VIAGEM DE 75 QUILÓMETRO DURA MAIS DE 8 HORAS

Da Vila de Maquela do Zombo ao Béu © Fotografia por: António Capitão | Edições Novembro/Uíge

Por António Capitão

A viagem, de cerca de 75 quilómetros até à sede comunal do Béu, começou às 9h05. Todos, incluindo o administrador municipal, subimos a bordo da carroçaria do camião Ural Kamaz disponibilizados pelo Comando da Brigada das FAA destacados em Maquela do Zombo, na província do Uíge.

Depois de aproximadamente oito quilômetros de marcha permanecem sem comunicação, numa altura em que já se vislumbravam sinais de uma estrada bastante degradada. Uma potente viatura militar circulava aos solavancos, numa velocidade de 50 quilómetros por hora, até à ponte sobre o rio Nzadi.

Depois da aldeia Sole, a marcha regrediu para cerca de 20 quilômetros por hora. Cada ocupante da viatura procurava um ponto para se agarrar e evitar ser jogado para cima de outras pessoas ou fora do camião.

Uma piada ou uma anedota era necessária para fazer sorrir os membros da falecida e espairecer um pouco quando as nádegas já doíam, devido aos desconfortáveis ​​bancos de madeira.

Nalguns pontos do traçado da estrada de terra-batida fomos obrigados a circular por atalhos. As ravinas “engoliram” alguns pontos da via. Os desvios, por vezes, alongavam-se a distância e ao tempo de viagem. As montanhas subiam exigiam a marcha na primeira velocidade e o sistema de tração accionado. Os ajudantes de um velho IFA tinham de correr com calços de madeira à mão, para poderem intervir caso a viatura apresentasse sinais de recuo.

Só veículos de tração

O troço que liga a sede municipal de Maquela do Zombo às comunas do Béu, Sakandika e Kuilo Futa está totalmente degradado. Apenas viaturas de grande porte e com um forte sistema de tração às quatro rodas (4×4) conseguem superar os obstáculos da via. Nem as carrinhas ou jeep’s com sistema de tracção se aventuram nela circular. Durante o dia, ao longo do percurso, a maior parte das aldeias estão despovoadas. Uma ou outra criança é avistada. A maior parte dos habitantes fica nas lavras a produzir alimentos para o seu próprio sustento, como se pode verificar na aldeia Nzadi Kimuinga.

Bem próximo da ponte sobre o rio Nzadi, ainda é possível avistar os escombros do antigo quartel da tropa colonial portuguesa que tinha como missão proteger a infra-estrutura. Hoje, a margem do rio é aproveitada para a implementação do Plano Local de Apoio à Agricultura Familiar (PLAAF) que beneficia os habitantes de várias aldeias da comuna do Béu.

Kwanga com sardinha

 O almoço estava previsto para as 12h30, na sede comunal do Béu. Tudo apontava que até lá ainda seria possível cumprir com o programa da viagem. As autoridades dessa circunscrição informaram que o cabrito e as galinhas já tinham sido abatidas e as mamãs já estavam a preparar o funji. O melhor nguemeiro (produtor de malavo) já tinha reservado dezenas de litros da seiva do bordão.

Justamente, às 10 horas, depois da entrega de medicamentos na aldeia Sole, um dos camiões, fretados pela Administração Municipal de Maquela do Zombo para transportar os bens destinados às comunidades locais, quebrou o suporte do veio de transmissão, imobilizando o veículo. Os ajudantes tiveram de regressar à vila de Maquela para soldar a peça.

Enquanto isso, a fome apertava. Recorrer à ração fria foi a solução. Uma refeição feita à base de Kikuanga (massa de mandioca envolvida em folhas de uma trepadeira específica) com latarias (atum, sardinha e carne moída).

Era só fazer “tukuniema” (processo de amassar a kikuanga) molhar no conduto, mastigar com gindungo e engolir.

Um enfermeiro para 4.800 habitantes

Na aldeia Sole, a primeira da comuna do Béu, a caravana fez uma curta paragem. O administrador municipal de Maquela do Zombo, Samalando Muginga, aproveitou o momento para entregar um lote de medicamentos essenciais ao enfermeiro do posto de saúde local, Mawisi Victor, que, ao elogiar o gesto, considerou que os fármacos vão ajudar a minimizar o quadro sanitário na comunidade.

O único enfermeiro da localidade, que assiste uma população estimada em 4.800 habitantes, disse que a malária, doenças diarréicas, tosse e gripe são as mais frequentes.

“Semanalmente podemos registar 10 casos de malária, que surgem devido á existência de muitos mosquitos. A aldeia está circundada por matas e no seu interior os habitantes não capinam. É necessário o aumento do número de enfermeiros para melhorar a assistência à população”, apelou.

Na aldeia Kidia, a cerca de 25 quilómetros da sede comunal do Béu, o administrador municipal Samalando Muginga procedeu igualmente à entrega de um lote de medicamentos e material gastável para atender os mais de 500 habitantes da localidade e das zonas circunvizinhas.

  Envelhecer sem contacto com a sede municipal

O soba Lucas Manuel de Castro, regedor do Mbuzu Nlaza, de nkau (cajado) à mão, disse existirem casos de pessoas que nasceram, envelheceram e morreram sem ter contacto com a sede municipal. “Há habitantes de Sakandika que nasceram e envelheceram sem conhecer a sede municipal de Maquela do Zombo. A longa distância e o mau estado das vias de acesso são os factores que fizeram com que estes nativos nunca saíssem dessas duas localidades”, lamentou.

Segundo o secretário adjunto da Associação das Autoridades Tradicionais (ASSAT), pela vizinhança com aldeias da República Democrática do Congo (RDC), como Kindopolo e Kinvula, estes habitantes preferem adquirir os seus bens naquelas localidades, ao invés de irem à vila de Maquela do Zombo. Os pequenos comerciantes, que todas as terças-feiras organizam um mercado na sede comunal de Sakandika, também perderam os nativos mais “relaxados”.

“Muitos nasceram nestas localidades e nunca saíram de lá. Cresceram e envelheceram nas suas aldeias. Hoje usam os netos para adquirir os bens manufaturados que precisam. E para tratarem de problemas à saúde preferem ir nas localidades da RDC mais próximas”, disse o ancião.

Via JA

Da Vila de Maquela do Zombo ao Béu © Fotografia por: António Capitão | Edições Novembro/Uíge
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