TURISMO CULTURAL NO ESPACO MBANZA KOONGO/ ANGOLA. OPORTUNIDADES E DESAFIOS

Por Nsambu Vicente (*)

Resumo: O presente artigo aponta algumas considerações que visam avaliar o desenvolvimento sustentável do turismo cultural no espaço Mbanza a Koongo, província do Zaire. O objetivo incide em apresentar breves linhas que possam vir a rentabilizar os bens materiais e imateriais do município de Mbanza a Koongo, lugar classificado Patrimônio Histórico da Humanidade em 2017. Para a escolha do tema, deteve-se duas razões fundamentais, a saber: Mbanza a Koongo é a antiga capital do Estado Koongo e, com uma história de dimensão mundial; É um sítio classificado Patrimônio Histórico da Humanidade desde o dia 8 de julho de 2017, mas que até agora apresenta muitas insuficiências no que concerne à sua divulgação. Em relação à estratégia de investigação, utilizamos a pesquisa bibliográfica e documental. Igualmente, fizemos uma

investigação no terreno que incluiu três  viagens onde observamos e dialogamos com alguns atores sociais daquele espaço. Este aporte facilitou construir um conjunto de reflexões que pensamos vir ajudar a rentabilizar Mbanza a Koongo. Em relação aos resultados, constatamos que, embora o sítio seja patrimônio histórico da humanidade, os reflexos em sustentabilidade, até agora, não são visíveis no seio da população local.  Esperamos que este estudo traga contribuições que possam melhorar as insuficiências que o espaço apresenta. Palavras-chave: Mbanza a Koongo. Património Histórico. Turismo Cultural. Sustentabilidade.

Introdução

O presente artigo aponta algumas considerações que visam avaliar o desenvolvimento sustentável do turismo cultural no espaço Mbanza a Koongo, província do Zaire, onde se objetivou dialogar sobre a sua importância econômica para o desenvolvimento sustentável das populações locais. A necessidade de se contemplar com o olhar histórico-antropológico para os bens materiais e imateriais de Mbanza a Koongo, enquanto patrimônio cultural da humanidade, busca recuperar a memória coletiva do povo angolano, em particular das comunidades locais, dado que, o espaço antes deu testemunhos da sua riqueza cultural quando teve o primeiro encontro no século XV com o Ocidente na região do Mpinda .

Certamente, o impacto que o turismo cultural em Mbanza a Koongo pode possuir, está hoje dependente do “esforço” que, as autoridades locais planificam, à luz das orientações da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e do regulamento interno do Comitê de Gestão Participativo do Centro Histórico de Mbanza a Koongo, criado pelo Decreto Presidencial  n.º 178/ 15 de 28 de setembro.

No que concerne ao plano de classificar Mbanza a Koongo como Patrimônio Mundial da Humanidade, é uma preocupação antiga do governo angolano, atendendo à dimensão mundial da história do reino do Koongo. Por esta razão, uma série de atividades foram organizadas com a finalidade de criar as condições para o alcance do propósito.  De acordo com Ziva Domingos (2013):

É nesta perspectiva que, desde 2007, a ideia surge, quando o então Ministério da Cultura por meio do Instituto Nacional do Património Cultural se lançou como desafio a inscrição do sítio histórico e arqueológico de Mbanza Kongo na Lista do Património Mundial da UNESCO. Várias acções estão a ser desenvolvidas em parceria com o Centro do Património Mundial, o Fundo para o Património Mundial, Africano e as Universidades Angolanas, Africanas e Europeias. (DOMINGOS 2013, p. 262).

A priori, uma das primeiras atividades realizadas foi o projeto “Mbanza Congo, cidade a desenterrar para preservar 3 ”, que tinha como intenção, a inscrição desta região no plano mundial por corresponder a capital do antigo Reino do Koongo.

Em virtude da pouca divulgação que o lugar tem tido, com a finalidade de contribuir para o seu desenvolvimento sustentável, o presente estudo visa apresentar breves linhas que possa auxiliar a rentabilizar os bens materiais e imateriais do município de Mbanza a Koongo, lugar classificado patrimônio histórico da humanidade desde 2017 durante a 41.ª sessão da UNESCO comissão que reunira em Cracóvia, no sul da Polônia.

A escolha do tema justifica-se por duas razões, a saber: Mbanza a Koongo é a antiga capital do Estado Koongo e, com uma história de dimensão mundial; É um sítio classificado patrimônio histórico da humanidade desde o dia 8 de julho de 2017, mas que até agora apresenta muitas insuficiências no que concerne à sua divulgação.

Em relação à estratégia de investigação que utilizamos, primeiramente consultamos os dados bibliográficos a abordar sobre a temática que encontramos no Arquivo Nacional de Angola e Biblioteca Nacional, embora diminutas. Com a finalidade de colher mais dados no terreno, efetuamos quatro viagens para Mbanza a Koongo; inicialmente serviu para observar as principais mudanças que o espaço apresenta desde que foi classificado Patrimônio Mundial.  Em seguida, dialogou-se com alguns munícipes, como, por exemplo, mototaxistas e manifestantes, embora de maneira informal para saber os seus anseios em relação ao patrimônio. Em seguida, se fez leituras em certos jornais onde encontramos entrevistas de certos munícipes de onde vem expresso o seu anseio na ocasião do aniversário dos quatro anos da classificação daquele espaço a Patrimônio Mundial da Humanidade.

Por fim, consultou-se a documentação do parecer sobre a proposta de regulamento interno do Comitê de Gestão Participativa do Centro Histórico de Mbanza Kongo, o Decreto Executivo que aprova este mesmo Comitê, datado de 18 de julho de 2016.

Ressalta-se que, sempre que nos deslocamos para aquele território, coincidia com manifestações promovidas pela juventude que apresenta sinais de insatisfação devido à pouca atenção que a zona tem merecido da parte do governo central.  Enquanto andávamos nas ruas, verificamos as dificuldades que os motoristas e os motos táxis passam para abastecer os seus meios de transporte.

Ocupação de Mbanza a Koongo pelos seus primeiros habitantes e a formação das instituições

Ressaltar-se que, a ocupação de Mbanza a Koongo pelos seus habitantes é muito antiga, situção que contraria o que a historiografia europeia postula de ter sido ocupado apenas no século XIII. Em seus estudos, Jan Vansina, verificou isso quando afirma, “os Koongo constituem um grupo etnolinguístico que ocupa um território que se estende do Gabão meridional ao planalto de Benguela 5 e do Oceano atlântico até além do rio Cuango” (VANSINA 2010, p.647).

Ainda no mesmo cômputo, Patrício Batsîkama (2014, apud POSNANSKY 2010, p. 591) partilha a mesma ideia ao sugerir que, antes do século VII a.C., os Mbangala, oriundos das regiões setentrionais do Zimbabwe, ocupam o sudeste de Angola. Foi talvez nessa região que se terá formado um dos primeiros Estados pré-Kôngo.

Então, em relação à ocupação Mbanza a Koongo, Vansina (2004) citado por Batsîkama (2014) comenta:

Desde pelo menos 400 a.C. os agricultores falantes de línguas bantas ocidentais estavam instalados ao Norte e ao Sul do baixo Zaire, ali cultivando inhames, legumes e palmeiras. Entre os séculos II e V, tal povoamento foi reforçado pela chegada, pelo Leste, de comunidades falantes de língua bantas orientais. Essas comunidades cultivaram cereais e criavam bovinos onde a mosca tsé-tsé o permitia, principalmente em Angola. Antes dessa chegada, a metalurgia do ferro penetra na região a partir do ano 100, ou talvez mais cedo. Por fim, a cultura da banana veio completar o sistema de produção, talvez no decorrer do século VI. (VANSINA 2004, p.648 Apud BATSÎKAMA, 2014, p.22).

Como se pode observar, trata-se de uma ocupação remota e sua população com vasta experiência nos mais variados aspectos da vida social, econômica e cultural.

Outrossim, Batsîkama (2014), entende que, quando as populações ocuparam a região atual de Mbanza a Koongo, duas instituições já estariam muito desenvolvidas, pois permitiram a união das populações que eram provenientes de diferentes regiões. Contudo, o autor não faz menção quais terão sido essas organizações.  Julga-se, talvez, sejam as linhagens que se formaram, como, por exemplo, Mpanzu, Nzinga e Nsaku. Contudo, o autor sugere que a memória antropomorfiza essas instituições em doze chefes ou hidromorfizou em doze nascentes de águas que são origem inseparável dos Koongo.

O autor ainda apadrinha que Mbanza a Koongo é tido como a origem de todos os Koongo; não só pelo seu significado literal (capital do Koongo), mas também, por ser o local que terá testemunhado a institucionalização de amizade entre os diferentes grupos populacionais oriundos de vários horizontes, a saber:

[…] foi ali que se criou Kôngo/União. A memória local, a linguística histórica/comparada e a arqueologia apontam para três origens: as populações oriundas do Sul eram proto-Njila, os grupos populacionais vindos do Norte eram proto-bantu e finalmente, os oriundos de Nordeste eram híbridos dos dois precedentes: proto-Njila e bantu. (BATSÎKAMA, 2014, p. 23)

Avalia-se ter sido o lugar de afirmação de alianças e afinidades que se encontram, por exemplo, nos topônimos como Lunda (floresta) e Lueji (rio) no espaço Mbanza a Koongo. John Thornton (2000) também sugere que Mbanza a Koongo é um lugar de identidade e memória para os bakongo. Por outro lado, a cidade é um produto de seu status como uma cidade sagrada, não somente uma capital política, mas um local de grande significado religioso e um grande centro populacional (THORNTON, 2000, p. 67). Para este autor, as inúmeras guerras civis que Mbanza a Koongo enfrentou nos meados do século XVII, destruiriam a cidade, transformando-a em ruínas. Em consequência disso, Mbanza a Koongo foi constantemente abandonada pela sua população, mas mesmo assim, a cidade não perderia a sua relevância, por ser o único espaço onde se poderiam coroar os soberanos nkongo (Idem).

A demais, Maret (2001) compreende que, Mbanza a Koongo foi sempre habitado porque, além da fertilidade do solo e a presença de fontes de água, a escolha pelos fundadores, também considerou as questões de defesa militar. Contudo, apesar dos constantes conflitos, o espaço voltou a ser ocupado no início do século XVIII e, desta vez, nunca mais deixou de ser habitado. Da mesma forma, ainda que não tenha recuperado o seu poderio inicial como, por exemplo, o centro político e administrativo, passava a ser um lugar simbólico que conserva até atualmente a sua identidade.

Em vista disso, Mbanza a Koongo destaca-se entre as cidades com um valor histórico por ser a sede do poder político koongo e ter desempenhado o papel do lugar de configuração de alianças e de parentescos, localmente denominadas kanda (clã).

Enquadramento histórico-social e jurídico do turismo cultural em Mbanza a Koongo

A preocupação da abertura de Mbanza a Koongo com o exterior é antiga. Os seus soberanos tiveram desde cedo a ideia de cooperar com outros Estados para dar a conhecer a sua organização. Tal foi, por exemplo, o envio do primeiro embaixador do Koongo para o Vaticano, o Nsaku Ne Vunda em 1608. Esta personalidade, para além de levar as preocupações da invasão que o Koongo vivia por parte dos europeus que lá se encontrava, a ocasião, serviu também para abordar sobre o potencial natural que o espaço apresenta(va).

Infelizmente, a riqueza cultural de Mbanza a Koongo ainda carece de ser explorada até agora, talvez, porque se faz pouca divulgação da parte de quem tem a responsabilidade de o fazer.  Apesar da possível valorização que tem sido dada ao espaço, segundo Batsîkama (2012), o espaço possui  um riquíssimo patrimônio cultural material e imaterial e representa um dos mais antigos da África subsaariana, mas, ainda não é geradora de receitas.

 Ademais, seguindo a linha de raciocínio de Batsîkama, Richards (2005) apresenta os dados da União Europeia que  indicam que o turismo cultural, é atualmente, por toda a Europa, um agente importante da economia e desempenha  um papel fundamental na mudança social e empresarial que o “velho continente” tem vivido.

Com efeito, falar do turismo cultural em Mbanza a Koongo, significa dizer o que se deve discutir sem reservas, tendo em atenção a importância desta atividade econômica no desenvolvimento sustentável das populações. É interessante ver como essa atividade em outras geografias provou e continua a provar o seu caráter transversal no panorama econômico das  sociedades humanas e, manifesta-se como uma oportunidade estratégica para o desenvolvimento sustentável das populações. Por analogia, caso Mbanza a Koongo siga o mesmo exemplo, certamente alcançará tal pretensão.

Por este motivo, há muitas razões que devem ser avaliadas localmente para conformar o turismo cultural à altura da dimensão histórico-cultural daquele sítio na África Central.

Entretanto, para ser uma realidade, carece de uma reflexão sustentada por acadêmicos, conforme faz referência o artigo 8.ª que faz menção do órgão consultivo que é o Conselho Científico de Gestão Participativo, entre as várias atribuições, por exemplo, participar na execução de projetos de trabalhos de investigação científica.

Desta forma, entende-se, o turismo cultural, mais do que qualquer outra atividade econômica, deve combinar de forma dinâmica recursos endógenos e exógenos, que uma vez corretamente direcionados em Mbanza a Koongo, proporcionará uma série de benefícios culturais, sociais, econômicos.  Todavia, há uma necessidade de consciência aberta da parte dos governantes locais para permitir os interessados investirem, atendendo as prerrogativas atribuídas no Decreto Executivo n.º 006/2016 de 18 de julho ao Comitê de Gestão Participativa do Centro Histórico de Mbanza a Kongo no seu regulamento interno.

Importa ressaltar que, apesar da abertura que o regulamento dá,  é necessário se ter  a consciência que a atividade do turismo naquele espaço, se for mal programada e se esquecer da intervenção dos atores locais em todas as fases do processo, pode provocar certos riscos, como, por exemplo, a não passagem de testemunho de geração a geração o que pode causar efeitos nocivos e irreparáveis para o patrimônio imaterial e, consequentemente, colocar em causa o desenvolvimento cultural das populações. Assim sendo, é urgente o reforço de saberes como espelha o quadro de pessoal do Comitê Participativa do Centro Histórico de Mbanza a Koongo para o seu efetivo funcionamento.

Por conseguinte, sob formas a avaliar o impacto do turismo cultural em Mbanza a Koongo, a estação de televisão TV Zimbo 7 , nas vésperas do terceiro aniversário da classificação daquele sítio a patrimônio cultural da humanidade, realizou um debate. Deste diálogo, os resultados sugeriram que o impacto é negativo 8 . Por mais que haja essa insuficiência, também há necessidade que as condições indispensáveis para o efeito sejam criadas, como, por exemplo, a aplicação do plano Diretor Turístico de Mbanza a Koongo, o diálogo permanente com a população local. Caso se faça, julga-se serem os complementos fundamentais para estimular o desenvolvimento sustentável a curto e médio prazo.

Por outro lado, a constatação acima referenciada, no presente estudo, interessa lembrar que, o turismo cultural em Mbanza a Koongo, pode contribuir como cartão postal para Angola, dado que, foi nesta região, concretamente no município do Nsoyo (Soyo) onde desembarcou a primeira caravana portuguesa em 1482 chefiada por Diogo Cão.

Mbanza a Koongo, o lugar de oportunidades e desafios no século XXI: que perspectivas?

Richards (2005), comenta que os destinos turísticos onde se destacam os aspetos culturais que atraem mais turistas, veem a sua produção estimulada e por consequência sentem-se mais seguros. Ora, sendo Mbanza a Koongo patrimônio mundial da humanidade, como os gestores têm rentabilizado aquele sítio? Que impacto tem provocado ou provocará na vida das populações locais?

Em resposta às questões colocadas acima, pensa-se que o impacto tem sido pouco. Durante as deslocações do pesquisador Mbanza a Koongo tal como já se referiu, observou-se que a população não sente o impacto da classificação daquele lugar enquanto patrimônio mundial da humanidade.  Não existem projetos visíveis até agora, embora existam condições para esta possibilidade. Por causa disso, o mercado turístico de Mbanza a Koongo ainda não é competitivo se comparado aos outros destinos turísticos mundiais, dado que, as estratégias turísticas que podem divulgar o espaço ao nível nacional e internacional são pouco exploradas. Isso acontece, talvez, por ausência de diálogo inclusivo entre os especialistas e a comunidade local. Por conseguinte, para que Mbanza a Koongo tire vantagens da categoria que possui, é preciso que os seus gestores tenham noções sobre o que é turismo cultural e as vantagens que poderá trazer para o desenvolvimento local tal como sugerem alguns autores que afirmam o espaço ser rico em matérias de patrimônio material e imaterial, mas, não é devidamente divulgado.

Essa situação, empobrece cada vez mais aquele local no norte de Angola. Por isso, é fundamental que haja mais abertura de maneira a criar-se projetos viáveis que garantam o desenvolvimento socioeconômico daquela zona enquanto patrimônio cultural da Humanidade.

Ora, aquando da celebração dos quatro anos de aniversário da classificação de Mbanza a Koongo o Patrimônio Cultural da Humanidade, muitos jornais, como, por exemplo, a DW África, denominava na sua edição de 7 de agosto de 2021 o seguinte título: “Mbanza Congo: Elevação a Patrimônio da Humanidade não trouxe mudanças”.  A razão desse título, possivelmente, é porque na ocasião ouvi os anseios dos munícipes em relação à efeméride.

Neste contexto, foi entrevistado o chefe das autoridades tradicionais, o ancião Afonso Mendes. De acordo com aquele senhor:

Na província do Zaire, em especial na cidade património da humanidade, até ao momento, não foi erguida nenhuma estrutura de grande vulto […] Nada, nenhuma coisa se fez aqui na nossa província, absolutamente nada […] o Presidente João Lourenço, vai várias vezes a outras províncias, porque lá há infraestruturas de qualidade para inaugurar. Aqui, enquanto ainda não temos, não pode vir. O que vai inaugurar? […] Que venha à província do Zaire, principalmente à capital da província, que está muito mal. Os jovens não têm emprego. (MENDES, 2021, s.p).

Ainda, António Castelo, outro munícipe ouvido por este jornal, dizia:

A juventude zairense não está feliz com o nível de desenvolvimento infraestrutural e até mesmo humano que a província vive. O contexto que estamos a viver não nos permite ficarmos ansiosos e alegres a festejar o aniversário do património de Mbanza Congo […] a juventude encontra-se num clima de reflexão, sobretudo o futuro da província, que pouco ou nada regista no que diz respeito ao desenvolvimento. (CASTELO, 2021, s.p).

Como se pode observar, o impacto do desenvolvimento do turismo cultural de Mbanza a Koongo, está hoje dependente das estratégias que o governo central e local criarem; daí que sugerimos que se olhe para o turismo como setor alternativo para incentivar o desenvolvimento sustentável das populações. Mas como eventualmente se poderá fazer?

Acredita-se, ideia que Ashworth e Howard (1999) avançam é fundamental, quando dizem que o tratamento do património é um meio a partir do qual se pode criar uma série de possibilidades para a sua exploração comercial é uma valia. Para o caso de Mbanza a Koongo, os desafios que as autoridades locais têm, pensamos subscreverem-se no seguinte:

Despertar junto da população local através de palestras, workshop congressos, programas radiofônicos e televisivos sobre o contributo da história de Mbanza a Koongo para a humanidade e, consequentemente, o impacto do turismo nas suas várias dimensões no desenvolvimento sustentável das comunidades;

 Elaborar um plano de atividades que visa mostrar à população a importância da preservação cultural sendo um garante de reafirmação da herança de Mbanza a Koongo; Explicar junto das comunidades que a sua identidade histórico-cultural pode garantir, por um conjunto de dinâmicas e relações socioculturais, tais como, arquitetura, manifestações culturais e suas tradições, sua linguagem popular, o desenvolvimento.

Não obstante, ao exposto acima, ainda interessa fazer algumas questões, a saber: quantos empresários em Mbanza a Koongo atuam no setor de turismo? Que ações concretas as autoridades locais realizam visto que beneficiam de autonomia administrativa e financeira para a gestão do patrimônio cultural da humanidade para atrair para aquele lugar muitos turistas, a começar com o turismo interno? Que ações estão em curso sob forma a atrair receitas para além do orçamento geral do Estado? Dessas questões, julgamos ser de difícil resposta, dado que, na medida em que os anos passaram desde que o lugar foi classificado, as recomendações da UNESCO até agora não foram realizadas. Como resultado do não cumprimento das recomendações, têm motivado uma série de manifestações, não obstante, as outras razões como no entender dos munícipes, as constantes injustiças que a província do Zaire sofre desde o período colonial, embora seja um dos maiores contribuintes do Orçamento Geral do Estado angolano.

Mbanza a Koongo: oportunidades turísticas

Mbanza a Koongo apresenta bastantes oportunidades turísticas que constituem o patrimônio material e imaterial, a saber: Yala Nkuwu: É uma árvore secular, apesar de, as descrições dos estudos do século XIX, o nome não é citado ainda por autores, situação que apenas veio ocorrer em 1930 no livro de Thomas Lewis quando disse “no centro da praça de Mbanza Kongo, está uma grande sombrasa árvore chamada Yala-nkuwu” (LEWIS, 1930, p. 137).

Ora, segundo a tradição oral local, a sua existência é anterior à chegada dos portugueses naquele espaço. A cor da sua seiva é  avermelhada, situação que faz com que a população confunda a seiva com sangue. É neste lugar onde o rei aproveitava a brisa da sua sombra para recepção de visitantes e descanso nas horas de lazer. Atualmente, ainda continua o mito de que ninguém pode tocar nela com objetos incisivos, pois, na eventualidade de alguém golpeá-la, pode morrer ou ter problemas de saúde, sobretudo, a figuras de Mbanza a Koongo. Na verdade, não se trata de um desconhecimento; é a maneira encontrada para impedir a vandalização da árvore dado o seu valor histórico. Em relação à narrativa, a Agência de notícias ANGOP (2018) num dos seus apontamentos informava:

[…] as quedas de galhos ou troncos desta árvore sempre indiciam ocorrência de uma tragédia num dos territórios que conformavam o antigo Reino do Kongo Durante a vigência do Reino do Kongo, um derrube do ramo desta árvore podia significar a derrota do exército konguês na frente de combate, a morte do rei ou de outra entidade importante do reinado. (ANGOP, 2018, s.p).

Entretanto, apesar de muitas pessoas não valorizarem o mito, julga-se de ser uma oportunidade de rentabilizar aquele sítio de memória, dado que, a árvore está no espaço do museu dos reis do Koongo, antiga residência dos soberanos Koongo.

 Por que não fazer  exposições permanentes no local onde os feirantes possam pagar uma taxa mensal ou trimestral, conforme acordo com a administração municipal e o Comitê de Gestão Participativo do Centro Histórico de Mbanza a Koongo?

Kilumbimbi: É a primeira igreja construída a sul da África Austral.  Os trabalhos para a sua conclusão foram executados entre seis de maio e seis de julho de 1491.  As ruínas desse edifício despertam o interesse de especialistas nacionais e estrangeiros pela raridade do seu aspecto arquitectónico que até agora se encontra estável, apesar das constantes chuvas, ventania e sol, visto que terá sido construído com cal e pedras. Essa particularidade desperta a curiosidade de muitos peritos a estudar o sítio.

Julga-se que o impacto turístico do Kulumbimbi pode ainda ser melhorado, caso a imagem se projete pelas autoridades locais, dado que, a responsabilidade é do governo local à luz do Decreto Executivo 006/2016 de 18 de julho.  Como sugere Mougey (2009), o serviço pode ser entregue à empresas especializadas na promoção de grandes eventos para melhor rentabilizar o patrimônio.  Ainda o mesmo autor, entende que, a criação e divulgação destas imagens históricas são, no entanto, um processo longo que depende em certo modo da articulação de políticos, profissionais da cultura, mas principalmente, das empresas turísticas que os vão divulgar. Decerto, caso não haja essa tripla cooperação, a imagem não passará, pois, não irá impor-se por ela própria.

Nascentes: Em relação às nascentes que cercam Mbanza a Koongo, de acordo com Batsikama (2012), o número 12 kûmi ye zôle indica dois aspectos: (i) 12 nascentes que constituem um dos patrimônios imateriais; (ii) lembram os fundadores do Estado Koongo e as suas 144 comunas.

Essas doze nascentes são: santa, Madungu (bairro Sagrada Esperança), Ntetembua (bairro 11 de novembro), Kilumbu (bairro Martins Kiditu), Tuanenga, Cinza, Bulunga, Massangalavwa, Mbende, Mbangu, Kilanza e Bundu. Infelizmente, com o passar do tempo, são alvo de destruição devido à expansão desorientada de Mbanza a Kongo, dado que, muitas pessoas que estavam fora daquele espaço, resolveram regressar devido à "paz" que Angola vive depois de um período longo de guerra fratricida.

De modo a ilustrar esta realidade, num depoimento, o senhor Mateus (2020) dizia que, no âmbito das suas atribuições, a administração municipal de Mbanza a Koongo tenta apostar em dar uma imagem diferente a essas preciosidades históricas nascentes com a sua requalificação no decorrer do ano em curso. Lembrou que, desde o ano de 2019, as fontes de Santa, Madungu, Ntetembwa e Kilumbu para a sua limpeza inicial, o valor estava orçado em 500 milhões de kwanzas, o que se traduz numa das exigências da UNESCO. Na verdade, esse trabalho não foi feito e, as nascentes continuam a não merecer obras de melhoria consequência em parte da expansão da cidade.

Sem dúvidas, a situação que se observa na conservação das nascentes é lastimável, apesar de passar quatro anos desde que o local foi classificado patrimônio mundial da humanidade. Mbanza a Koongo apresenta-se sem mudanças significativas, quer em infra- estruturas, quer na promoção do turismo cultural e, sobretudo, no desenvolvimento sustentável das populações. Essa situação, está na base de muito desespero por parte dos munícipes que são incapazes de tirar proveito de um feito que pode/poderia contribuir para a melhoria das suas condições de vida.

Outro fator que concorre para a pouca exploração do turismo cultural, é a insuficiência da rede hoteleira. Existem apenas dois hotéis que, infelizmente, não oferecem serviços ao nível  das exigências. O hotel IU que poderia albergar maior número de visitantes se encontra subaproveitado, estando num estado de abandono total. Segundo o gabinete provincial da juventude, desporte e turismos, a cidade possui cerca de 340 quartos disponíveis. Essa  situação tem provocado constrangimentos nas vésperas do Festikongo 9 , uma celebração organizada por ocasião do dia 8 de julho, data da classificação de Mbanza a Koongo pela UNESCO a Patrimônio da Humanidade.

Decerto, a carência de uma rede hoteleira e outros serviços é um dos fatores que limita a presença de turistas para aquele espaço. Como se referiu Mbanza a Koongo conta apenas com três hotéis, dentre os quais Estrela do Koongo sendo o mais antigo e não oferece condições de alojamento. Apesar dessas insuficiências, Koongo que se localiza a 472 quilômetros a noroeste de Luanda (capital angolana) ainda continua a receber visitas dado os recantos atrativos que possui, destacando-se as cascatas do Nkunga a Paza, as grutas do Nza ye vwa, as nascentes, os vários monumentos, os cemitérios dos reis, para além do seu patrimônio imaterial, como os cantos, danças, provérbios, etc. Também se pode encontrar  nos seus atractivos simbólicos, as estórias míticas sobre o Estado Koongo e o poder mortífero ou protector de que os seus soberanos eram detentores, conforme a tradição oral.

Dada a aproximidade fronteriça que  Mbanza a Koongo tem com a República Democrática do Congo, isto é, na zona do Luvu, é agitada 24 horas. O mercado recebe diariamente milhares de pessoas dos dois países. A cidade apresenta sinais promissores na vertente turística, esperando pelo investimento para alavancar um segmento que, certamente se encontra adormecido. Caso assim se proceda, acreditamos que poderá reforçar o estatuto de Mbanza a Koongo no mapa turístico mundial e, dessa forma, contribuir no desenvolvimento sustentável das populações locais.

Numa visita que os autores efectuaram para aquele patrimônio em julho e setembro de 2019, constactou-se timidamente que, depois da sua inclusão na lista da UNESCO, o número de visitantes aumentou embora sem um registo rigoroso de quantos pessoas visitam a cidade diariamente. Segundo os dados do Comitê Participativa do Centro Histórico apontam para um fluxo turístico de quatro mil a cinco mil turistas, ano. Com a elaboração do roteiro turístico, que inclui as principais referências culturais e turísticas não só de Mbanza a Kongo, mas dos demais municípios da província do Zaire, as autoridades esperam pelo aumento do número de visitantes a escalar a região (ANGOP, 2019).

Para a efetiva atração de turistas e posterior rentabilização de Mbanza a Koongo, sugerimos ainda outras iniciativas que podem ser consideradas, a saber:

Construção da casa antroponímica, que poderá servir para expor as biografias de personalidades emblemáticas que se destacaram ou se destacam ao longo dos tempos e que são oriúndas de Mbanza a Koongo, como, por exemplo: (i) Nsaku Ne Vunda (Negrita) cujos restos mortais até agora se encontra no Vaticano; (ii) Nsimba a Vita [Kimpa Vita]; (iii) Tulante Buta; (iv) Martins Kiditu; (v)Tela Nlandu; (vi) Kyaku Kyadaff; (vii) Ricardo Nlenvu, Waldemar Bastos, etc. Acredita-se que, com a criação desse espaço, possa auxiliar a conservação e divulgação na memória coletiva koongo e valorizar a história de vida dos seus filhos.

Turismo Gastronômico – A criação de quiosques gastronômicos, diferente do conceito original atribuído àqueles espaços. Ao longo do município de Mbanza a Koongo podem ser construídos espaços que geram a sustentabilidade dos artesãos, músicos, dançarinos, para além da preparação excepcionalmente de pratos típicos da região, aproveitando desta feita, as festividades da cidade, isto é,  31 de julho e as celebrações  das edições do Festi Kongo em cada 8 de julho.

Divulgação da Língua Kikoongo nas escolas locais. Nessa matéria, ressalta-se a iniciativa da Igreja Católica (Diocese do Wizi e Mbanza a Koongo), quando nos catecismos escrevem simultaneamente as línguas kikoongo e português.  No campo da formação académica, parece-nos ser necessário a introdução da língua kikoongo no ensino, uma vez se tratar de um patrimônio imaterial e ter sido um dos critérios que levou a classificação de Mbanza a Koongo o patrimônio cultural da humanidade.

Toponímia: Sendo o topônimo o nome do lugar, há uma necessidade imperiosa e urgente da criação de um roteiro toponímico de Mbanza a Koongo, uma vez que o turista ao chegar optará por visitar vários itinerários. A isso se associa a preocupação dos meios de transporte alternativos para além de carros, o que poderá facilitar o turista locomover-se, seguindo assim, percursos devidamente sinalizados que lhe permitirão visitar a cidade, vivenciando-a ao seu ritmo e encontrando ele próprio “o sentido do lugar” por um diálogo com o espaço (FERREIRA; PINTO, 2009; VICENTE, 2018).

Diante do exposto, atendendo a relevância que a toponímia tem no estudo e conhecimento da história local, as ruas e bairros de Mbanza a Koongo devem ser estudados, uma vez servir para conservar a memória colectiva das suas populações. Para garantir a viabilidade do trabalho, é preciso criar a comissão toponímica provincial, cuja missão será, fazer o levantamento dos topônimos existentes e alterar aqueles que não ressignificam à memória do espaço (VICENTE, 2018).

Considerações Finais

Em suma, Mbanza a Koongo é um espaço com uma história e cultura rica que vem desde o período pré-colonial. Essa situação lhe dá vantagens em relação às outras capitais das províncias angolanas.

Embora o município apresente potencialidades que possam garantir o desenvolvimento do turismo cultural, infelizmente, ainda não merece o devido valor por parte das autoridades centrais e locais, motivando uma série de insatisfação, sobretudo na camada jovem.

Portanto, a falta de um compromisso sério com o patrimônio mundial, a cidade de Mbanza a Koongo enfrenta problemas relacionados com vantagens competitivas no que tem a ver com o turismo cultural, impedindo assim, o desenvolvimento sustentável da população.

Deste modo, visto que a classificação de Mbanza a Koongo o Patrimônio Cultural da Humanidade não impacta a vida dos munícipes, está na base de muitas manifestações naquele espaço, sobretudo da parte da juventude que gradualmente vai perdendo a esperança num futuro promissor por faltar quase tudo, desde as infraestruturas hoteleiras, lugares de lazer, instituições superiores, uma rede de supermercados, bombas de combustível, etc.

Por conseguinte, para que Mbanza a Koongo tire vantagens da categoria que possui, é preciso que os seus gestores tenham noções sobre o que é turismo cultural e as vantagens que poderá trazer para o desenvolvimento local tal como sugerem alguns autores que afirmam o espaço ser rico em matérias de patrimônio material e imaterial, mas, não é devidamente divulgado.

Essa situação, empobrece cada vez mais aquele local no norte de Angola. Por isso, é fundamental que haja mais abertura de maneira a criar-se projetos viáveis que garantam o desenvolvimento socioeconômico daquela zona enquanto patrimônio cultural da Humanidade.

                                                                             ————–x————-

(*) Doutorando em História Contemporânea (Universidade de Évora), Mestre em Ciências da Educação com a
especialidade em Ensino de História de Angola (ISCED-Luanda); Licenciado em História (UAN-FCS), Especialista em toponímia na vertente de memória, Atualmente pesquisa as mulheres na luta de Libertação Nacional de Angola, Docente de História de Angola no Instituto Superior Politécnico Atlântida.
Comentário

Seja o primeiro a comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*


Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.