A influência da religião de Simão Mpadi (Mpadista) em Angola.

Foto-retrato das personalidades sagradas e inspiradas dos cultos e práticas da REMPAD

Por Florival Raimundo de Sousa *

 Introdução

O percurso histórico dos povos de África foi duramente desviado do seu trajecto normal por um processo que já é demais conhecido no seio académico. O processo de colonização, tal como em outras partes do mundo, foi tudo menos pacífico. O choque repentino e prolongado de culturas criou resistências um pouco por todo continente que lutava arduamente contra a subjugação, exploração e frustração.

Inferiores em relação aos meios convencionais de luta e resistência mas ricos em manifestações culturais, profundamente enraizadas num espírito religioso, este, tornou-se no maior símbolo de resistência entre os indígenas africanos promovendo a autonomia cultural, religiosa e a promoção da cultura nativa.

Dentre os inúmeros movimentos religiosos que afloraram um pouco por toda a África nos diferentes períodos da colonização, muitos sucumbiram ao advento da pós-modernidade e globalização mas outros resistem até aos dias de hoje.

Neste trabalho, em fase de conclusão, percorremos no interior da Religião Mpadista em Angola (antes designada por Igreja dos Negros) que enquadra-se nos cultos proféticos de libertação e representa o produto espontâneo do choque cultural entre duas civilizações distintas. Analisamos a dinâmica de resistência cultural e simbólica baseada nas concepções sobre o sagrado, na exaltação de valores religiosos nativistas e, num campo mais profundo, nos esforços do renascimento do “ego” africano.

 Objectivos do estudo

a) Descrever e analisar o papel que desempenha a REMPAD para a revitalização dos valores africanistas;

b) Identificar os mecanismos de sociabilidade com as quais a REMPAD exerce influência na esfera social.

Messianismo/profetismo

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Nome dado a diversos movimentos religiosos de carácter teocrático suscitados como consequência do contacto com culturas tecnicamente superiores (sic) e que consistem na crença de um messias/profeta capaz de reorganizar e restabelecer a ordem económica e social que os mitos locais descrevem como originais (1).

Socialibidade

Segundo Gilles Ferreól (2007), a Sociabilidade refere-se à capacidade humana para fundar grupos definidos como unidades activas tais como: uma família, uma empresa uma igreja ou um exército. Ainda segundo o autor, quando se raciocina em termos de redes e nos interessamos pelas relações que se estabelecem no seio de um grupo determinado, este conceito é o mais adequado e nos remete para a análise das formas de solidariedade.

Africandade

Conceito amplamente discutido e trata basicamente da amplitude e valorização da cultura africana, reconhecendo, valorizando, significando e ressignificando as práticas culturais africanas.. Os debates sobre as africanidades estão fundamentados no conceito de etnia em contraposição ao de raça. O objetivo é construir um espaço de liberdade cultural onde a sociedade possa trabalhar a questão sem a idealização do dominador branco, (MACEDO:2006).

Aspectos metodológicos

 Considerando os objectivos que nos propusemos alcançar o presente trabalho está a ser desenvolvido numa metodologia própria dos estudos sociográficos(2)com carácter qualitativo. Quer isto dizer que reside no principal interesse desta investigação o levantamento de dados que permitam o conhecimento e a explicação de uma certa realidade social.

As técnicas empregues para a recolha de dados foram as seguintes:

a) Pesquisa documental:

Recolha de bibliografia especializada acerca dos processos metodológicos relevantes ao estudo, visando um maior conhecimento desta temática nos diferentes períodos históricos.

No âmbito desta técnica o recurso a meios informáticos permitiu o acesso a dados de pesquisa especializados e actualizados bem como a base de dados de instituições oficiais.

b) Entrevista e observação:

Realizou-se o tipo de entrevista semi-aberta colhendo-se directamente dados de “informantes privilegiados”, pessoas que pela sua experiência e posição na estrutura hierárquica da instituição forneceram-nos informações precisas e pertinentes.

A observação directa foi um recurso bastante útil na medida em que foi feita simultaneamente com a entrevista e durante os cultos religiosos que o autor presenciou. Uma nota de realce pela negativa foi a tentativa de fazer anotações no local de observação o que não deixou de causar embaraços em ambos os lados.

Nos meandros históricos da Religião Mpadista

A historiografia africana está repleta de relatos e factos sobre a odisseia colonialista, aliás, este é um facto marcante e incontornável tal como a essência e a alma religiosa dos povos africanos.

A dimensão religiosa dos povos autóctones manifestou o seu apogeu em circunstâncias políticas e históricas próprias, substanciadas na resistência e oposição ao domínio colonizador. Neste ambiente efervescente surgem diversos movimentos religiosos messiânicos arrastando consigo milhares de prosélitos durante vários anos.

Com os seus tentáculos directamente ligados ao Movimento Messiânico iniciado por Simon Kimbangu, nos primórdios do século XIX, em 1939, Simon Pierre Mpadi funda a “Mission des Noirs” conhecida mais tarde como Movimento Kakista que estabelece uma complexa organização eclesiástica, cujos membros vestiam um uniforme de cor cáqui, indicando o espírito beligerante da religião (Balandier apud Lanternari, 1974).

Simon Mpadi foi educado no Centro Missionário Batista Americano no oeste do Congo Belga (Zaire) e serviu como catequista batista (1925-1934). Em 1934 ele entrou para a nova missão do Exército de Salvação, e tornou-se um dos seus evangelistas. Freqüentou uma Escola Bíblica do Exército de Salvação, mas logo se separou e fundou sua própria igreja (1939).

Sua Igreja dos Negros reviveu muito dos ensinamentos milenares de Simon KIBANGU, cujo movimento estava então em baixa entre o povo do Congo. Nos próximos anos, Mpadi foi perseguido pelas autoridades coloniais porque o seu movimento era visto como perigosamente revolucionário. Ele repetidas vezes escapou da prisão, e finalmente ele fugiu para o Congo Francês, onde foi preso em 1944. Ele passou a maior parte dos anos 1940 e 1950 na prisão, até que o Zaire tornou-se independente em 1960. Mesmo assim a sua Igreja permaneceu intacta e em 1970 ainda tinha aproximadamente 15.000 membros.

Os fundamentos e as concepções do sagrado

Os movimentos messiânicos foram capazes de actualizar toda a cosmologia de um grupo social que buscava respostas numa situação de crise generalizada. Esta estruturação do simbólico, das crenças e das representações esta orientada para a acção transformadora desta nova realidade vivida como perturbadora.

Os discursos e práticas veiculadas por estes movimentos incluem as representações sobre a nacao, afirmando a importância do sentimento de pertença e da identidade colectiva como prioridade. Todavia, estes discursos e práticas também apontam para outras identidades colectivas como a confissão religiosa.

Tendo o messianismo nascido no contexto de dominação colonial apresentam certas características comuns a uma mesma dinâmica de ampla reacção a dominação e segregação. Razão pela qual é comum a santificação de figuras que simbolizaram a resistência a opressão.

A REMPAD tem a sua base teológica fundamentada em tres santos africanos: Nzinga Mbandi, Simon Kimbangu e Simon Mpadi. A dimensão ritualista, no seu todo, obedece ao culto dos antepassados e o respeito as figuras santas apoiando-se nos seguintes elementos e/ou rituais sagrados:

– O livro sagrado (Luz do mundo)

– O içar da bandeira (simbolizando a determinação e resistência dos povos africanos Evocação dos pontos celestes (ritual em que são evocadas as 4 portas celestes representando cada uma os pontos cardeais, sendo a porta “Este” correspondente ao continente africano)

– As cores predominantes entre os fiéis são, vermelho (representa o sangue derramado pelos “santos africanos”), Verde (representa a verdadeira riqueza de África e a esperança na restauração da cultura nativa. Por fim, o branco (a paz tão almejada no continente berço) e o amarelo (“a água do Salvador que verteu”).

Os laços de sociabilidade na esfera do religioso

A dinâmica urbana em Angola provocada pela guerra, produziu novos espaços de sociabilidade que cruzam e se combinam com as redes familiares. Uns desses espaços de sociabilidade local são aqueles ligados às igrejas.

Sociabilidade é o principal factor, entre muitos, que leva um indivíduo a se tornar membro de uma igreja e a permanecer nela. Não se pode inventar crises na vida das pessoas e nem mesmo manipular famílias, pressionando-as a levar pessoas à igreja. Mas o factor sociabilidade pode ser a maneira de levantar a consciência dos membros e leválos a ter uma atmosfera amigável dentro da igreja.

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As “Santas africanas” adoradas pela REMPAD. Na parte superior esquerda e com algumadificuldade, é possível identificar a Rainha Nzinga Mbandi.

Em outras palavras, o melhor canal para desenvolver virtudes e bons hábitos é o relacionamento comunitário, sendo a igreja um espaço privilegiado.

A estrutura social da REMPAD está organizada por membros de diferentes faixas etárias incluindo um grande numero de crianças e jovens agrupados em classes distintas.

Esta organização estratificada é uma forma de reprodução de um espaço de sociabilidade paralelo à estrutura familiar; O nascimento e morte são fases da vida que engajam todos os fieis organizando-se ofertas especiais para as respectivas famílias.

No campo linguístico, o uso do kikongo em alternância com a lingala e muito raramente o português aponta para um espaço de valorização cultural enraizado na etnia Bakongo.
O uso do português indica uma dupla necessidade de integração e atenção ao espaço nacional ou mais além, procurando libertar-se da imagem de uma igreja de base racial e étnica (de recordar que a anteriormente a REMPAD designava-se “Igreja dos Negrosem África”).

A busca permanente de um espaço de interacção constante, assente na dinâmica de grupo e na valorização dos traços culturais endógenos, ante as inúmeras debilidades na estrutura social angolana apresenta-se como um dos factores de excelência para adesão de novos membros (principalmente entre os Bakongo). Deste modo a REMPAD vem gradualmente reivindicando o seu papel na esfera pública angolana.

Conclusões (Preliminares)

Na história moderna os movimentos messiânicos estão incluídos entre as manifestações mais vivas e dramáticas do choque cultural entre povos de nível diferente. O movimento religioso REMPAD tem contribuído (ainda que no nível restrito do grupo etnolinguístico Bakongo) para demolir as barreiras interpostas pelo colonialismo e pelo etnocentrismo das nações ocidentais.

A REMPAD traz na sua contestação religiosa elementos que sugerem uma forte polarização racial baseada na crença de uma personalidade profética nativa e que é o centro da esperança da revitalização cultural e de uma ordem social assente nos pilares da verdadeira independência e autodeterminação.

É notável que esta instituição religiosa vem permitindo ao grupo uma reconciliação com o passado e o presente, a maneira especial de associar processos de continuidade cultural e de mudanças, dando-lhes significados ao seu contexto actual e a história profundamente alterada. A reacção religiosa mpadista procura recuperar o protagonismo político e cultural perdido, retraduzindo o cristianismo nos termos de uma lógica local.

Importa salientar que a religião foi sempre o âmbito privilegiado onde se processaram as transformações sociais profundas das sociedades africanas, configurando-se numa importante linguagem através da qual os fiéis mpadistas articulam-se cultural e ideologicamente com a sociedade circundante, seja ela de dimensão nacional, regional ou mundial. 

(Universidade. A. Neto) Florival_s@hotmail.com

 

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