Tabonta: uma voz obrigatória em Setembro

Por Analtino Santos

Depois da correria que se impunha nas celebrações do Dia do Herói Nacional, fomos para o Zango 4 onde Gilberto Muzemba, o Tabonta, reside quando não está em França. Curiosamente, foi num longínquo Setembro, que, por causa de uma entrevista que deu sobre Agostinho Neto, depois de lançar o seu sucesso “Wele Neto Oh Tuna Yadi”, foi castigado com seis meses sem actuar.

Esta, aliás, foi a principal razão que o levou a deixar o país. Mas Tabonta continuou sempre presente no imaginário dos angolanos, apesar de ausente dos palcos e da discografia em Angola. Quase obrigatoriamente, a sua voz é escutada em Setembro, nas homenagens à memória de Agostinho Neto. No Centenário do primeiro Presidente de Angola eis aqui Tabonta em discurso directo

Tabonta é famoso entre os mais velhos. Sente que a nova geração tem a curiosidade de conhecer o cantor de “Wele Neto Oh Tuna Yadi”, música obrigatória em Setembro?

Tabonta é um artista, músico, cantor, intérprete e compositor angolano. Nasci a 18 de Dezembro de 1951 na aldeia de Makasoma, uma comuna do Ntama Kambu que está no município da Damba,  na província do Uíge.

Como surgiu “Wele Neto Oh Tuna Yadi”?

Foi pela simpatia que nós, e eu pessoalmente, tínhamos e temos pelo nosso primeiro Presidente Dr. António Agostinho Neto. E como Bantu, quando estamos numa aldeia e morre um soba, a população é chamada para participar no óbito, comba e outras actividades ou cerimónias fúnebres. Os artistas da aldeia têm de fazer algo para homenagear o Soba e as mamãs usam aquelas canções antigas relacionadas aos sobas. Foi assim que veio aquela inspiração divina no momento para expressar o que o povo sentia pela perda do nosso Guia Imortal. Como pertencia à Orquestra Inter Palanca produzimos alguns temas e o Matadidi,  o líder, como  sabia que eu dominava bem o kikongo, sugeriu-me a escrever a canção nesta língua e ele ficou com uma em português e outra em lingala.

Mas o percurso artístico de Tabonta não começou em Angola…

No Congo, onde eu cresci e comecei a dar os meus primeiros passos, estudei numa escola católica da Congregação do Sacramento. Os padres notaram que eu tinha vocação de cantar e como acólito aprendi a cantar em latim, coisa que não era fácil. Na altura, não percebíamos a língua, mas a melodia tinha uma alquimia com o kikongo e o lingala (exemplifica cantando). Diria que os congoleses  cantavam e usavam a melodia em kikongo, mas com a métrica do latim, por isso é que deu esta conotação da linda música em kikongo com o latim.

 E como entra no movimento da música congolesa?

Olha, começámos a gostar de coisas próprias da adolescência, nós que éramos puros, só sabíamos rezar para Jesus, pensávamos na Bíblia e nos cânticos religiosos, mas depois, ao crescer, aos poucos deixámos de ser puristas, quando começámos a namorar e a ouvir mais velhos como Tabu Ley, Francó e outros como os Bela Bela que também foram acólitos. Passámos a apreciar estes grupos e nas melodias em latim colocámos textos amorosos e assim fomos crescendo. 

Qual foi o seu primeiro conjunto?

Começámos a ser solicitados e criamos o Lassengué, em Kitambu, comuna de Kinshasa 2, que antes da política de autenticidade era Léopoldville II. Depois, com o apoio de padres católicos formámos  Carnabisse e fui um dos primeiros cantores a conhecer a comuna do Ngaliema, onde vivia o Mobutu e agora está o Presidente Félix Tshiseked Tshilomba. Uma zona nobre. Também fiz parte da Jeoly Binsa Del Vox, sempre na Ngaliema, na City Baldwin, na Cidade da Metrologia e noutras áreas frequentadas por políticos e figuras públicas.

Em que época foi? Já conhecia o Matadidi?

Estamos entre 1971 e 1974 e apenas acompanhava o trabalho do Matadidi no Trio Madjesi. Nós cantávamos as músicas deles.  Assistíamos os concertos e os ensaios e quando voltávamos a casa, para melhorar as nossas aptidões cantávamos as músicas porque havia livros com textos das canções congolesas e esta foi uma forma de aprender a cantar. Os mais velhos escolhiam aqueles que tinham talento para os seus grupos.

E o que é que cantava nessa altura?

Olha, o meu estilo é a Rumba Fiesta, que eu aprendi muito nas interpretações do Tabu Ley Roucheraux. O Francó era o oposto, estava mais para o Soukouss, era mais ritmado. Os funcionários gostavam mais do Tabu Ley, que era mais leve, um cantor mais clássico.

Por isso trouxe para o umbundu “Joujou Zena”, um dos maiores sucessos de Tabu Ley?

Sim, porque no início de carreira, era preciso saber cantar e fazer as grandes mudanças de língua e entoação dele, porque poucos faziam como Tabu Ley. Precisava ter muito jeito e trabalho para dar aquela forma característica. Por isso nestes tempos eu gravei “Joujou Zena”para homenageá-lo. É uma música muito bonita e apreciada em Angola. Gravei nos estúdios da Banda Chamavu e tive o Teddy Nsingui nos solos e Tony Mbonda no baixo.

E optou por regressar a Angola, depois da Independência, como muitos que responderam ao apelo de Agostinho Neto…

É uma longa história, mas vou resumir porque nós que crescemos lá e os filhos de angolanos que nasceram no Congo, os nossos pais instruíram-nos sempre  de forma a sabermos que aquela não era a nossa terra. Por exemplo, fora de casa falávamos lingala mas dentro era o kikongo. Davam-nos conselhos e diziam que um dia, teremos de voltar e fui sentindo isto. Quando alguns grupos me procuravam porque ouviam dizer que havia um jovem na zona do Ngaieba, que canta muito bem e poderia fazer parte deles, eu fugia. De facto, em determinadas alturas, sentíamo-nos zairenses, mas quando regressávamos a casa, as coisas eram diferentes. Nós sabíamos que éramos colonizados, que estavam a fazer tudo para sermos independentes e que não podíamos fazer a nossa vida lá e teríamos de regressar para a nossa terra, sem nos importarmos com os movimentos. Como disse antes, os nossos pais falavam que um dia deveríamos regressar e quando Neto fez o apelo senti que estavam criadas as condições para regressar à nossa terra, participar no desenvolvimento e aproveitar tudo de melhor.

Quando foi que entrou no país?

Foi um pouco depois da Independência, nos finais de 75, em Dezembro, mas fiquei no Kipaba, na fronteira, porque as nossas autoridades e os cubanos não deixavam entrar as pessoas facilmente. Havia muita bicha e controlos ao longo do percurso, assim como também controlavam os refugiados. Fiquei muito tempo porque pretendia passar na minha aldeia para reencontrar o meu pai, pois ele havia regressado em 1974. Foi assim que voltei à terra onde nasci e comecei a conhecer os limites dos nossos rios Mpeu e Nzadi. Cheguei a ser treinador de futebol de uma equipa e era conhecido como Mirage. Fui um grande jogador, mas optei pela música. E sempre fui estudando.

E como encontrou Pepé Pepito e Nonó Manuela?

Eu estava no Bita, Damba, na província do Uíge e nos simpatizamos. Em Luanda formaram o Emulação, o duo Pepé Pepito e Nonó Manuela. Eu era a terceira voz e nesta condição participávamos em actividades do agrupamento FAPLA Povo. Foi aí que conheci o Jaburú, Mauro do Nascimento, Brando, Dulce Trindade, Habana Mayor e outros. Já não encontrei o David Zé, Urbano de Castro e Artur Nunes porque foi depois do 27 de Maio de 1977. Com Pepé Pepito e Nonó Manuela começo a conquistar o meu espaço e actuamos em vários pontos do país, como Huambo, Benguela, Canjala, Caluquembe, etc., etc.

Recorda algumas músicas desta época?

De minha autoria tenho “Mavimpi”, um tema em Kikongo, de 1977, e Bongi. O Nonó cantou “Kwanza Kwanza”. Em “Angola Xietu” de Pepé Pepito eu fiz a terceira voz. Não me recordo da editora. Um pouco depois o Teddy, Sassa, Domé, Elvis, Timex e outros instrumentistas abandonaram a Orquestra Inter Palanca para formarem Os Malucos. Deixaram o Matadidi praticamente sozinho. O Matadidi empresta os instrumentos ao Pepé Pepito e ao Nonó Manuela e assim, com o agrupamento Emulação, começamos a viajar com a aparelhagem para apresentações em vários municípios.

 Então como integra o Inter Palanca de Matadidi Mário?

Penso que Matadidi já tinha um plano quando cedeu a aparelhagem, no sentido de que Pepé Pepito e Nonó Manuela encontrariam músicos capazes e ao recuperar a aparelhagem ficaria também com esses músicos. É assim que eu, o May, Fely, Baguete e outros passamos para o Inter Palanca. Nesta fase também surgiu o convite para Matadidi actuar na Nigéria. Naquela altura, como jovens que éramos, não queríamos desperdiçar a viagem.

 Depois saiu e foi para a Orquestra 1º de Maio?

Chegou uma fase em que pretendia seguir um outro caminho, mas pedi ao mais velho Matadidi, agradeci-lhe por tudo que fez por mim. Foi no fim de 1982.

 Estava no Instrumental 1º de Maio quando abandonou Angola. O que aconteceu?

Como sabem, o Instrumental 1º de Maio pertencia à UNTA. Em Setembro de 1983, dei uma entrevista falando sobre Neto e os dirigentes do sindicato castigaram-me, dizendo que eu não deveria falar. Fui autorizado a falar pelo chefe da orquestra, mas ele negou e a minha suspensão,  numa altura em que a minha mulher deu a luz um filho, no dia 6 de Setembro de 1983, foram seis meses sem actuar.

 Fale da continuidade da sua carreira em França…

Em França, gravei o disco “Saone” e participei em festivais, actividades diversas e gravações em estúdio com artistas de várias nacionalidades. Tenho vários temas gravados e em produção.

 Por que que não temos estes temas em disco?

Por exemplo, tenho “Sala-bi-sala”, “Trânsito, Malembe-Malembe”, “Ritmo Angolé”, “Nzila Kongo” e outros. Tenho trabalhado com alguns promotores e estou aberto a outros. Infelizmente, não consigo apoios suficientes para editar, eu até posso retirar alguns valores dos meus rendimentos, mas tenho encargos com a família, a formação dos filhos e outros.

 É chamado aos palcos apenas para cantar “Wele Neto”. Isto não o incomoda?

Isto às vezes incomoda, mas entendo que é pela força da música e pelo que ela representa para muita gente. Tenho outros temas e um reportório diversificado, mas nem sempre sou chamado fora das actividades em comemoração do Dia do Herói Nacional. E quando sou chamado, se deixo de interpretar este tema, as pessoas ficam decepcionadas.

Tradução de “Wele Neto”

Na época em que cantou pela primeira vez “Wele Neto” Tabonta era uma das vozes da orquestra de Matadidi Mário. A música, que nunca foi remixada, contou com as participações de Gracia Muzolo “Mogue” (baixo), Maying Mayi (solo) e Matondo Noa (ritmo), dentre outros, que contribuíram para a imortalidade da canção para o Fundador da República de Angola. Eis a sua tradução do kikongo para o português:

 Wele Neto (Choremos Neto)

“O Chefe da Nação hoje partiu / Ele deixou-nos sem nenhuma palavra / Fechou os olhos, partiu, óh, óh / Povo Angolano, recordemos Neto / Óh Neto Papá partiu // De Cabinda ao Cunene / Recordemos o Pai Neto, choremos Neto que partiu / Verdade Pai, juntos estivemos, nos protegeste / Nos mostraste o amor ao trabalho / E conquistaste para nós, a Independência de Angola / Sofreste bastante, por causa da libertação de Angola / Marchando dia e noite /  Passando a vida nas matas // Hoje partiu / Neto partiu sem se despedir / Neto, nós ficamos órfãos, que tristeza / As lágrimas e nosso choro  / Neto óh Neto óh óh Papá / Irmãos, o nosso Pai Neto partiu / Mas as suas ideias e seus feitos / Guardemos nos nossos corações // Amigos, o nosso Pai Neto partiu / Metamos em prática os seus ensinamentos / Nos nossos locais de trabalho / Neto partiu sem se despedir / Neto, nós ficamos órfãos, que tristeza / As lágrimas e nosso choro eh eh / Em Cabinda estão chorando, Zaire óh óh / Em Luanda estamos chorando, no Uíge óh óh / Em Malange estamos chorando, Moxico óh óh”

O sonho de Tabonta

Tabonta lembra-se sempre da aldeia de Makasoma, na comuna de Ntama Kambu, das cem armadilhas no município da Damba, entre as localidades do Kibocolo, Béu e Kuito Mfula -, onde nasceu e foi forçado a sair com os pais para o Congo Belga. Tabonta é um homem da Rumba Congolesa, mas nunca esqueceu o Sikulu e o Kindongo, ritmos que marcaram a sua infância.

De regresso à terra mãe, transformou a expressão “Estás bom? Tã” artisticamente em Tabonta. E, pela educação católica, considera-se um bom samaritano. Dividido entre Luanda e França, numa época de ausência, viu a sua residência vendida. Transformou-se então em Gira-Bairro, passando pelas Bês, Palanca e Zango. A sua luta até hoje é conseguir uma residência própria. 

Tabonta tem publicado o álbum “Wele Neto Ó Tuna Yadi”, editado pela LS Produções e  lançado a 17 de Setembro de 2010. Na obra estão reunidos temas que marcam o processo criativo do artista de 1979 a 2009, cabendo a abertura ao seu principal sucesso, que dá titulo ao álbum. Encontramos nele uma diversidade rítmica em temas como “Ngodiongo”, “L’Illes de Luanda”, “Nguizani”, “Ngui Mona Di Fundo”, “Viva Angola”, “Guta Sasa Kiesse”, “Bom Aniversário”, “Mayu Ma Zokoto”, “Kibongi”, “Sou uma roseira” e “Kama Mona Mosiko”. O artista contou com as participações dos amigos Mogue (baixo), Baguete e Simolo (bateria), Maya, Feli Noá, Olivier e Caen Madoka (solo e ritmo), Fabrice de Brazza (sintetizador) e coro de Patrícia de Doualá.

O seu sonho é apresentar em palco os temas deste disco, bem como de “Saone” e outros temas que tem gravados, como “Aleluia”, uma parceria com Dodó Miranda, além dos que tem em colaboração com o amigo Dulce Trindade e os Mizangala DT. Outro sonho seu é  montar uma banda própria, para ajudar jovens talentosos.

Comentário

Seja o primeiro a comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*


Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.