Vila da Damba: De Mwene Mandamba Lutayi aos dias de hoje

© Fotografia por: Mavitidi Mulaza | Edições Novembro |Damba

Por Silvino Fortunato

Mbanza Ndamba é uma aldeia que nos dá à vista uma infinita pradaria de arbustos e capim rente assim como de terrenos ondulantes, que se dividem entre pequenos declives e montes de pequena altura que não encurtam a beleza do horizonte longínquo, que vai estar no centro da criação e elevação à categoria de vila a actual sede do município da Damba, na província do Uíge

Por entre as ondulações, agora baldias, existiam as habitações de Mandamba Lutayi. Muito mais tarde e já fora da sua época, os colonos viriam a arrastar a concentração populacional para junto da estrada que construíram para o Nzombo, formando a Mbanza Ndamba, de onde resultaria a actual vila da Damba, elevada a esta categoria a 14 de Setembro de 1950.

O pequeno povoado de Mbanza Ndamba fica a cerca de 18 quilómetros da sede municipal. “Não foi aqui não, é um pouco mais longe que Mandamba Lutayi vivia com o seu povo. É lá onde chegou, quando saíram de Mbanza Nvunda, que fica em Kibokolo, Maquela do Zombo, onde se dividiram”, segundo explicações de João Nkosi,  de 80 anos de idade, actual guardião da aldeia, em conversa com o repórter do Jornal de Angola.

Depois de terem fugido de Mbanza Kongo, no tempo do então Reino do Kongo dya Ntotila, por conta do conflito interno, várias famílias se concentraram em Mbanza Nvunda de onde partiram para outros pontos do território do reino, neste caso, para a região do actual Uíge, onde viriam a fundar Damba, Nsoso, Kibokolo, Beu, Mbanza Ndele e outros lugares.

O soberano Mandamba Lutayi subiu para o Norte de Mbanza Ndele e ocupou as terras da actual Damba, estabelecendo fronteira com as possessões do rei Ntotila, e a sul limitou-se com as terras de Nkianvu, através do actual território de Kwangu/Kimbele, a região dos Bayakas.

O velho João Nkosi, que permanentemente se socorria de uma brochura, possivelmente mandada elaborar recentemente, indicou que Mandamba Lutayi teria nascido no seio da família Kinkenge Kutana. À nascença o seu nome, segundo a nossa fonte, era Kinanga.

Foi ele, Mandamba Lutayi, quem recebeu os primeiros colonos portugueses, prospectores de terras, e manteve encontros com o rei Kianvu, do Império Lunda, na região do Kwangu, em Kimbele. Para além destas acções diplomáticas, Mandamba Lutayi mantinha relações amistosas com oito soberanos, dentre os quais apenas um, que vivia em Mbanza Mabubue se chamava Na Mputu, “era muito revoltoso”.

Com o falecimento de Mandamba Lutayi sucedeu-lhe o seu sobrinho, filho de uma irmã, Dom Miguel Nakunzi, que residia na aldeia de Kiyanika. “Foi ele quem recebeu e manteve uma relação amistosa com colonos e missionários católicos, e dessa relação resultaria a nominação ‘Dom Miguel’”, informou João Nkosi.

Mandamba Lutayi, segundo a mesma fonte, deixou um acervo composto por um capacete de chapa, uma espada  e outros utensílios de guerra e da sua vida particular, muitos dos quais desaparecidos durante os períodos de conflito armado em Angola. Mas os anciãos de Mbanza Ndamba conservam o capacete de lata, com uma crista, que fizeram questão de exibir ao repórter do Jornal de Angola.

Continua identificável a campa onde foi enterrado Mandamba Lutayi, embora seja somente de terra. “Depois de muito tempo sem ser conservado, quando regressámos nos reunimos e decidimos fazer ajuntamento de terra todos os anos”, disse João Nkosi, enquanto exibia a terra preta que estava protegida  num saco de plástico, que teria recolhido da tumba do defunto soberano, que fica, segundo garantiu, a menos de 10 quilómetros da actual aldeia de Mbanza Ndamba, que foi deslocada e erguida já depois da sua morte, que se aventa tenha acontecido no ano de 1886, em circunstâncias que não foram descrita. 


O primeiro colono português

O senhor Vaal  foi o primeiro colono que chegou e se fixou nas terras de Mandamba, num acto que foi antecedido por encontros de cortesia com os anciões da corte real local, que tinham ficado com a administração do clã, encabeçada por Nankunzi depois da morte do soberano, como se pode também ver na brochura.

Mandamba tinha uma corte composta por Dom Paulo Iniungu, Mbongo Ndombi, Na Mputu, Nzau Mbakala, Ndombaxi Ntele, Na Bukusu, Na Nkamantambu e Na Nsoso. Estes eram os chefes de famílias que depois trabalharam também com Nankunzi.

Neste encontro Vaal perguntou à Corte a quem pertencia esta região, sendo-lhe respondido que a região era de Mandamba Lutayi, um nome que o colono não escreveu correctamente, dado o desencontro fonético entre as línguas kikongo e portuguesa. Suprimiu a letra n e escreveu apenas Damba, que vigora até aos nossos dias.

 Mercado de Nkenge Nsangi

Nas suas diligências pela terra dos Mandamba o português Vaal deparou-se com um mercado, que se encontrava no local onde foi erguido muito depois o actual hospital municipal da Damba, que se chamava Nkenge Nsangi, que significava, na tradução literal do kikongo para o português “pessoa que não gosta de fazer confusão”, “um indivíduo que promove a fraternidade”.

“Venha e nos unamos, porque ninguém vive sozinho”, esta tradução foi feita ao colono Vaal, depois de questionar o significado da expressão “Nkende Nsangi”. O mercado pertencia ou era gerido por Ne Nkenge Kutana e funcionou por muitos anos. E, dada a sua importância mercantil para os povos de outras regiões, mais tarde viria a ser transferido para o entroncamento entre Nkusu Mpete, Mafinda e Maquela do Zombo.

Durante um período de três anos o sal deixou de chegar ao mercado e nem mais passava pela região de Mandamba, por terem sido dadas como desaparecidas 10 pessoas que se dedicavam ao comércio deste valioso produto na região do Nkuangu.  Para a sua reabertura o rei Nkianvu mandou 30 homens ao Mandamba, sendo transportado através de “ntete”, um utensílio feito de ramas de palmeira e que serve de meio de carregamento de produtos, geralmente do campo, vários artigos para restabelecer o entendimento. Era como que um pedido de desculpas, um gesto que foi aceite e que depois permitiu o retorno das trocas comerciais, com o levantamento do embargo à venda do sal.

Primeiro conflito

Na Mputu, que vivia em Mbanza Mabubu, tido como um insurgente, ao cruzar-se com uma expedição portuguesa, chegou a untar (esfregar) no corpo de um colono, que prendeu, um produto que se chamava nkula, cobrindo-lhe da cara aos pés, e de seguida cuspiu-lhe no rosto, o que fez com que os portugueses regressassem nervosos.

“Quando os brancos voltaram, vinham já preparados e armados. Vieram com muita fúria e com a intenção de matar o prevaricador e demais seguidores. Mas os nossos antepassados estavam preparados para a guerra”, sublinhou a fonte que vimos citando. Entretanto, a iminente contenda coincidiu com o falecimento do irmão mais velho de Nankunzi, o que obrigou a resolvê-la por vias pacíficas.

Nankunzi queria que o seu irmão fosse enterrado, para não ser comido pelos animais, por isso organizou então um grupo de homens que foram ao encontro dos colonos que já estavam na cercania de Kinsambu. Os nativos faziam-se acompanhar de panos brancos, colocados nas pontas de paus que levavam em mãos, assim como de um cabrito, como sinal de paz.

O gesto admirou os colonos. “Estes perguntaram: ‘quem vos mandou’ e eles responderam que era o Nankunzi. ‘Ele não quer derramamento de sangue em seu território nem entre o seu povo’. Aí os brancos decidiram também levantar a bandeira da paz e nada ocorreu mais”.

Quando as mulheres se viram livres do contrato

A vila da Damba começou a ser construída em 1911, já ao tempo de Dom Miguel Nankunzi, tendo terminado provavelmente nove anos depois, altura em que a administração do posto então criado começou a prestar os seus serviços, isso por volta de 1920, quando foi entregue às mãos de Sebastião Kialoca.

As autoridades coloniais, já ao tempo de Manuel Laurentino da Silva, que substituíra Sebastião Kialoca como chefe do posto da Damba, convocaram todos os chefes de família, mais tarde tornados sobas ou regedores, que não hesitaram em comparecer na vila. Nankunzi foi o único que desobedeceu à chamada.

Quando os portugueses repararam que faltava Nankunzi, formularam outro convite para que este pudesse comparecer para dar também a sua opinião e assinar o documento que os demais já tinham assinado. Mesmo assim, este não se fez presente, o que obrigou os brancos a irem buscá-lo. O documento visava a que as mulheres de todos os territórios de Mandamba Lutayi fossem submetidas a trabalhos forçados. Estas, com a assinatura do documento, começariam imediatamente a ir à vila, já baptizada como Damba, para efectuarem trabalhos na base de contratos.

Trazido à reunião, Nankuzi pediu que as suas palavras fossem registadas em papel “para que não fossem aumentadas ou retiradas quaisquer palavras”. E pediu ainda que traduzissem as suas palavras de forma fiel, à letra, tendo ameaçado que caso houvesse qualquer alteração ao que dissesse e caso a escritura e a tradução não fossem feitas como pretendia, resultaria em morte de quem assim o fizesse, pedidos que foram aceites pelo então administrador Manuel Laurentino.

Nankunzi recusou categoricamente que as mulheres fossem ao contrato. “Não aceito. Nunca vimos uma mulher a fazer trabalho forçado. Trabalho da mulher é cuidar da casa e dos filhos”, disse. Isso contentou todos os soberanos presentes, que mudaram de opinião, desaprovando a ideia de transformar as mulheres em contratadas.

Esta posição, agora unânime, obrigou os portugueses,chefiados pelo administrador Manuel Laurentino da Silva, a recuar nas suas intenções, o que permitiu uma convivência pacífica durante todo o tempo em que  Dom Nankuzi esteve à frente das terras de Mandamba Lutayi, até a sua morte em 1959, sucedendo-lhe Ndofula Kabata a frente do “reinado”.

Ndofula Kabata ficaria apenas dois anos a frente do seu povo, um poder que foi interrompido depois da eclosão dos acontecimentos de 1961, que obrigou a fuga da população para o outro lado da fronteira, para a República Democrática do Congo, antes designada Zaíre, onde, citamos o velho João Nkosi, “vivemos até a Independência Nacional. E até a data de hoje o trono de Mandamba Lutayi ainda não foi ocupado”.  


ADMINISTRADORA MUNICIPAL

“Esta é a verdadeira história”

Depois de ter ouvido várias histórias sobre a génese da Damba, Ângela Cruz, a administradora do município, que acompanhou e serviu de tradutora aos jornalistas do Jornal de Angola na reportagem à aldeia de Mbanza Ndamba, assumiu ser “esta a verdadeira história da Damba, que devemos acolher e registar”.

Desde a sua chegada ao município, conforme sustentou, lhe foram  contadas várias versões, “todas elas desencontradas e sem sustentação”, tendo-se mostrado interessada em trabalhar com especialistas ligados à história e a investigação “no sentido de se ter uma única história sobre o município e sobretudo a sua sede”.

A pequena  vila da Damba é dividida ao meio pela estrada nacional que parte da cidade do Uíge ou da vila de Negage e termina na fronteira de Kimbata antes de passar pela sede de Maquela do Zombo. Os 6.915 km² da totalidade do município acolhem as comunas de Kamatandu, Mbanza Nsoso, Lêmbwa e Mpete Nkusu.

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