sangue que iria caracterizar os primeiros momentos de tokoistas. Foi nesse sentido que o alfaiate tokoista Diakenge Manuel Toko realizou os primeiros protótipos. Mas a cor vermelha não significa apenas o sangue derramado, no sentido de terror. O sangue de Cristo professa o amor e a vida eterna (salvação). Nas sociedades muntu-angolano. Isso permite-nos avaliar o sentido religioso do vermelho tokoista, primeiro como “sacrfício humano”, e depois pelo “amor pelo Bem social”. É somente assim que se poderá perceber Salmos, 121 e Acto, 2 nos primeiros momentos do tokoismo.
Já nos finais da década de 1950, o profeta escreveu cartas aos fiéis, indicando que era necessário não exibir a estrela vermelha, porque apartir do “novo Milénio”, virá o novo tempo, “tempo da esperança”, em que os tokoistas não serão persguidos. A esperança é a interpretação da cor verde que, já o início da década de 1960 passou a servir do fundo da estrela que muitos fiéis usavam, para a sua identificação cultural religiosa. É curioso verificar que Angola alcançou a Paz em 2002 (Novo Milénio), e que os tokoistas e os Angolano em geral vivem em tempos da esperança. A cor verde, como fundo da estrela, traz a profecia da esperança e da Paz. A cor verde quer dizer, nas sociedades muntu-angolanas, a prosperidade e a harmonia entre as pessoas. Embora os tokoistas tenham começado a utilizar essa cor já na década de 1960, a Paz profetizada por Simão Toko só se verificou em 2002. Essa esperança de estrela de manhã “é anunciadora do renascimento perpétuo de dia…símbolo do próprio príncípio da vida” e oito pontos da “Estrela de Alva”, simboliza o equilíbro, a concordia e a paz”
(CHEVALIER; GHEERBRANT, 2010, p. 308; 483).
Cruz africana
Já referimos a cruz na tradição cristã (símbolo da salvação), que é o contrário do que acontece na tradição romano-judaíca (símbolo dos malfeitores).23 A árvore tem um significado profundo nas sociedades africanas, embora nos proponhamos mencionar aqui apenas duas: (i) condições vitais criadas e prosperidade material e espiritual; (ii) diálogo e abrigo lugar de repouso, Paz e conforto enquanto condicionantes da coesão e da unidade. Nas sociedades angolanas, os antigos para jurar que falavam de acordo com o que foi estabelecido cruzavam os dois dedos indicados e falavam conforme acordado, ou desenhavam uma cruz e saltavam-na para dizer que o que eles tinham dito fosse conforme a verdade. Isto é, a forma da “cruz”, é um símbolo sagrado. Na “Iconografia cristã são frequente as representações da cruz com ramos de folhas ou duma Arvore-Cruz” (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2010, p.90). Os Bantu são um povo de agricultores, por isso a árvore simboliza o resultado das suas actividades. O mesmo símbolo poderia significar o “pais onde as pessoas vivem consoante as leis instituídas pela colectividade que ninguém poderá infringir.”
Os Bantu acreditam que todas as árvores24 são constituídas de ramos, o que, nas línguas bantus “árvore na árvore”, Isto é a árvore é um símbolo de acordo diálogico: diferenças dialogando, respeitando as suas idiossincrasias. Os ramos constituem diferenças de uma mesma sociedade, apela-se pela união que, nas sociedades angolanas, quer dizer justaposição, e não oposição entre os integrantes. Os ramos da árvore explicam- no bem. Nos Kôngo existe uma máxima que o exprime de forma excelente: makukwamatatumalâmbilângaKôngo. O país ( a sociedade) é considerado como marmita assente em três pedras. Nos Umbûndu, a cosmogonia completa-se em três osângo26 (LIMA, 1992, p.23). Há um proverbio nyaneka que lembra que três omathiya sustentam a panela. Curiosamente, na árvore-cruz desenhado pelo próprio profeta, encontramos três ramos, o “makukwamatatu” ou ainda “omanthiya”.
A africanização da Igreja do Cristo através da árvore que na verdade deve tratar-se de árvore sagrada, como mulembeira ou nsânda, indica que “quem está com Cristo protegido da sombra da mulembeira .28 Nesse sentido, os versículos à volta deste desenho (da árvore atrás da cruz) especificam essa significação. Simão Toko apresenta aqui a “árvore da vida”, (Salvação pela Fé), ao contrário da “árvore de conhecimento”, justificar-se-á, então, 1 Corintos, 1:18-19 que vem escrito à volta da árvore com cruz. Pensamos aqui que o sacerdote angolano tenha percebido a salvação através da renascença do homem: “associação da árvore da vida com a manisfestação divinas está presente nas manifestações cristãs; pois existe uma analogia, e até mesmo recondução do símbolo, entre a árvore da primeira aliança, a árvore do Génesis, e a árvore da cruz, ou árvore da Nova Aliança, que regenera homem…De resto na iconografia são frequentes as representações da cruz com ramos e folhas ou duma Árvore- (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2010, p. 90).
Essa cruz (ver a imagem a seguir) parece-nos exprimir alguns propósitos interessantes que é importante frisar aqui: Diálogo entre as diferenças como fonte do conforto; Salvação a partir da Fé, e não na base da inteligência; Sombra = protecção. Estar em Cristo é estar em segurança.30 Essa imagem já serviu, quer para os cartões de membros, quer como suporte para “oração”, como indicam os anexos em momento de aflição, desde a década de 1960 momento da perseguição, prisões e mortes dos tokoistas. A sua significação é profunda: a árvore tem um valor simbólico nas Tradições africanas, mas iremos nos basear no mulemba e nsânda que são árvores sagradas em toda Angola. Ambas árvores simbolizam: ora, a União, e simultaneamente, diversificação. A diversificação é simbolizada pelos ramos e a união que é o mesmo tronco: fraternidade; ora, a Sabedoria enquanto exercício de aprendizagem e debate; iniciação enquanto processo de transmissão das heranças sociais.
Ao associar a cruz da salvação, e tendo em conta os versículos a volta desta imagem, o líder religioso codifica aqui a aceitação do outro através do perdão como fonte da união (nkûndu ou kûnda, nas culturas angolanas). Apesar das perseguições, Simão Toko busca na ancestralidade angolana, elementos simbólicos para proclamar o amor a si e ao próximo como base do tokoismo. Por outro, mulemba/nsânda simbolizam as leis, as instituições que todos que se revejam nessa árvore devem observar. Antes de vermos o terceiro ponto dos suportes materiais (vestimentas brancas), interessa-nos fazer algumas observações aqui: (1) A reprodução do simbolismo cristão pelo sacerdote angolano, que “a igreja colonial”, não revelou as significações, é interessante. Apesar de não estudar teologia, ele mostrou um conhecimento profundo da simbologia cristã, e percebeu-se da sua utilidade social de maneira que contextualizou-a para sua sociedade; (2) Simão Toko introduziu o sagrado africano que não contraria o cristianismo com propósito de trazer aos africanos a esperança da salvação a partir dos aportes culturais africanos. Em ambos casos, a sua mensagem torna-se na visão do Acto colonizador um autêntico Acto descolonizador.
Vestimentas brancas
No livro de Apocalipse, João viu pessoas vestidas de branco (Apocalipse, 7:9). Há uma coincidência com o uso da cor branca nas sociedades angolanas, principalmente da linhagem de Simão Toko: Na Mpêmba. Símbolo da integridade moral, prática do Bem e do “coração leve”, esta vestimenta versa nas dua culturas (mutu-angolana e cristã) e serve de consciencialização individual da sua conduta. Da mesma forma que optamos por um comportamento decoroso bem para evitar sujar a roupa branca, é na mesma senda que moralmente e através das atitudes os tokoistas previnem-se de cometer, e a vestimenta
branca é mais uma questão de consciencialização, do que simples indumentária.
Nesse ponto, interessou-nos mostrar que existe uma simbologia tokoista que evoluiu no tempo, que é densa de significações históricas e não de meras representações sem sentido. A simbologia tokoista conta as diferentes etapas da evolução do movimento em África e serve para os fiéis da sua Fé como mensagem profética do profeta ético Simão Toko. Na teologia, a simbologia esconde significações históricas que veiculam segredos da doutrina religiosa. Embora este ponto seja mais desenvolvido num outro trabalho em marcha33, interessou-nos mencionar estes três entre outros como forma de chamar à atenção a religiosidade do tokoismo. Seria, na verdade, interessante que a própria Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo no Mundo instituísse a sua própria teologia, através da qual se possa formar diferentes especialistas e dar corpo e consistência para apresentar a doutrina nas linhas teológicas, perante um público especializado, garantindo, assim, o devir da Igreja do Nosso Senhor Jesus Cristo no mundo. Por outro lado, ainda não existem estudos aturados (quantitativos e qualitativos) sobre a teologia tokoista. Se, no passado, no tempo de perseguição, prisão e morte foi difícil pensar nessa possibilidade, não nos parece fazer sentido nos dias de hoje em os tokoista tem servido de “estrela da esperança” na sociedade.
A “Sua Santidade Tokoista”
Existe um ceptismo enorme sobre a apelação de “Sua Santidade” ao líder da igreja tokoista. Uns comparam, e com razão, a Sua Santidade Papa de Roma mas sem mínima comparação lógica, e outros pensam que a expressão seria pura idolatria caso for aplicado ao líder tokoista. Podemos tentar esclarecer essa questão em três perspectivas: religiosa, histórica e sociológica. De ponto de vista a Religião, podemos servir do modelo da Igreja católica. O líder da Igreja católica é, em latim, Episcopus Romanus. Quer dizer Bispo da Roma, tal protocolar e administravamente é tratado enquanto a estratura hierarquizada, a Igreja atribuiu-o o título da sua “Sua Santanidade”, o que se relaciona com uma interpretação do título de Papa. Isto é, Vigarius Christi visto que Jesus Cristo entrega as chaves ao Pedro. A chave é, simbolicamente, o instrumento da autoridade (CHEVALIER; GHEERBRANT, 2010, p. 190-191). Reconhece-se, simbolicamente, algum poder espiritual àquele que é considerado Santidade (Vigarius Christi) pela sua liderança e gestão da estrutura religiosa que envolve vários bispos auxiliares: Summus Pontifex Eclesiae Universalis, enquanto título oficial (Van HAEPEREN, 2002, p.180- 183). O Tokoismo interpreta o Vigariu Christi com a estrela grande que ilumina as estrelas pequenas (ver imagem a seguir) já na década de 1949-1950. Ao reagir à essa explicação comparativa, o professor JerryBender admitiu-nos que o tokoismo é o modelo cl’assico de sincretismo africano que os Africanos precisam para assumir os seus próprios destinos. Ele retoma a linguagem de Mudimbe: reinventar África.
Estrela grande e estrelas pequenas – PIDE-DGS
Historicamente, Papa é, em latim, a forma afectuosa de dizer pai, em reconhecimento da função social deste enquanto Santidade perante os fiéis. Mas enquanto acrónimo, a designação versa-se na teologia católica com duas acepções de ordem histórica: (a) O Papa São Leão Magno36 é o primeiro a ser chamado Petri Apostoli Protestatem Accipiens, no dia 29 de Setembro de 440, não só pela cristologia (Concílio ecuménico de Calcedónia) mas também pela postura intelectualista que instituiu na igreja face as questões políticas (A) a autoridade do Bispo da Roma na época do papa Zosimus (18 de Março de 417 até 26 de Dezembro 418) e na época de Papa Bonifácio I (28 de Dezembro de 418 até 4 de Setembro de 422) apresentou dificuldades administrativas na gestão do bispado embora seja ainda uma questão profundamente interna bem gerida que levou o Papa Sisto III optar por algumas reformas em relação aos nestorianos e capacidade geopolítica e diplomática (Van HAEPEREN, 2002).
Sociologicamente, as relações fundamentais entre a Política e a Religião versam em três aspectos fundamentais (WEBER, 1982, p.309-347): (a) hierarquia e gestão da ordem social com propósito de se evitar a anarquia e a rebeldia desestruturantes; (b) manutenção de Estado-nação, visto que a religião é uma reserva cultural importante e permanente; (c) construção ontológica do indivíduo na preservação da Moral (valores cívicos e morais). Os teólogos tokoistas precisam explicar ao público curioso na base das teorias acima avançadas (de ordem religiosa, histórica e sociológica) – o título oficial de “Sua Santidade” ao líder da igreja. Como acabamos de explicar a nossa forma lógica, há uma funcionalidade enquanto estrutura hierarquizada. Teologicamente, tal título, assim nos ensina a História, deve ser regulamentado e os regulamentos deverão ser seguidos com maior disciplina para orientar o comportamento social. O profeta Simão Toko instituiu a hierarquia e a disciplina logo no princípio, tal como nos mostram os documentos da PIDE- DGS. Instalou uma disciplina tokoista que foi, com maior rigor seguida pelos crentes, estruturou importantes instrumentos gestionários do comportamento colectivo no bem- estar individual e social. Ele próprio associou-se à verdade, com humildade e com orações constantes. Essa é o espectro sociológico e histórico da Santidade. Contudo, é urgente ao nosso ver que os teólogos tokoistas trabalhassem nesse aspecto, pois na sua humilde simbologia estão escondidas muitas coisas com importâncias antropológicas, históricas e sociológicas: a ideia da “Sua Santanidade” no sentido da hierarquia religiosa existe desde 1949-1950.
3. Será Simão Toko um Profeta”
Perspectiva clássica
Ponto A
Todo o profeta começa por apresentar os sinais de chamamento e isso realiza-se dentro dos parâmetros do meio em que se encontra. Esse chamamento termina no: (i) encontro entre o “chamado” e a entidade divina e a instrução desta ao primeiro sobre a “mensagem” de que será portadora. Na Bíblia, podemos exemplificar com Moisés, que teve a ” visão de arbusto que brilhava como se tivesse a arder e no enquanto não se consumia (ling, 2005, p.48). Curiosamente os seus nomes servem-se como evidência desse chamamento.
Ponto B
Toda a profecia cumpre-se em nome de uma divindade, que se associa ao povo eleito. O nome de Deus, uma vez pronunciado/revelado, manifesta o seu poder. Com Moisés, as profecias e os milagres são realizados em nome de YHWH, isto é Iavé.
Ponto C.
O profeta é carismático, congrega pessoas de diferentes crenças, convicções, origens/raças, etc. É, sobretudo, um sacerdote, um pastor, um legislador, vidente inspirado, etc. Moisés era chefe tribal que congregava as 12 tribos dos Hebreus, um chefe militar, sacerdote, legislador, etc. (LING, 2005, p.48).
Na sociedade angolana e africana em geral (KEITA, 2015), o nome representa a personalidade ou o destino da pessoa. O nome não é apenas o de nascimento, mas também o da linhagem. Consideramos esses nomes (Mayamona, Na Mpemba, Zulu Môngo) como as primeiras evidências inequívocas do chamamento de Simão Toko. A cosmogonia kôngo corrobora com essa forma de pensar (VAN WING, 1934). Na cultura kôngo e por onde Simão Toko passou Kibokolo, Luwânda, Léopoldville, Bembe, Kakonda, etc. a sua qualidade de “vidente inspirado”, é largamente confirmada. A esse facto, inúmeros testemunhos orais dão forma na pessoa de Simão Toko como sendo visionário.39 Somos da opinião que o chamamento remontaria à condição natalícia, embora a 17 de Abril de 1935 seja significativa. Entre 1949-1975, os factos falaram por si. Mayamona é vidente, Toko sendo libertador/salvador, estes dois nomes de nascimento associam-se com Na Mpêmba como evidência de um sacerdote. O mesmo se verificou com Moisés, quer pelo seu nome ( “de salvados das águas” ou “salvador atravês das águas”), quer pelo da sua tribo (dos Levis).
Para o ponto (A), podemos dizer que se os testemunhos verbais podem ser suspeitos por alguns espíritos cépticos, todos os nomes de Simão Toko explicam-nos que o seu chamamento parte da sua condição natalícia. O seu encontro com a divindade assim como o exercício do ministério de Deus são ironicamente criticados pela administração colonial (Margarido, 1965; PIDE-DGS) e a direcção eclesiástica do BMS (GRENFELL, 1950), mas está largamente confirmado pelo tempo: a História confirma o ponto (A). O ponto (B) pode ser facilmente provado. De acordo com o padre Carlos Estermann, o Deus que se invocava era Nzambi a Mpûngu, ou ainda, Nzâmbi de Simão Toko (Estermann, 1965; PIDE-DGS). A cruz com a letra S, ou com uma mulembeira (nsânda), a estrela, o traje branco (Na Mpêmba), etc. são suportes materiais que se referem à categoria de Deus pelo qual Simão Toko recebeu a missão. Mpûngu não é diferente de Eloim de Moisés, e Nzambi do Simão Toko é ilustrativo, como o próprio Moíses advogava “Deus de Abraam”. Parece-nos legítimo dizer , na lógica religiosa do chamamento.
Passamos agora ao ponto (C). Simão Gonçalves Toko é carismático: BMS, administração colonial belga e PIDE-DGS testemunharam-no com inúmeros documentos. A prisão de Simão Toko em Léopoldville levou inúmeros Angolanos e não só a entregar-se à polícia colonial como presos solidários a Simão Toko. Centenas de cartas endereçadas a Simão Toko pelos fiéis e amigos indicam que ele gozava de um estatuto de legislador, quer nas questões interpessoais, quer para as questões eclesiásticas.40 Se o profeta congrega todos, então Simão Toko tem historicamente esse mérito. Mas interessa-nos realçar as qualidades de sacerdote e pastor, baseando-nos desta vez nas cartas, já que o fizemos com as condições natalícias. Crentes e não só (até os auto-declarados adversários) solicitavam a Simão Toko que rezasse por eles, tal como se fazia com Moisés ou Jesus Cristo. Em algumas cartas, nota-se que ele se assumia nas tarefas de sacerdote-juíz.
A eminência do sacerdote em Simão Toko surgiu desde o liceu, em Luwânda, e Agostinho Neto reconheceu isso em 1974 numa carta interceptada pela PIDE-DGS e publicada num jornal. Distingue-se pela sua capacidade de vidente inspirado humilde que, antes de tudo, exorta os fiéis a manter a Fé através da oração. De forma clássica, e na comparação de vários profetas na História,”
“…o profeta fala como alguêm consciente que tanto de ter escolhido por Deus para comunicara Verdade aos homens como, tendo ele próprio contemplado a santidade de Deus, de ter escolhido livremente ser «amigo da Verdade» e seguir o “caminho da santidade”.(Ling 2005. Pag.87)
Hoje é possível ver quanto Mayamona associou-se livremente a Verdade e tem optado o “caminho da santidade”; as certas que Simão Toko escreveu a milhares de fiéis, familiäres e amigos que se encontram no fundo da PIDE-DGS provam-no largamente. A História fornece interessantes episódios quando o profeta tal como os profetas hebreus da Bíblia assume que a Paz em Angola deve assentar-se no diálogo e concordância entre os integrantes sociais e políticos angolanos. Mas, sobretudo, a sua visão sobre o Novo Milénio: tempo da esperança, da estruturação e reconciliação.
Em resumo, na perspectiva clássica, Simão Gonçalves Toko apresenta-se como profeta ético cuja a mensagem “é amor a si e ao próximo; respeito das instituições” em busca do bem-estar individual e da sua salvação espiritual. O profeta deixou claro nos Açores, que Prédiga, Açores, 1972, n.º323).
3.2 Prespectiva da religião
Profecia #1
“…os tokoistas predizem que…a autoridade estrangeira terminará, a exploração dos africanos cessará e os africanos irão se tornar indepententes…” Grenfell, 1950 apud MARCUM, 1969, p.81)
Na realidade, Simão Toko vaticinou a independência do Congo Belga em 1947 e em 1949, o que resultaria na sua expulsão. Vamos tentar explicar o que teria acontecido, consoante os factos que foram registados. Em 1944, criou Nkutu Nsimbani (solidariedade) visando construir escolas e hospitais em Angola (MARCUM, 1969, p.78) e essa associação impulsionara independência económica e um nível aceitável de tecnicidade e habilidades profissionais para os pretos concorrer às oportunidades sociais. As autoridades belgas perceberam que Simão Toko não era apenas um líder religioso aliás Grenfell sempre notou isso (GRENFELL, 1998) mas também, e sobretudo, visionário que visava à independência económica e educacional. A determinação dos tokoistas era uma ameaça à integridade colonial. A expulsão do solo belga (actual R.D. Congo) foi secretamente reportada à segurança nacional portuguesa e, de modo igual, foi instruído o perigo que os Tokoistas apresentavam: independência de África.
Na década de 1940 e no início de 1950, era praticamente inesperável qualquer independência, e podemos enumerar as principais razões: (i) não existiam os partidos organizados nem a Intelligentia política interna para efeito (MARGARIDO, 1965, p.99-89), a colonizaçâo em África atingiu a “era da prosperidade”, pelo domínio absoluto das receitas, pelo totalitarismo financeiro e, simultaneamente, pelo complexo de inferioridade dos africanos (mesmos daqueles que frequentavam as escolas), que impediam o aparecimento de uma auto-consciência (Le Callennec, in MBOKOLO, 2011, p.372-452).
Entre 1950 e 1960, o governo colonial português separou várias vezes Simão Toko dos tokoistas. Essa medida fortaleceu mais ainda a expansão do tokoismo. O sacerdote angolano chegou a ser isolado em lugares desérticos, mas promoveu uma densa correspondência com os seus fiéis e amigos42, na qual nunca deixou de advertir sobre o futuro. Em 1960, vários países africanos alcançaram a sua independência. A profecia cumpria-se, depois de ter sido registada, estudada pela Segurança Nacional portuguesa e pela -1952 (GRENFELL, 1950). A administração colonial portuguesa começou a levar a sério essa profecia, depois de notar o desenvolvimento do movimento tokoista pacifista no mapa de Angola, face ao plano geoestratégico colonial de Angola. Isso levou o Ministério da Defesa a manter-se em prevenção permanente, sobretudo depois das independências de vários países africanos. Dado curioso, notamos que vários relatórios consideravam Simão Toko como profeta, embora minimizado ao pé dos profetas bíblicos.
Na época pós-independências africanas, uma campanha foi lançada contra Simão Toko e os Tokoistas e alguns especialistas emitiram pareceres negativos. Na visão da Administração Colonial, o movimento tokoista era o único perigo sério, uma vez que os partidos políticos se encontravam ainda numa fase embrionária. Em 1974, o profeta Simão Toko regressava a Luwânda, junto dos seus fiéis, não apenas para uma Angola independente, mas como o vaticinou o sacerdote angolano também para a construção de uma sociedade para todos (Paz), com condições de culto (os tokoistas terem o seu próprio templo), de estudo (escolas com condições) e de saúde.
Como veremos a seguir, tratava-se desta vez da profecia que se realizou plenamente depois da sua morte física. Para os Tokoistas o profeta Simão Gonçalves Toko ainda está vivo em espírito, e para a cultura africana os “ancestrais nunca morrem. São vivos por excelência. Importa salientar aqui três aspectos, sobre o regresso de Simão Toko. O primeiro é a mudança da filosofia política de Portugal em 1974, com o espírito independentista que era visível. Daí, como o novo Poder Colonial reconhecia a inevitabilidade da independência de Angola, já não fazia nenhum sentido manter Simão Toko no cativeiro domiciliar. O segundo, era a popularidade de Simão Toko na maioria das províncias de Angola, e principalmente em Luwânda tal como o mostram as imagens com uma estimativa de 28.000 tokoistas que o recebeu no Porto Marítimo. Isto é, o sacerdote de Zulumôngo era na visão dos novos detentores de Poder em Lisboa peça fundamental para convidar os angolanos a regressarem no seu país e trabalhar numa transição pacífica à nível da massa/povo.
B. Profecia # 2
“(…) Os tokoistas acreditam que terão as próprias escolas(…)construirão os seu próprios hospitais(…) e celebrarão os seus cultos em templos construídos pelos seus fiéis”(GRENFELL, 1950; GRENFELL, 1998; MARGARIDO, 1965; MARCUM, 1969; PIDE-DGS).
Em 1950 essas projecções são consideradas irrealizáveis dentro do quadro jurídico: a legalização da escola e hospital requerem um corpo técnico competente e avaliado pelo próprio sistema colonial. Das informações que se recebeu do Congo belga, a Segurança portuguesa de 1950 não poderia aceitar. Ter um templo não-católico embora o tokoismo aceitasse a pluralidade religiosa era impossível na filosofia colonial e pelo contexto (os protestantes criavam um preocupante desequilíbrio na estabilidade colonial portuguesa).43 Isto é, por um lado. Por outro, a Segurança e a Defesa portuguesa colonial temiam a determinação dos tokoistas nos seus ideais e a expansão das suas profecias (independência) no território nacional (Angola e ultramar). Por essa razão, vários especialistas constantemente consultados emitiram interessantes e parciais pareceres com relação ao tokoismo enquanto movimento religioso, e ao Simão Gonçalves Toko enquanto líder religioso.
Quando se criou Nkutu Nsimbani (solidariedade) em 1944 um ano depois de Simão Toko se instalar em Léopoldville o sacerdote angolano visionava a construção de escolas e hospitais em Angola. Aqui, o sacerdote é mais racional e não profético. Dois aspectos lhe permitem visar isso enquanto um visionário lógico. O primeiro aspecto é a prosperidade económica dos comerciantes Zômbo (e Angolanos, em geral) poderia ter outras proporções, ao benefício da maioria dos Angolanos. Era normal que os Angolanos investissem no seu país, para eliminar certos índices de miséria. Para a vencer, as escolas poderiam capacitar técnica e profissionalmente os Angolanos com propósito de concorrer às oportunidades, por um lado. Por outro lado, a região Norte de Angola tinha um único centro de saúde, no meio de uma população enorme, e os pacientes precisavam de viajar vários quilómetros para Luwânda, ou do vizinho Congo Belga. Era necessário, para ele, mudar o quadro, uma vez que estava concentrado um número considerável de habitantes.
O segundo aspecto é independência cultural. O respeito da língua e dos usos e costumes dos nativos em Léopoldville deve tê-lo inspirado. A colonização belga optava pela estratégia de desenvolvimento das sociedades não-europeias, partindo da visão de dentro, para rentabilizar os resultados da industrialização do Congo Belga. Para Simão Toko na experiência de Luwânda entre 1934 e 1939 os Angolanos precisavam de convivência dialógica que deveria partir da cultura. Simão Toko é um intelectual e conhece a realidade de Angola (Kibokolo e Luwânda), de maneira que, apesar de perceber a necessidade destes dois pontos, reconhece ao mesmo tempo os impasses. Mas não sabe solucioná-los sem, antes, ter meios financeiros disponíveis. De acordo com vários testemunhos dos seus contemporâneos, ele recebeu, em forma de sonho, essa missão profética, mas resistiu com o seu espírito crítico e lógico pensando que somente o dinheiro poderia dar possibilidade de solução. Nem o seu encontro com divindade em 17 de Abril de 1935 em Luwânda mudar-lho-á essa visão materialista.
Ainda assim, mantém as suas actividades na Igreja baptista como diácono e trabalha afincadamente com o seu coro, cujas composições já são autênticas profecias, inicialmente sobre o novo mundo que virá. Os estudos bíblicos que eles promovem no seio da Igreja, impulsionaram e juntaram à sua volta uma multidão de fiéis que o seguirão, sobretudos, pela mensagem que eles transmitem : “O novo mundo virá” As pessoas estão motivadas a ouvir isso, pois nutrem a esperança de se ver livres da colonização.
Será em Janeiro/Fevereiro de 1947 que eles se consideram a si mesmo como “um possuidor da mensagem de Deus sem chance de fugir-se dessa missão. Dois factos levam-nos a sustentar essa acepção: (i.) Jean Van Wing menciona essa data como a dos seus primeiros contactos com kimbanguismo mas, em vez de ele ficar nessa Igreja, vários Angolanos e congoleses preferiram seguir Simão Toko sem este saber o porquê. Emanuel Kunzika acha que terão visto nele um enviado de Deus; (ii.) será nessa data que, de acordo com os arquivos belgas, os coristas de Toko se diferenciarão dos crentes evangélicos (ruptura religiosa) e que suscitarão as primeiras inquietações sérias: os conteúdos dos cânticos são estudados pelas autoridades coloniais e notória será a sua popularidade. Presume-se que, nessa época, Simão Toko já ganhara consciência da sua missão profética, embora ainda de forma receosa.
Inicialmente, as pregações de Simão Toko decorreram num quintal, mas a densidade dos crentes transbordava os limites do mesmo. Já no Congo Belga, as ruas ou as avenidas se enchiam de crentes e era necessário fazer recurso à tecnologia para o som alcançar todos. Em parte, a densidade dos crentes terá aumentado por responsabilidade do pastor, pois os crentes acreditavam nele como mensageiro de Deus. Essa mensagem já dissimulada nos cânticos alimentava, nestes crentes, a esperança de se verem independentes e de serem senhores dos próprios destinos. Depois da Conferência, Simão Toko assegurou aos seus fiéis a visão de ter as suas próprias escolas, os seus próprios hospitais e um templo digno construído por cada fiel. Estamos em Julho de 1949, quando isso é publicamente anunciado. Nos pareceres que a PIDE-DGS solicitou a diferentes especialistas, os tokoistas ainda estavam firmes entre 1952 e 1959, que iriam construir “suas” escolas, “seus” hospitais e “seu” templo.
Nessa época, era impossível ter os “seus” próprios hospitais, embora já se notara a presença de enfermeiros tokoistas bem capacitados, principalmente as parteiras, nos centros de saúde comunitários. Ter seus próprios hospitais implicava uma guerra burocrática, além das exigências técnico-profissionais e das aparelhagens necessárias. Apesar da sua formação liceal, era impensável que exercesse profissão de pastor com a sua própria Igreja. A lei colonial não cederia o espaço sequer para construir infra-estrutura do templo pretendido, apesar de por norma a legalização da sua crença ser possível na base das assinaturas dos crentes.
Perante esses impasses, todos tinham Fé na promessa de Nzâmbi através da profecia segundo a qual teriam as suas próprias escolas, os seus próprios hospitais e o templo construído por cada fiel. Nos dias de hoje, essa profecia é verificável. Podemos voltar num futuro breve-a falar doutras profecias, num trabalho específico sobre a teologia tokoista caso a saúde nos permitir e Nzâmbi nos oferecer ainda mais tempo de vida. Para responder a questão colocada ( “Será o simão Toko o profeta”), podemos responder da seguinte maneira. De acordo com a teoria clássica e do ponto de vista da religião, Simão Gonçalves Toko é um profeta ético.
É evidente que se possa falar de uma teologia tokoista, mas precisar-se-á de trabalhos abundantes. O que apresentamos aqui é apenas o resumo daquilo que temos desenvolvido desde 2008, como forma de perceber a visão filosófica/teológica que o padre Carl Estermann negou no seu parecer à PIDE-DGS, e publicou parcialmente em 1965. Esse capítulo insere-se na perspectiva de verificar se o movimento de Simão Toko poderia enquadrar-se no nacionalismo da Paz. Ora, se é provado que se trata de um profeta ético a semelhança de Moisés logo, a afirmação a essa questão mostra a responsabilidade
que os crentes e os dirigentes desta Igreja têm para com a sociedade.
Vamos terminar tentando esclarecer um ponto importante sobre as origens históricas/religiosas do tokoismo. De acordo com os diferentes especialistas contratados pela PIDE-DGS, a origem do tokoismo situa-se entre kimbanguismo e kintwâdismo. De ponto de vista a origem histórica, essa acepção é verificável uma vez que Simão Toko tenha dialogado com algumas autoridades religiosas kimbanguistas e diferentes kintwadistas. As influências kimbangustas e kintwadistas no norte de Angola eram visíveis entre 1940 e 1960, e curiosamente no meio destas duas datas, nasce o tokoismo. É assim que podemos resumir vários pareceres que a PIDE-DGS recolheu junto de diferentes especialistas, entre os quais Carlos Estermann, Eduardo dos Santos, João Martins, etc.
Se esse ponto de vista é verificavelmente histórico tal como todos os especialistas apontam verificamos que os mesmos especialistas têm sérias dificuldades em convertê- lo para um ponto de vista teológico. Em alguns casos, notou-se a desonestidade intelectual ou ainda difamação45 que pode ser associada a época e os interesses coloniais. Como já avançamos, é importante que os teólogos tokoistas retomassem essas questões para nos explicar melhor essas questões. A missão tokoista sobre a salvação considera o ser humano enquanto “indivíduo/espiritual”, “ser social/cultural” e “ser económico/social”.
Os dois primeiros constituem o fundo religioso, dado que Simão Toko nunca deixou de se afirmar como um religioso (ainda que tenha assistido debates promovido pelo Partido Democrático Cristão, desde 1974). O tempo histórico 1943-1960 é uma ruptura histórica, o que caracteriza mayamona como nacionalista pela transformação que se operou no ser “económico/social” angolano. São dois campos que é necessário explorar cuidadosamente.
Ora, dos pareceres que a PIDE-DGS reúne mesmo depois de 197446 confundem os dois campos claramente distintos. Isto é, e partindo das perspectivas de Pierre Bourdieu sobre o campo, os pareceristas tiveram dificuldades metodológicas de imparcialmente perceber o tokoismo. Lawrence Henderson independentemente de ser protestante americano47 tem uma leitura diferente, para citar apenas esse exemplo48. No entanto, notamos que em todas as observações destes autores há presença das informações valiosas que somente os sociólogos das religiões e os antropólogos políticos poderão nos fornecer explicações lógicas. A seguir iremos nos interessar em verificar esses dois pontos de vista, na esperança que façamos, depois, uma breve comparação para perceber as origens do tokoismo.
De ponto de vista Histórico. A História estuda o homem ao longo do tempo e espaço. Vamos considerar o Simão Toko como “homem”, 1943-1950 será o “tempo” e
Léopoldville será aqui como espaço. Simão Toko aperece em Léopoldville nessa época com um capital cultural rentável e é detentor das heranças sociaiconsistentes. Mas é um homem humilde, dialogador que gosta de aprender sem arrogância. Entre 1943 e 1950 Léopoldville conhece três problemas sociais que, assim pensamos, influenciariam as questões de pertença: (a.) o desenvolvimento socioeconómico belga depois das crises de 1929-1930: os ex-colonizados são munidos de oportunidades para aquisição de conhecimentos técnicos e rentabilizam as produções das empresas instaladas naquele país (com ramificação para Angola50); (b.) o desenvolvimento sociocultural endógeno na redefinição da personalidade africana51 é tido como o início da intelectualidade congolesa que forneceu os primeiros independentistas. O kimbanguismo é um independentismo cultural que os intelectuais constroem discursos lógicos de independência religiosa perante o cristianismo52. Simão Toko é, aliás, confundido com as posturas kimbanguistas com quem abordou as questões fundamentais da doutrina, uma vez que era catequista protestante (B.M.S.). O kintwâdi é outra corrente religiosa que Mayamona não tinha receio para conhecer os protagonistas, sobretudo que mostrou ter o dom de predizer as coisas desde muito cedo. A tolerância e a liberdade de reunião que se vivia em Léopoldville permitiram que o sacerdote angolano conhecesse o panorama religioso da capital do Congo Belga, (c) depois ode Leopold ll oferecer o Estado Independente do Congo ao reino da Bélgica, o governo colonial belga fez as reformas jurídico-políticas que proporcionaram um lugar propício, onde os Angolanos destacavam-se com os seus saberes e práticas sociais: música, comércio, etc. Por essa razão, Simão Toko não tardou a criar o seu coro em 1943 e a mutualidade Nkutu Nsimbani em 1944 uma vez que o espaço era fértil.
Face a esses três pontos, convém metodologicamente associar o messianismo a época da independência cultural que, se por um lado não se dissociou complemente do cristianismo, por outro desenvolveu uma autonomia sustentada pelo fundo cultural endógena. A sua utilidade social é imediata, já que a religião é basicamente cultural.54 Do ponto de vista a religião, iremos partir do pressuposto clássico. A História do tokoismo é interessante no período que antecede a sua criação. Limita-se, grosso modo, a indicar a Conferência Regional (1949) como o início, quando na verdade, é preciso começar em 1706. O período pré-tokoista partiria de 1706 até 1891: a primeira data é o início da expansão de anto a Kôngo55, ao passo que a segunda é a instalação no Kibokolo da B.M.S. (igreja protestante) com uma tendência de rentabilizar uma igreja africana assumida pelos próprios africanos.56 As divergências entre a postura da Igreja católica e as tendências protestantes oriundas de Inglaterra (B.M.S. no Kibokolo) e dos Estados Unidos de América (Adventista em Luwânda) contribuíram nas dinâmicas sociais dos indígenas angolanos. Na zona de Mbata (espaço que vai da Damba em Angola até NsonayiMbata no Congo belga), as influências religiosas datam desde 1491. Entre 1567 e 1709 verificou-se a africanização da igreja na região entre Kibokolo e Kimbata (CAVAZZI, 1965, p.354355). Dois fatos explicariam isso: Don Jorge que precedeu o baptismo de Dom João I Nzinga a Nkuwu era o chefe dos assuntos religiosos e habitava muito provavelmente no actual Mbanza a Zômbo. As escavações na zona de Kimbâta confirmam isso.57 Na expansão dos antonistas, essa região recebeu inúmeros antonistas. Entre 1767 e 1891 Kibokolo é ainda uma reserva da autoridade religiosa e da autoridade militar (embora a autoridade militar se alastra até Damba e Kimbele58). Não foi por acaso que Kibokolo foi o local escolhido para albergar os cultos protestantes. Nâo só se separam claramente “os assuntos de Nzambi” dos “assuntos militares”, mas também dos “assuntos económicos”. É essa herança que o tokoismo receberá. Simão Toko nasce e cresce nesse ambiente e formou-se inicialmente no Kibokolo. O seu capital cultural é estável e num espaço como Léopoldville os Bazômbo consideram-no um verdadeiro mfilantu: líder.
De ponto de vista a religião, tokoismo parte de uma base de cristianismo africano que perdurou quatro séculos (1491 até 1891), cuja contribuição do protestantismo, do kimbanguismo e o diálogo com kintwadismo de Leopoldville permitiu, logo a partida, seperar “escolas, hospitais e templos” nas suas linhas de acções. Joseph Désiré Mobutu o antigo presidente do Zaire, Congo Kinsâsa escreveu um artigo interessante em 1958 com um título pedagógico, e concluía da seguinte maneira:
“Para permitir, estamos de acordo com a sábia medida da Administração (colonial belga) com relação aos Kintwadistas. Mas, não aceitamos que estes últimos, por falta de qualidade, praticasse a arte de curar”.
É importante explicar resumidamente o que são “kintwadistas”. São africanos com capacidade de predizer as coisas antes de acontecer e conhecimento das práticas locais de curar a partir da medicina tradicional. Será o tokoismo algum kintwadismo?
David Grenfell e as autoridades religiosas do B.M.S. reconheciam na criança Simão Toko Mayimona uma capacidade extraordinária além da inteligência normal (MARCUM, 1969, p.79). Os kimbanguistas e kintwadistas que o seguiram em Léopoldville em 1947 reconheciam nele as inconfundíveis qualidades de um líder libertador, e não apenas inteligente ou visionário. Não se pode se esquecer de que Kibokolo (de onde é oriundo o sacerdote angolano) é herdeiro de uma experiência cristã secular62 e onde as funções sociais dos Nsaku não se confundem. Por pertencer à linhagem Na Mpêmba onde aprendeu as suas específicas funções entre os diferentes Nsaku e ter sido um catequista aplicado, podemos encontrar aqui duas razões que não precipitaram Simão Gonçalves Toko aderir ao kimbanguismo nem ao kintwadismo senão manter uma confraternidade religiosa.
Na perspectiva de Pierre Bourdieu falando do campo religioso (BOURDIEU, 2007, p.39-97) o tokoismo é completamente diferente de kimbanguismo e kintwadismo. Na acepção durkheimiana, os dois últimos constituiriam o messianismo congolês (SINDA, 1972), ao passo que o tokoismo nasce como nacionalismo angolano cristalizando-se na apreciação de Jerry Bender como o sincretismo clássico africano, o que se pode verificar com as posições e críticas de Gwen Lewis e John Pinnock (MARCUM, 1969, p.77).
O proto-tokoismo, que se fundou no coro e mais tarde com Nkutu Nsimbani, pre- estabelece uma visão lógica sobre os benefícios sociais que oferece a cidade de Léopoldville entre 1943 1950. As “escolas, os hospitais e o templo” que caracterizam as primeiras profecias em 1949 especificam por um lado, a separação das funções sociais. Por outro, a visão tokoista embora complementar ao kimbanguismo é específica: a pluralidade laica é um ato fundador e proporcionador do diálogo entre as diferênças dos “ramos” do mesmo “tronco”.
Para terminar, vamos falar brevemente do “ser económico/político e Simão Toko como nacionalista. A actuação deste pastor angolano pode ser desenhada em três ângulos: refutação da renumeração (dentro do B.M.S.); busca das melhores condições sociais (escrivão dos iletrados, freenlacer); criação de uma vontade institucional (coro, Nkutu Nsimbani). Curiosamente esta assemelha-se a trajectória dos nacionalistas clássicos.
O ser “económico/politico” nâo existia ainda em Angola rural na década 1940. O ser económico identifica todo o angolano cuja capital cultural seja rentável o que leva-o a ser um potencial ser político uma vêz retoma a consciência identitária. Os assimilados-cuja pertença no espaço económico era negada pensavam integrar num espaço que não pertenciam de facto. Eric Hobsbawm localiza o proto-nacionalismo na preparação de ideias a uma massa populacional não letrada, de modo que sugere duas etapas paralelas para alcançar o nacionalismo. A primeira etapa que é familiarização das ideias elitistas entre pessoas que redefinem os seus códigos de pertença, partindo da exclusão que sofre, é um processo longo. A segunda, que se constrói na base de tomada de atitude nem sempre todos percebem o cenário da luta e os espaços ocupados é uma trajectória de conflito interno e a conquista de valores para sua plena integração com resultados concretos. No fim do processo os integrantes se descobrem e cultivem os sentimentos de solidariedade (as boas vontades).
Os dois pontos acima enumerados certificam que o proto-tokoismo é um nacionalismo em busca do bem-estar do angolano para salvaguardar e desenvolver o seu território indivisível. Essa postura difere-se do kimbanguismo. Em relação ao kintwadismo, já se nota ruptura epistemológica em 1949 (com a separação de módulos de actuação). O profeta ético Simão TokoMayamona conheceu minimamente a doutrina kimbanguista, o movimento kintwadista (Mpeve a Nlongo) . Mas o tokoísmo tem uma linha definida de forma diferente aos dois precedentes, cuja reserva cultural-religiosa situar-se-ia no Kibokolo (meio rural) e a visão emancipalista africana valoriza o know-how e a auto- suficiência económica (que se verifica nos meios urbanos: Luwânda e Léopoldville). A organização que criara de 1943 até 1949 ainda que seja com várias evidências um chamamento divino para ele e os seus seguidores (GRENFELL, 1950; KUNZIKA, 2015) é sociologicamente percebível na perspectiva religiosa (BOURDIEU, 2007, p.34-97).
Para perceber-se do tokoismo, importa considerar a trajetória histórica que se realiza em pré-tokoismo e em proto-tokoismo. O Pré-tokoismo situa-se no tempo entre 1706 e 1891. Em 1706 os Kôngo para Mbata, entre outras regiões. Mbtata era uma região-reserva dos chefes religiosos do antigo Kôngo (Jadin, 1957: 321- 328). Kibokolo era uma das sedes. Em 1891, B.M.S. escolheu a mesma região pelas mesmas razões (Jonston, 1910), o que aliás se verifica com a administração colonial que instalou em 13 de Janeiro de 1896 o posto militar de Makela Ma Zômbo à Mbôngi (BATSÎKAMA, 2014, p.154). Proto-tokoismo situa-se no tempo entre 1933 e 1949. A primeira data consiste no tempo de início da formação escolar de Simão Toko, ao passo que a segunda é o início oficial do movimento que, já em 1943 e 1944 tinha ganho duas formas: (i) coro; (ii) mutualidade Nkutu Nsimbani.
O tokoismo foi forjado nestes dois momentos, de ponto de vista histórico.64 Mas é preciso bem destrinçar o tokoismo como movimento religioso, do tokoismo como movimento nacionalista65 e o tokoismo como doutrina filosófica.66 Enquanto doutrina, ela é filosófica religiosa (teológica), mas também é doutrina filosófica existencialista.
Nos dias de hoje, o termo tokoismo é utilizado limitando-se na acepção religiosa. Caberá aos especialistas essa tarefa de estudá-lo, para se perceber dos conhecimentos e das práticas africanas com utilidade social, cultural e filosófica.
Conclusão
O profeta ético Simão Gonçalves Toko Mayamona oriundo de uma linhagem de sacerdotes, lançou em 1949 as primeiras bases do nacionalismo moderno angolano, nomeadamente: (i) “amor a si próprio e ao próximo”; (ii) respeito das instituições; (iii) diálogo entre as diferenças. Do ponto de vista histórico/antropológico, o tokoismo é baseado nos valores simbólicos de pertença, prioritizando o diálogo e o respeito das diferenças simbólicas, como essência da construção e manutenção do espaço comum. Do ponto de vista filosófico, o tokoismo é o cultivo de higiene ontológica em cada constituinte social para a celebração colectiva da Paz, através da aceitação mútua das diferenças, na vontade de constituir um acordo dialógico.
Ao estudar as nossas figuras históricas, analisamos ipso facto as heranças simbólicas que nos legaram. Herdámos o nacionalismo da Paz com Simão Toko. Se os políticos aprenderam essa lição no dia 4 de Abril de 2002, cabe agora a toda sociedade cultivar o “o amor a si e ao próximo”, o respetito das instituições e o diálogo entre as diferenças. Este é o caminho para a estabilidade e desennvolvimento social.
Para os teólogos (filósofos, em geral), lançámos aqui um desafio, ciente de que a nossa proposta é incompleta e passível de revisões.
Referências bibliográficas
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