Por Luís Fernando
Sindika Dokolo: Nasci numa casa onde existia a paixão pela Arte”
Sindika Dokolo, 43 anos, um longo e notável caminho de colecionador sem tréguas. A ideia de serem juízos extra-africanos a definirem o valor da nossa ancestralidade medida em peças de arte, perturba-o. Lançou-se numa corrida só para maratonistas de fôlego: recuperar, o mais que puder, relíquias roubadas a África. Os primeiros resultados estão colhidos: Uma estatueta e duas máscaras Mwana Puó centenárias estão de volta a Angola. Não é uma questão de dinheiro nem de perseguição a velhos usurpadores, mas de moral, afirma. O PAÍS conversou com o patrono da Fundação que promove a III Trienal de Luanda. Foram, na verdade, minutos preciosos com um filósofo da Arte e do colecionismo
Comecemos pelo dado curioso de ter nascido a 16 de Março – o mesmo dia, mas de anos diferentes, obviamente – como o seu pai, o senhor Sanu Dokolo. Ele era um salfe made man, isto é, uma pessoa de mérito, agarrada a causas e que perseguia o sucesso; sempre com grande energia, como é descrito, um homem de grande cultura e uma enorme paixão por África e a sua Arte. Sente que herdou dele essa paixão pelas Artes, é genético esse “bichinho” que o transformou nesse colecionador empenhado que conhecemos?
Acho realmente que o percurso que tive ao nível da Fundação, ao nível do meu gosto pessoal pela Arte, tem muito a haver com essa oportunidade única que eu tive de nascer numa casa onde de facto existia essa paixão pela Arte, e onde eu tivesse esse acesso à Cultura Universal mas dum modo mais importante, à cultura africana. Foi uma oportunidade para mim de me construir enquanto indivíduo de dentro para fora, conhecendo primeiro o nosso contexto artístico africano, dando o devido valor à nossa arte, às nossas expressões artísticas que eu chamo clássicas, o que foi para mim obviamente uma fundação muito importante para depois poder interessar-me por outras formas de arte.
E esse de facto é o sentimento da dívida que, de uma certa forma, eu tenho com todos os outros africanos que não tiveram essa oportunidade, o de tornar a Cultura, a Arte, acessível. Costuma-se dizer que essa relação fácil com a arte, de borla digamos assim, desde cedo, desde criança, é um pouco como ensinar aos seus filhos uma língua estrangeira. Há um provérbio que diz que dar a oportunidade de aprender uma língua estrangeira desde criança é como oferecer uma alma suplementar ao seu filho.
E eu vejo muito essa questão do acesso à cultura nesse sentido, é por isso que tem sido esse o nosso principal objectivo ao nível da Fundação, não só querer tentar promover as artes mas facilitar o acesso de um maior número de meus concidadãos à Cultura e à Arte.
Na dimensão em que se move, a do colecionismo, existem evidentemente muitos outros africanos a fazerem o mesmo, com maior ou menor garra. Como é a relação que se estabelece, cooperam entre si ou há uma feroz concorrência?
Em relação a isto não pode haver concorrência, especialmente entre os africanos. Acho que todos nós, africanos que dispõem de meios para fazer viver uma associação cultural ou uma colecção, estamos todos um pouco na mesma situação, na mesma trincheira. Temos a visão, enquanto pessoas integradas num contexto moderno, contemporâneo, universal – hoje em dia todos viajamos, temos acesso à Internet, temos acesso à televisão – e reflectimos sobre todas essas questões que continuam fundamentais, as questões de se saber qual é a postura moral de qualquer africano perante os desafios fundamentais do nosso continente, como a educação, o subdesenvolvimento, a nossa visão enquanto africanos, como olhamos para nós próprios e para o mundo, a questão dos nossos valores…
E claramente que em relação a isso, todos, através do nosso trabalho, estamos a tentar de uma forma ou de outra trazer respostas concretas, construtivas, a essas grandes questões existenciais. É a razão pela qual não há nenhuma concorrência. De vez em quando e sempre que há oportunidade,partilhamos experiências.
Preocupado que se tem mostrado no seu trabalho com a valorização da arte africana no seu todo, tem algum apoio da União Africana ou, no mínimo, existe algum ponto de interseção, alguma aproximação que seja justo referir?
A minha experiência pessoal ao nível da trajectória da Fundação tem sido a de ser mais proactivo do que realmente estar à espera duma ajuda ou dum apoio. E eu acho que é um pouco esse o nosso dever. Nós todos que fazemos parte da sociedade civil, africanos em geral, temos de tentar primeiro fazer e resolver os problemas com os quais estamos confrontados. Então realmente, para ser honesto, ainda não cheguei a esse ponto de tentar identificar ao nível da União Africana quais os sistemas e as pessoas que poderiam realmente nos ser úteis. Prefiro construir de dentro para fora, começar primeiro a trabalhar aqui ao nível angolano com a sociedade civil, mesmo ao nível do Congo (que eu sou também congolês) e trabalhar mais com o nosso governo, com todas as instituições dos nossos países e talvez depois pensar na questão da União Africana, da Europa, do resto do mundo…
O que é certo é que Sindika Dokolo segue o seu percurso…
Prosseguindo: dispomos da informação de que a Fundação de que é patrono trouxe para Angola, numa recuperação notável, duas máscaras Mwana Puó e a estatueta Chi-Hongo, verdadeiras glórias artísticas do espaço antropológico cokwe.
Nós decidimos começar este projecto de procurar pelas obras de arte que foram roubadas de museus angolanos, neste caso específico no Museu do Dundo, das civilizações cokwes, porque 2015 é um ano especial, quadragésimo aniversário da Independência de Angola e pensamos que era um momento interessante para se fazer um pequeno balanço de qual é a nossa perspectiva histórica. A ideia de se fazer esse trabalho de descobrir ou de tentar nos reapropriar dos valores, do património dos nossos antepassados, pareceu-nos ser uma questão fundamental para a nossa sociedade. E de facto eu, que coleciono muito e a minha paixão inicial é a arte clássica africana – que uns chamam de arte primitiva ou tribal mas eu prefiro, por razões óbvias, “arte clássica – descobri que , estudando o mercado, muitas peças antigas (século XIX, século XVIII às vezes), cokwes, bacongo, luvale – só para citar estes três grandes grupos étnicos angolanos – estavam a ser celebradas ao nível do mercado e do mundo numa dimensão que nos escapava completamente a nós, africanos.
Descobri por exemplo que uma estátua muito conhecida na cultura cokwe, chamada chibinda ilunga (chibinda ilunga é o herói mítico fundador da civilização cokwe) hoje em dia, no mercado da Sotheby’s ou da Christie’s, pode custar acima de dez milhões de dólares. Se vir um nkisi konde, da minha etnia de origem, os bakongo, pode custar também na casa dos cinco milhões de dólares.
O que realmente me marcou muito foi considerar como é que era possível que uma coisa que corresponde às nossas raízes nos seja tão estranha, tão desconhecida e tão inacessível, a tal ponto que outros completamente alheios ao nosso contexto, nunca puseram um pé em África, não conhecem as nossas civilizações, a nossa cultura, a nossa contemporaneidade, valorizem mais o que realmente deveria ser nosso. E isso deu-nos a ideia de começarmos a fazer esse trabalho à volta do património. Daí o tema da trienal deste ano que é “Da Utopia à Realidade”, mas a ideia central é “Da Escravatura ao fim do Apartheid”, para justamente criar esse ponto de partida e essa trajectória que nos vai permitir depois nos projectar no futuro de maneira mais forte e mais profunda. Era esse o objectivo.
Para quem não é entendido em Arte cokwe, o que representa efectivamente o património que acaba de ser resgatado?
O Chi-Hongo é uma estatueta de divinação, uma máscara masculina que é utilizada durante um ritual cokwe, sendo que a máscara Mwana Puó é utlizada durante um ritual de passagem à idade adulta. Os jovens rapazes, durante esse ritual, homenageiam as antepassadas do lado matrilinear – a sociedade cokwe é de matriz matrilinear – e então é uma forma de homenagear essas mulheres com uma dança que retoma todas as virtudes da beleza física mas também da beleza moral da civilização cokwe. Celebram-se os valores fundamentais durante esse rito de passagem, a dizer que já não é criança, agora é adulto e é, moralmente de certa forma, depositário desses valores.
Há um elemento que nos chama a atenção. Sabemos que Sindika é da etnia kongo…
Mas também sou da etnia viking, cuidado com essas coisas de etnia (risos). A minha mãe é dinamarquesa, o meu pai era mukongo, mosingombe, etc etc. Faz parte das minhas raízes, claramente…
Tudo bem, mas pela sua raiz africana…
Notamos que, no seu empenho como colecionador de arte africana, que faz incidir muito a sua atenção, o seu foco, sobre a região cokwe, o espaço sociocultural cokwe. Há alguma razão especial para que isso aconteça? Vê algo de diferente, de extraordinário, de “mais puro” digamos assim, naquilo que de artístico se produz no universo cokwe, que se estende, como sabemos, por Angola (região Leste), Congo Democrático e Zâmbia?
Obviamente que há questões estéticas; quando se olha para a estatuária cokwe, para a estatuária kongo, há de facto um prazer, o olho na estética, a força dessa expressão artística. Mas ao mesmo tempo eu que sempre pensei ter duas colecções, uma de arte contemporânea e uma de arte clássica, aprendi a analisar e percebi que afinal o que eu gostava de arte era a “Arte Poderosa”, ou seja, a arte que choca com a minha sensibilidade. E ao ler Picasso, percebi, descobri, e ele chamava a isso “arte do exorcismo”.
Ele estava a descrever num livro que eu li há pouco, a sua primeira experiência, que foi em 1907, ou seja, há mais de cem anos atrás…Ele era um jovem pintor, artista, vivendo em Paris, foi a um mercado onde vendiam arte africana e a primeira reacção dele, foi uma reacção de desconforto. Ele disse: “isto parece bruxaria, são objectos que parecem dotados de alma”. E é exactamente isso que interessa na arte transversal, essa ideia da “arte poderosa”, da “arte do exorcismo”. A tal ponto que estamos a trabalhar ao nível da Fundação na criação de um movimento artístico que chamamos “The Power for Art” – arte poderosa ou do exorcismo -. Porque, fundamentalmente, descobrindo a relação dos nossos antepassados com a prática artística, podemos trazer muito ao debate sobre Arte Contemporânea, porque de facto eu acho que um bom artista africano, um bom artista como é o caso do Jean-Michel Basquiat, do Barceló, do Picardiá, do Picasso, são nomes importantes da Pintura, da Arte Moderna Contemporânea, e para mim são imagens grandes dessa “arte poderosa” e nós africanos somos depositários dessa prática artística.
Falando das máscaras cokwes, por exemplo: uma máscara cokwe é vista pelo mundo como uma obra de arte. É a máscara mais natural; a máscara não é a Arte, a Arte é a performance, essa maneira de entrarmos todos em transe, esse momento completamente único, onde a máscara é apenas um “media” para chegar a outro ponto, a um outro ponto além da percepção consciente, além da percepção intelectual.
E eu acho que é da mesma forma que os artistas africanos têm de ir às fontes dessa prática artística para inspirar a sua prática artística actual. Nós temos muito material, na cena artística obviamente, mas também na sociedade de todos nós, para redescobrirmos o que valor fundamental intrínseco das nossas tradições, das nossas culturas tradicionais…
Uma questão de transcendência, portanto…
Exactamente!
Bom, o que é certo é que as três peças cokwes de grande valor simbólico, patrimonial, estão de volta a Angola. Como é que os angolanos podem celebrar tudo isto, que é qualquer coisa de notável? Como é que os cidadãos se vão aproximar a elas?
Estão previstas duas fases neste processo de retorno dessas peças importantes do património nacional: a primeira, queremos criar um quadro solene de maneira a marcar o nosso imaginário colectivo; viver-se um acto político e simbólico muito importante e muito forte, que não deve passar despercebido; a ideia era que a primeira pessoa a poder ver essas duas máscaras e essa estátua do rito de iniciação seja o Senhor Presidente da República na presença dos reis cokwes, para marcar justamente a importância simbólica deste acto.
Na segunda fase, nós queremos ao nível da Fundação – como aliás tem sido sempre a nossa preocupação– tornar esse património acessível ao maior número de cidadãos; então nós decidimos, primeiro, aqui no Palácio de Ferro – que durante um ano vai funcionar como a sede da Fundação ao longo desta Trienal -, expor essas três peças, como também bastante material científico de apoio, justamente para que as pessoas possam conhecer, descobrir mais sobre o que é que são essas tradições, o significado, etcêtera, etcêtera, e o que foi a história fundamentalmente desse património, como é que saiu de Angola, como é que foi valorizado pelo mercado, no mundo, e como é que regressou a Angola.
A ideia é tornar o acesso completamente livre, gratuito obviamente.
Temos também com o BNA um acordo para que, quando se fizer a inauguração do novo Museu da Moeda – que fica mesmo ao lado da esplanada do BNA – se possa expor, além do resto do material museológico, essa estatueta e essas máscaras. A ideia é tentar justapor a ideia de património com a ideia de valor pois acho que é fundamental que esse trabalho de reapropriação, esse trabalho conjunto, colectivo, profundo, sobre os nossos valores, sobre o nosso património, possa ser feito pelo maior número de pessoas.
Duas perguntas agora: participei há umas semanas na conferência que a Fundação organizou no hotel Epic Sana e fiquei com a percepção que o seu patrono não gosta muito de se referir a números, ao custo das peças de arte, mas é mais do que óbvio que normal nas pessoas que quererão saber que valores estiveram envolvidos na recuperação das três peças cokwes; é a primeira questão. A outra, O PAÍS gostaria de saber se a Fundação e o seu patrono têm listadas outras peças de grande valor que tenham sido roubadas de Angola e se estão eventualmente no seu encalço para que as possam trazer de volta também para o país?
A questão do valor, obviamente, é uma questão que interessa a toda a gente. O valor de mercado dessas peças hoje em dia seria de natureza a surpreender o público de uma maneira geral. Para a maioria dos angolanos, nós não temos essa consciência, essa noção, do tipo de preço que estas obras de arte podem atingir. Aí estamos a falar talvez na casa dos cem mil ou cento e cinquenta mil dólares, às vezes muito mais. A arte cokwe pode chegar realmente a preços muito elevados.
Vou falar-lhe de uma estátua chibinda ilunga, por exemplo: acho que houve uma proposta que foi feita em tempos pelo Qatar para comprar a um privado americano a quinze milhões de dólares e o privado recusou. A questão fundamental qual é? Essas obras de arte foram roubadas, é um problema grave. Um roubo significa que, logicamente, a obra deve ser confiscada à pessoa; o detentor dessa obra devia ser provavelmente castigado…
Preso…
Bom, preso não sei… mas entendo que deveria enfrentar a Justiça. E então nós, ao nível da Fundação, estudámos as várias experiências, estudámos o modelo grego. O modelo grego é muito interessante. O Museu da Acrópole, que é relativamente novo, que foi muito bem feito, em Atenas, tem uma ala dedicada a Partenon na sala principal, que faz talvez 20 metros de comprimento (é um quadrado de 20 metros); tem grandes pedaços de uns 10 metros em gesso completamente em branco. Então quando visitava o museu com os meus filhos, o meu filho mais novo fez uma pergunta curiosa ao guia: “porquê é que vocês não fizeram um acabamento melhor com pelo menos uma placa explicativa do que aconteceu…pensamos todos que isto foi destruído por um terramoto ou alguma coisa do género”. O guia respondeu-lhe: “nós fizemos isto em branco de propósito para que todas as crianças gregas que visitarem este património fundamental da nossa História, da nossa nação, saibam que aquela parte do nosso património foi roubada e está hoje em dia em Londres, no Road Museum”. Isto é interessante. E os gregos têm fé que se vai devolver, daqui a cem anos, daqui a mil anos, leve o tempo que levar! Mas eu pensei realmente: “eles que pertencem a uma mesma família política, que é a União Europeia, não se conseguem entender, duzentos, trezentos anos depois daquilo ter sido roubado , não conseguiram ainda resolver o problema!”. Quando construíram o novo museu, consideraram que é tão importante o que foi levado que previram a sua recuperação. E é para que os ingleses não usem o argumento de que a Grécia não tem condições para acomodar essas obras, pois às vezes este costuma a ser o argumento com África, com o Egipto, etc. etc. Então concluí que vamos ter de encontrar uma outra via mais pragmática, mais concreta, mais imediata. E estudámos então a experiência da Nigéria. A Nigéria tem uma etnia chamada ifé que produziu e tem produzido obras excepcionais (às vezes terracota mas também de metal, estruturas dos séculos XIII, XIV, XV…). A Nigéria decretou uma espécie de embargo sob o mercado que proíbe a venda pública de obras originárias do reino de Ifé. Essa medida teve como consequência o mercado parar com todas as transações mas o mercado converteu-se em underground e tornou-se muito difícil encontrar obras do género. Não sei se o Museu Real Ifé conseguiu recuperar muitas peças.
Nós temos de ter uma postura que seja ao mesmo tempo muito rigorosa do ponto de vista jurídico mas de uma certa forma temos de encontrar uma fórmula que deve ser mais funcional. Daí começou uma abordagem que acho revolucionária ao nível dessas questões ligadas ao património, que é a questão de dizer ao detentor: “olha, pagamos-te uma indemnização”. Ou seja, não vamos pelo preço de mercado, vamos dizer que o preço de mercado é cem, identificamos uma obra que saiu ilegalmente do Museu do Dundo por exemplo, vamos ter com o proprietário actual, apresentamos-lhe as provas e propomos-lhe ou a via judicial – geralmente eles não gostam desta perspectiva – ou a proposta da Fundação, que é negociar uma indemnização , ou seja, a Fundação propõe-se a pagar o mesmo valor pelo qual o detentor adquiriu a peça …
Bom, mas voltando às nossas três peças cokwes, não vou dizer o preço, não vou dar a identidade das pessoas, faz parte do acordo que eu fiz com elas….
Mas pode ao menos dizer-nos se estavam em mãos de particulares…
Sim sim, estavam em mãos de particulares, de colecções privadas. Eu comprei, paguei, indemnizei – rectifico, não digo que eu comprei porque não são minhas,são do museu, são de todos nós, de todos os angolanos –, pagou-se ¼ do valor de mercado dessas peças e as pessoas, os detentores, preferiram oferecer as peças. Eu enviei um convite para eles para que, depois da exposição aqui na Trienal, viagem a Angola para irem comigo até ao Dundo para devolvermos as peças na presença do rei dos cokwes porque, fundamentalmente, do que se trata não é uma questão de dinheiro, não é uma questão legal, mas é uma questão moral e humana. Nós, africanos, temos de exigir consideração. Esta opinião que defendo é a base fundamental de uma relação bilateral equilibrada.
Pode-se saber se eles aceitaram o convite?
Na verdade eles ainda têm um ano pela frente para decidir mas acho que eles ficaram um bocado receosos. É normal, não conhecem Angola, têm uma imagem feita de fora, são sempre vítimas, de certa forma, de uma ideia preconcebida mas temos de fazer-lhes sentir o que é a nossa realidade. Sabemos que lá fora, ao descobrirem a nossa realidade, a qualidade hoje em dia do angolano, a riqueza moral, a generosidade, a capacidade de acolhimento, a abertura de espírito, a modernidade do angolano de 2015, eles ficam admirados, deixam-se depois convencer, querem descobrir mais sobre a nossa realidade…
Bom, vamos acreditar que eles venham a aceitar o convite e que viagem para Angola. Vamos agora falar propriamente sobre a Trienal. Reparamos que a Fundação não faz uma abertura formal do evento. Neste momento, já estamos na Trienal ou ainda não?
– Estamos na Trienal já. Este ano, como é um ano especial pela celebração dos 40 anos da Independência, decidimos fazer a Trienal durante um ano inteiro. O objectivo da Fundação é que a Trienal seja recebida ao nível do público angolano, como a sua celebração, a sua festa. Não é aquela ideia, costumo dizer, eu vou à cozinha preparar a comida e vocês ficam à espera, depois trago à mesa, e se tiver muito sal vamos ter de comer todos à mesma. Eu gostaria que esta seja a festa de cada um, que o maior número de cidadãos possa participar.
Essa particularidade de se organizar as coisas assim só existe em Luanda, não há em nenhum outro sítio, a ideia de criar um museu a céu aberto. Durante a última Trienal a aposta que nós fizemos foi muito interessante, foi inclusive analisada por muitas instituições no mundo. Hoje em dia o conceito de museu é um pouco ultrapassada quando se trata do desejo de uma pessoa contemporânea de evoluir com a sua sensibilidade artística, de ver coisas, de descobrir, de passar um momento cultural. Da mesma forma que talvez possa estabelecer um paralelo – sem querer criar polémica, eu sou católico – com o que acontecia no passado: há quinhentos anos, obviamente que a ideia de quem queria abordar a sua espiritualidade, a arquitectura de uma catedral era uma coisa que lhe ia inspirar. Hoje em dia, um jovem ou menos jovem, uma pessoa contemporânea, cria um reflexo que o aproxima mais à Natureza, o Ambiente, o ar livre, para conceber a ideia divina. E para mim também ao nível da Cultura e da Arte é a mesma coisa. A ideia de um museu é um pouco “ontem”, tem de se repensar isso, porque infelizmente isso faz com que cada vez menos e menos pessoas, menos e menos jovens (mesmo nos países onde há muitos museus) têm interesse em visitar museus.
O conceito que a Trienal criou para ter os actores requisitados da cidade de Luanda a projectarem mensagens, a projectarem a Arte e a fazer de Luanda um museu a céu aberto, é uma ideia que é muito específica da Trienal de Luanda e tem muito a haver com a identidade, com a História, de como as artes contemporâneas têm evoluído na nossa sociedade do pós-guerra em Angola.
O homem da mais importante colecção de arte africana
Sindika Dokolo nasceu em Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, em 1972.
O pai, Augustin Sanu Dokolo, é descrito como um congolês de vida discreta a respeito de quem se sabem poucos detalhes da vida privada. Foi dono de uma empresa de táxi e uma casa nocturna em Leopoldville (Kinshasa, hoje) onde o camaronês Manu Dibangu afirma ter iniciado a sua carreira musical. Em 1969, chamando-se ainda o país Zaíre, o impetuoso empreendedor lançou-se no projecto mais ambicioso da sua vida: fundou o Banco de Kinshasa, o primeiro banco ao sul do Sahara com capitais nacionais. Arrancou com um capital inicial de seiscentos mil dólares, uma colossal fortuna, à época.Sindika Dokolo é o penúltimo de quatro irmãos. Dedica-se a negócios e coleciona arte. Detém a mais importante colecção de arte africana contemporânea, com um acervo de aproximadamente cinco mil obras.
Desde os 15 anos de idade que estrutura, peça a peça, a sua vasta colecção.
É patrono da Fundação que leva o seu nome, por via da qual tem promovido diversas iniciativas artísticas e culturais. A Trienal de Luanda, que de Novembro deste ano a Novembro de 2016 movimenta a sua terceira edição, é dos mais visíveis eventos da Fundação Sindika Dokolo.
Reside em Angola desde 1999. Casado com a empresária Isabel dos Santos.
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