MANWÁ-NKONGO: A ÁGUA QUE SACIOU OS CAÇADORES

Por Luís Nzinga (1)

A natureza está repleta de soluções. Nzambi (2) calculou e dispôs tudo milimetricamente para as necessidades dos homens. Há ainda no universo, riquezas e soluções imensas por se descobrir.

Sempre tive dificuldade de acreditar na insuficiência da terra e de recursos para tantos homens. Mas acredito na ganância e no cinismo dos homens. Acredito que a terra foi sábia e suficientemente concebida para abrigar à milhões e milhões de homens. Daí que as vezes, gosto de imaginar o que seria da terra e dos seus recursos se os homens não morressem? E a resposta é que a mente humana acomodou-se e demais ao sofrimento e a escassez, a ponto de não conseguir crer numa vida plenamente abundante, sem dor e sem fim, se não pura fantasia – Julgámos!

A onde a lei da natureza impera, o domínio das letras vê-se abaixo da leitura do meio, a não ser que o homem saiba combinar a leitura das letras e da natureza.

Quando não se domina a leitura do meio, pode-se passar desapercebido por soluções muito precisas. O próprio mundo das letras imitou isso da leitura do meio.

E por falar em leitura ou domínio do meio, já ouviu falar sobre ou conhece o Manwá-nkongo?

O texto é um ensaio de carácter histórico sobre uma dessas soluções, cujas informações resultam de conversas que mantivemos com pessoas que já ouviram, consumiram e portanto conhecem sobre o objecto desse nosso ensaio. Além das conversas, houve a necessidade de deslocarmos para uma constatação in louco, na floresta do Yela-wa-yela(3), o que nos permetiu captar imagens e fazer alguns videos curtos sobre o objecto em causa. Pretende-se com este ensaio, chamar ao desafio os estudantes e pesquisadores de química, biologia, agronomia e ciências da saúde (naturopatia ou ervanaria) à:

  1. Estudarem esta planta, suas similares e outras espécies da nossa fauna quiçá e flora para melhor as conhecermos, peneirando sempre que possível as generalizadas, porém falsas crenças sobre estas;

  2. Incentivar o diálogo inter e intra-geracional, com realce para o contacto directo e face-a-face com os nossos mais velhos3 que são os nossos livros vivos ou “bibliotecas-vivas”(4);

  3. Informar sobre e perpectuar por via da escrita e não só, este importante aspecto cultural nosso.

O Manwá-nkongo é uma planta silvestre da família das rastejantes ou trepadeiras, que absorve e verte um líquido puro e bebível, quando cortada em duas extremidades. Diz-se ser água. Sobre o liquído, depois de cortada a planta, ele saí incolor, e só começa a ganhar a coloração que se confunde com a castanha e violeta, depois de 24 horas, o seu cheiro e o sabor é o mesmo da planta, certamente por ficar reservado nela e pelos minerais de que se alimenta a planta. Só não se pode afirmar categoricamente se tem as mesmas propriedades químicas do H2O e se, o seu consumo, tem efeitos negativos desconhecidos à longo prazo. Sobre a planta (mwanzi – ou raíz para os nossos entrevistados), quanto mais perto de um rio, lago ou em tempo de chuva, maior quantidade de água absorve e dá consequentemente.

Da língua kikongo, nwá ou dinwá-nkongo no singular e Manwá-nkongo no plural, traduzido: “o que foi bebido pelo (s) caçador (es) – água dos caçadores, pois acredita-se que os primeiros a descobrirem e a consumirem o líquido, foram caçadores, quando certo dia caçavam numa mata. Ao abrir o caminho, alguém cortou acidentalmente está planta e viram água a jorrar. Milagre?!…

Não se sabe se por curiosidade ou por sede, alguém bebeu a água e passado horas, nada de errado lhe sucedeu. Repararam e guardaram-lhe as características e noutras ocasiões, passaram a consumí-la, ficando baptizada com o nome de nwá ou dinwá-nkongo no singular Manwá-nkongo no plural. O nome pode variar em função da língua local, ou até da região. Mesmo em kikongo, existem variantes, há zonas em que a planta é conhecida como “N´singu-a-kayi”. Sobre a água, não se sabe sob que evidências, mas sabe-se que com o tempo, passou a ser usada, não só para saciar a sede, mas também para regular a pressão arterial, como soro oral, para dissolver penicilina na ausência de água destilada ou de soro fisiológico, para tratar dores no estomâgo, para lavar feridas na ausência de água habitual e até para confeccionar alimentos, sem mostrar efeitos negativos a curto, médio e longo prazo. Usa-se na medicina natural para tratar os problemas já enumerados. Particularmente, já a bebi várias vezes.

Sobre as propriedades químicas e medicinais da planta, fica o repto lançado aos estudantes e pesquisadores em biologia, agronomia, química e ciências da saúde. A análise laboratorial permitiria-nos determinar com acuidade de que elementos é rico o líquido, que influenciam que este trate os problemas já referidos e se de facto trata todos eles, ou apenas alguns ou até outros não conhecidos? Outros estudos podem ajudar a perceber a possibilidade e a probabilidade de a planta crescer além do habitar habitual e como ela pode ajudar no equilíbrio do ecosssistema e na preservação da água? Como se relaciona com outras espécies da flora quando combinados do ponto de vista medicinal e agronómico? E finalmente, em que casos não se recomendaria usá-lo?

Segundo o mais velho Mateus Ginga Neto, a planta dá alguns frutos não comestíveis, os quais não foi possível fotografar ou videografar por ser fora da sua época.

Não ouvimos nenhum relato de efeitos negativos. Os informantes afirmaram que a água pode ser usada por bebés em amamentação, por gestantes e por qualquer pessoa, salvo restrições por se descobrir (o mesmo aplica-se aos possíveis efeitos negativos.

Sobre o tempo útil de uso depois de extraída, os nossos informantes divergiram. Alguns falaram em 24 ou até 48 horas ao máximo, outros como o mais velho Mateus Ginga Neto, falaram em 3 a 4 dias e havendo um refrigerador, o tempo pode ser maior. Particularmente fizemos o teste dos 4 dias, a água não estragou, mas pelo menos confirmamos a mudança de cor para um tom que se confunde com a castanha ou violeta. Fora disso, nada mais pudemos confirmar devido a falta de análise laboratorial como já dissemos.

A deslocação, permitiu-nos perceber que, o Manwá-nkongo, não é a única planta que absorve e dá água bebível quando cortada, outras há da mesma família, como o Futi(5), o Nsenga-nsenga, Malumba-lumba. Mas esta última (Malumba-lumba), no final tende sair com um tom avermelhado que é, segundo relataram-nos, perigoso bebê-la e pode até levar a morte.

O ensaio, não esgota as informações sobre esta planta e outras similares, pelo contrário é um convite, para que outros venham a fazer mais e melhor. Precisamos realçar que muitas das soluções que temos esperado de longe, sempre bem a nossa volta, ao pé do nosso naríz. E o Manwá-nkongo é só uma delas, entre milhares…

Para terminar, ficam desde já expressos os nossos agradecimentos ao mais velho Mateus Ginga Neto quem nos serviu de acompanhante à Mata para a constatação in loco; Ao Francisco Frederico Rodrigues “Dick” por nos apresentar ao mais velho e pelos subsídios que nos logrou com base nas suas vivências a respeito da planta; Ao amigo e colega mais velho Artur Vaz, que desde o primeira momento que manifestamos o interesse em escrever sobre planta, partilhou as informações que tinha e dispôs-se a acompanhar-noa à mata (mesmo sem termos procurado o suficiente e não ter tido a sorte de encontrar, devido a hora tardia que entramos na mata); Ao Mavango Jose Vita “Mara” – outro informante; Ao colegas que Pedro Cabonga por ceder seu o telefone para captarmoa as imagens e fazer os vídeos; Aos colegas Nzinga Domingos Joni, pela leitura crítica e sugestões relativas a redação do texto. Ao Pinto António e muitos outros pela motivação. Na verdade, o meu primeiro contacto com a planta aconteceu a muito tempo, quando ainda criança, com o meu pai.

O que mais você sabe sobre esta planta e outras?

Pesquisador a acompanhar um o processo de extração do líquido

 

1 Na língua Kimbundu: Nzambi: do verbo kuzambu: presentear (a vida, ou o mundo), expressão comumente usada em muitas línguas bantu para traduzir a ideia de Deus das alturas, promotor da existência, autor do bem e do mal, o Deus propriamente dito.

2 Sita na aldeia de Kiwembo, Comuna do Zala, actualmente afecto ao Município do Nambuangongo, Província do Bengo.

3 Em África, a ideia de mais velho não significa necessariamente e sempre sê-lo em idade, é também e acima de tudo um atributo de honra e respeito aqueles que conhecem a história, as tradições, as linhagens da sua localidade e se destacam na preservação deles.

4 De Lembrar, que em África, o mau hábito de não conversar com os velhos equivale ao mau hábito de não ler nas culturas marcadamente ágrafas. Aqui, os nossos livros, têm voz, falam, andam, abraçam e peçam.

5 Também bebemos, fotografamos e videografamos o Futi.

Comentário

1 Comment

  1. Perspectiva e narrativa muito interessante, na medida em que deixa pistas para estudos empíricos nos campos da biologia, química, antropologia e, por que não, da ecologia humana.
    Parabéns ao autor.
    Viva

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