Uíge, futebol e luto

Por Luís Fernando

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Pior maneira para se começar um campeonato nacional de futebol dificilmente poderia suceder ou, sequer, ser imaginada. A Sexta-feira 10 de Fevereiro de 2017 ganhou o estatuto macabro de dia funesto para o Futebol, o Uíge e suas gentes, com a tragédia do Estádio Municipal 4 de Janeiro, onde uma avalanche humana fora de controlo provocou a morte de 17 pessoas e o ferimento de seis dezenas de outras.

De acordo com relatos coincidentes, a catástrofe aconteceu quando uma grande massa de adeptos forçou a entrada ao recinto onde acabara de iniciar o jogo de abertura da prova maior do futebol angolano, o Girabola ZAP, opondo o local Santa Rita de Cássia ao Recreativo do Libolo. Porque faltou ordem no movimento, registando-se a tentativa de todos entrarem à vez, houve então o que já se sabe que sucede nestas circunstâncias: a queda dos que vão à frente, o empurra-empurra dos que estão atrás e nas laterais, os que ficam no fundo são espezinhadas, não aguentam com o peso desproporcional que lhes cai em cima e dão-se então as mortes por asfixia , no meio de um sofrimento exasperante.

Setenta e duas horas depois da jornada infernal, que espalhou o luto por toda a tribo do futebol (com homenagens às vítimas por diferentes lugares do mundo), há a investigação minuciosa daquilo que efectivamente aconteceu, para que se retirem as devidas lições, como é o ritual de todas as tragédias. Essas respostas não restituem vidas perdidas nem sequer curam feridas que se abrem mas deixam, ao menos, dois úteis elementos compensatórios: ajudam a evitar novos tropeços por iguais razões e consolam as almas sofridas de quem per de entes queridos! O Presidente da República, José Eduardo dos Santos, confortou os familiares com uma mensagem de condolências, orientou que o governo provincial preste todo o apoio aos sobreviventes e ordenou a abertura de um inquérito para apurar as causas do incidente.

Enquanto se trabalha na investigação, paira no ar, contudo, o inevitável sentimento de procura da verdade, mesmo que se não disponha das ferramentas necessárias. É um impulso que ninguém é capaz de reprimir, que resulta directamente da condição humana de se indignar diante do colossal, do que é esmagador, do que não se deseja que aconteça.

Sucedeu assim com Pedro Nzolonzi, o presidente do clube visitado (Santa Rita de Cássia), que desconfia que as forças policiais podem ter agido de um modo que não evitou a tragédia. “Era fácil evitar: era só alargar o cordão de segurança”, afirma. Se o dirigente desportivo está certo ou não sua avaliação, é o que se espera venha a ser apurado e, oxalá, num período de tempo que não represente um tormento adicional para familiares e adeptos. Celeridade na missão é o que se espera, na verdade, até porque se estima que o recinto venha a ser reconfirmado como o cenário para os próximos jogos em casa do Santa Rita de Cássia.

Não existem campos alternativos na cidade e, segundo todos os indícios, o problema dificilmente estará na estrutura do Municipal 4 de Janeiro mas sim no modo como se abordou o evento de sexta feira, logo, uma questão de ordem subjectiva. O Estádio Municipal 4 de Janeiro, agora tornado mundialmente famoso pelas piores razões, foi, no passado glorioso do Norte cafeícola, o Estádio José Ferreira Lima da cidade de Carmona, por onde se passeou o melhor do que existia de futebol nas décadas de sessenta e setenta do século XX.

Era o reduto do célebre CRU- Clube Recreativo do Uíge, agremiação que era a síntese desportiva do esplendor cafeícola da região, vencedora de numerosos campeonatos distritais. Tinha como arqui-rival o Futebol Clube do Uíge, que defendia a sua honra e prestígio no Estádio Irmãos Castilhos, poucos quilómetros a norte do local que na Sexta-feira viu morrer inocentes amantes da modalidade mais seguida e apetecível à face da Terra, o Futebol. Que esta nota sinistra não esfranga-lhe, para todo o sempre, a mística do hectare mais emblemático de uma cidade que, por décadas, foi só e apenas a incontestável coqueluche de um império feito ao sabor e ritmo do café. Que o Uíge do oxigénio abundante e das gentes acolhedoras se reerga da dor e do luto e volte a sorrir!

Via o país

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