TIAGO QUISSUA EDUARDO ARMANDO, jovem uigense estudou ao ar livre e faz a segunda licenciatura

Por Rui Filipe Ramos

O meu convidado de hoje dos CAMINHOS DA VIDA no Jornal de Angola é TIAGO QUISSUA EDUARDO ARMANDO. Jovem uigense estudou ao ar livre e faz a segunda licenciatura.

No Hoji ya Henda, junto à Tornang, descarregou camiões vindos da Namíbia com cortinados e lençóis para conseguir alguns valores para pagar propinas atrasadas. (Rui Ramos).Tiago Quissua Eduardo Armando nasceu no Uige, em 1990, filho de Samuel Armando, funcionário público, e de Maria Eduardo Quibando, comerciante.

Quissua, para os uigenses, e Tiago, para os luandenses, nasceu num dos bairros mais famosos do Uige, o bairro Candombe Velho, e é o mais velho entre 5 irmãos. “Foi nos becos lindos e entre montanhas do bairro onde passei a infância e adolescência até à fase adulta”.

No princípio da década de 1990, depois das eleições de 1992, toda a família de Tiago Quissua foi forçada a abandonar a cidade e fugir para o município do Bungo, terra natal dos pais, por causa da guerra.

Foi lá onde comecei a ter a noção da realidade porque foi nessa altura que o meu pai foi preso pois alguém “informou” que ele era polícia e então prenderam-no, porque era considerado “antimotim” aos olhos da UNITA.

Em 1996 a família regressa à cidade do Uige, para o Bairro Candombe Velho, e começa a sofrer de fome extrema.
Tiago Quissua inicia os estudos na Escola 295 Candombe Velho, com os professores Santos Capote, Liliana Cardoso e Mabiela.

Pela escassez de materiais escolares e de infra-estruturas, da iniciação à 2ª classe estudei ao ar livre e sentado numa lata de leite. Os cadernos eram doados pela UNICEF e no verso vinham figuras alertando para o perigo de minas. Em casa tínhamos de esperar o milho, o feijão e os cobertores oferecidos pelo Programa Mundial de Alimentação.”

Devido às enormes dificuldades financeiras, a mãe começa a vender peixe congelado, carvão, açúcar e arroz no Negage. “Desde muito cedo na minha adolescência tive de vender no mercado quando saísse da escola enquanto a minha mãe ia para outro mercado.”

Depois, tinha Tiago Quissua 10 anos, passou a vender nas ruas da cidade, na antiga feira, onde hoje é o Nosso Super, roupas de fardo e detergente em pó Omo Klin, até à praça do “Vai-te embora” juntamente com o irmão Kiesse.

A adolescência de Tiago Quissua ficou marcada pelos banhos no rio Candombe, na lagoa do Pina, pela subtracção de óleo nos motores da antiga fábrica de gasosa Bangola do Norte para colocar nos rolamentos das trotinetas.

Mas Tiago Quissua nunca deixou a escola, porque os pais eram muito rigorosos e, apesar das quase intransponíveis dificuldades financeiras, o jovem terminou o ensino médio no PUNIV.
Em 2011, Tiago Quissua convence a muito custo os pais de que deve ir para Luanda para dar continuidade aos estudos de nível superior.

Posto em Luanda, no mesmo ano ingressa na Universidade Católica de Angola no curso de Psicologia Clínica e passa a morar com os tios no Bairro Sapu, zona de muita criminalidade. “Foi difícil para mim ter de adaptar-me à nova realidade, surgiram problemas de atraso de propinas, muitas vezes fui expulso em pleno exame, quantas vezes tive de sair da Universidade a pé até casa, passando pelo Capolo, Kimbango, Baquita, até à Praça Nova, e muitas vezes ficava na Universidade a estudar porque no bairro não havia electricidade.

Quando fosse passar o final de semana no Hoji ya Henda, na casa de outros tios, Tiago Quissua, com amigos e vizinhos, ia “nguivar” (descarregar) camiões na antiga Valoeste junto à Tornang, porque era lá onde os camiões que vinham da Namíbia com cortinados e lençóis descarregavam, para conseguir alguns valores para pagar propinas atrasadas.

Em 2013 frequenta um curso de Biblioteconomia e no final, devido à boa classificação, ganha o seu primeiro emprego na Biblioteca da Universidade Católica de Angola. “Marcos Mayembe Paulo (para mim um pai) actual director, acreditou em mim, comecei a trabalhar, de manhã ia às aulas até as 12h30, às 13h começava a trabalhar até as 21h e regressava muitas vezes a pé para a Sapu.”

Em 2014 o professor Laurindo Miji Viagem, devido ao seu bom desempenho numa formação em Metodologia de Investigação Cientifica, convidou-o para seu assistente estagiário, até aos dias de hoje.

Dois anos depois Tiago Quissua é graduado em Psicologia Clínica e no mesmo ano inicia uma segunda licenciatura em Relações Internacionais no Instituto Superior de Relações Internacionais do Ministério das Relações Exteriores (Mirex). “Foi um desafio porque trabalhava e estudava de noite, foi muito duro mas finalmente, em 2019, terminei a parte curricular.

Em Outubro de 2019 Tiago Quissua lança o seu primeiro livro, “Introdução à metodologia de investigação científica: uma abordagem prática, simples e sistemática para estudantes do ensino superior.”

Actualmente, Tiago Quissua é professor assistente e bibliotecário na Universidade Católica de Angola e chefe de Departamento da Biblioteca do Instituto Superior de Relações Internacionais do Mirex.

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